estudos bíblicos
A arca da aliança
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 9 do trimestre sobre “O Tabernáculo – Símbolos da Obra Redentora de Cristo”.
Já estamos no ambiente mais recôndito do tabernáculo, o Lugar Santíssimo. Tendo cruzado o véu, contemplemos por um momento o móvel mais sagrado de todo o arraial hebreu: a arca da aliança. De que era feita, o que nela estava guardado, quais as suas simbologias para Israel e suas representações tipológicas para a Igreja? Com a Bíblia em mãos passemos a estudar e nos enriquecer com tão profundo assunto.
I. A descrição da arca da aliança
1. Material e medidas
O termo hebraico para arca é aron, e pode significar caixa, baú ou cofre. De fato, a arca tinha formato de uma caixa; era um baú pois nele algo estava depositado; e era cofre porque o que ali estava guardado mantinha-se sob proteção como mui valioso tesouro.
Feita de madeira de acácia e revestida de ouro por dentro e por fora, a arca era uma caixa retangular, cujas medidas eram de aproximadamente 1,10m por 0,70m (a altura era igual à largura – Êx 25.10). A arca mantinha-se fechada por uma tampa de ouro sobre a qual foram esculpidos dois querubins de ouro. Ali era aspergido o sangue dos animais sacrificados em favor de todo o povo hebreu no Dia da Expiação (Lv 16), o dia mais especial para o povo judeu.
Quatro argolas de ouro foram fixadas nos cantos da arca, por onde duas varas de madeira de acácia revestidas em ouro deveriam ser colocadas de modo permanente para o transporte da arca. É curioso notar que as traduções NVI, NVT e NTLH dizem “quatro pés” ao invés de “quatro cantos”; é uma tradução possível da palavra no texto original hebraico, e se assim for, as argolas para as varas ficavam nos cantos inferiores da arca (isto é, na parte de baixo), de modo que quando a arca fosse carregada ela ficava sempre acima da cabeça dos que a transportavam.
2. Propósito
Sendo o objeto mais sagrado de todo o tabernáculo, guardado no Lugar Santíssimo, a arca da aliança feita por Bezalel (Êx 37.1-5), sob orientação divina, denotava a presença de Deus no meio do seu povo; presença que inspirava temor e santidade, além de assegurar proteção contra os inimigos.
A arca não era em si mesma a presença física de Deus, como o pão e o vinho da Ceia não são literalmente o corpo e o sangue de Cristo; mas tratava-se de um forte símbolo da presença divina que deveria ser reverenciada e também amada pelos crentes da antiga aliança.
Deus não é um gênio da lâmpada que está trancafiado num pequeno recipiente fechado. Se nem os céus dos céus podem contê-lo (2Cr 2.6; 6.18), que dirá uma caixa de menos de um metro e meio de cumprimento! Todavia, sobre aquela arca dourada Deus aparecia em manifestações teofânicas ou no resplendor de sua glória para confirmar a aceitação dos sacrifícios e da adoração de seu povo (Lv 16.2; Ex 40.34-35).
3. Cuidados com a arca
Ao ser desmontado o tabernáculo, o véu que separava o Santo do Santíssimo deveria ser colocado sobre a arca da aliança, para que a aparência dela não estivesse visível aos homens comuns. Somente então é que poderia ser carregada pelos levitas descendentes de Coate, isto é, os coatitas (Nm 4.1-6). A arca nunca deveria ser transportada em carruagens (conf. 1Cr 13.9-10), mas somente sobre os ombros dos levitas (1Cr 15.11-14 – nesse caso, Davi designa os sacerdotes para transportar).
Único item do tabernáculo de Moisés preservado nos dias de Salomão, e guardado no Lugar Santíssimo do majestoso templo em Jerusalém (1Re 8.6). O fim da arca é realmente um mistério, mas a opinião predominante entre os comentaristas bíblicos é de que ela teria sido levada para a Babilônia por ocasião da invasão de Nabucodonosor (586 a.C.) e lá derretida (escritos apócrifos dizem que o profeta Jeremias a teria escondido antes da invasão dos caldeus). A arca não consta na lista de objetos trazidos de volta para Judá após o cativeiro (Ed 1.7-11).
Por boca do profeta Jeremias Deus já havia predito que chegaria o dia em que os judeus não mais procurariam a arca da aliança, pois a cidade de Deus seria a sua habitação (Jr 3.16,17). Nos dias de Jesus, a despeito da regularidade do culto levítico, a arca da aliança já não estava mais presente no lugar Santíssimo do templo reformado e ampliado por Herodes.
Talvez tenha sido pertinente que as coisas fossem mesmo assim, já que a arca era apenas um símbolo da presença divina, um tipo imperfeito do Cristo perfeito e encarnado; visto que o antítipo, isto é, o cumprimento e a realidade das coisas estava ali entre os homens – Emanuel, Deus conosco (Is 7.14; Mt 1.23) – não haveria necessidade daquele antigo objeto permanecer simbolizando o que já havia se feito real. Ao rasgar o véu, Deus não estava chamando os homens a olharam para o ambiente vazio do lugar Santíssimo, mas a olharem para o Cristo crucificado, o “novo e vivo caminho” para Deus (Hb 10.20; Jo 14.6).
Igrejas que constroem réplica da arca da aliança e fazem dela objeto de veneração no culto, diante da qual as pessoas se dobram e fazem suas preces ou saem em procissão, estão regredindo da graça e voltando à Lei; estão desertando do Novo e retornando para o Antigo Concerto; estão trocando a presença real de Cristo – “estarei no meio deles” (Mt 18.20) – por um mero objeto que já não tem qualquer valor para Deus! Infelizmente réplicas de arca da aliança estão presentes em muitos cultos evangélicos Brasil afora, o que comprova a presença de sincretismo religioso e de muitas superstições entre igrejas imaturas que não prezam pelo ensino ortodoxo da Palavra de Deus, mas vivem em busca de novidades, ainda que essas novidades sejam velhas experiências que já caducaram na cruz de Cristo!
II. O propiciatório da arca
A tampa da arca, também chamada pelos comentaristas bíblicos de “tampa da misericórdia”, era o lugar do encontro do homem com Deus. O juízo que fora executado contra a vítima inocente no altar do holocausto encontrava-se agora com a misericórdia de Deus sobre o propiciatório. Se não houvesse aceitação da parte de Deus, o sangue aspergido sobre o propiciatório seria inútil e toda a congregação de Israel, incluindo-se a classe sacerdotal, se manteria culpada diante do Santíssimo Senhor! Todavia, nosso Deus faz misericórdia a milhares dos que o amam e aos que guardam os seus mandamentos! (Êx 20.6).
1. Descrição
Como disse Orlando Boyer, a cobertura ou tampa da arca da aliança era uma “lâmina de ouro puríssimo” [1]. Suas medidas (cumprimento x largura) eram as mesmas da arca, não ficando nenhuma sobra a mais. Esta tampa propriamente é chamada de propiciatório (Êx 25.20), devido ser ali que o sangue da expiação por todo o povo hebreu era aspergido, isto é, o lugar da propiciação, o lugar em que, mediante o sangue da vítima inocente, os pecadores eram aceitos diante de Deus.
O comentarista da Lição da CPAD, Elienai Cabral, comete um equívoco ao dizer que a tampa era feita de madeira de acácia (2° Trim/2019, Lição 9, tópico II). Outros comentaristas e ilustradores cometem o mesmo equívoco, talvez por desatenção ao texto bíblico que menciona apenas o “ouro puro”: “Faça uma tampa de ouro puro com um metro e dez centímetros de comprimento por setenta centímetros de largura” (Êx 25.17, NVI).
2. Figuras dos querubins
Sobre o propiciatório e formando com ele uma única peça, foram esculpidos em ouro dois querubins alados, isto é, com asas. Eles não olhavam um para o outro nem para o ambiente em volta, senão para baixo onde o sangue seria aspergido uma vez ao ano pelo sumo sacerdote.
Diferentemente do que reproduziram alguns ilustradores ou artífices modernos, não eram figuras pequenas, já que cada querubim foi esculpido originalmente em cada extremidade do propiciatório e suas asas deveriam se estender por toda a tampa (Êx 25.20). Se estavam de pé ou de joelhos na escultura original de Bezalel, não o sabemos. Mas é sugestivo pensar na reverente posição que os joelhos dobrados sugerem, embora no templo de Salomão diga-se que os grandes querubins de madeira revestidos em ouro no Lugar Santíssimo estivessem de pé (2Cr 3.13).
Como já dissemos na Lição passada, a figura dos querubins tanto bordados na primeira cobertura do tabernáculo e no véu do lugar Santíssimo como esculpidos sobre a arca da aliança apontam para a majestade divina que ali se fazia presente entre anjos da mais elevada corte. De modo algum aquelas representações angelicais deviam servir para a idolatria ou veneração dos anjos (Êx 20.3-5), mas para destacar a glória do ambiente, já que Deus é aquele que está entronizado entre e acima dos querubins (1Sm 4.4; 2Sm 2.6; Sl 80.1; Is 37.16).
3. Simbologia
O Dr. Russel Norman Champlin [2] apropriadamente cita três símbolos espirituais envolvidos na arca da aliança, os quais descrevemos abaixo:
1) Era sinal do pacto entre Deus e os homens, ratificado pela lei e inaugurado pelo sacrifício expiatório. Em termos cristãos, representa Cristo, o nosso sacrifício (Jo 1.29; Hb 9.24). Em Cristo temos um novo pacto, um novo testamento (Hb 7.22; 9.15);
2) Representava a presença e proteção de Deus (Js 3.3; 4.10). Em termos cristãos, isso se concretiza em nosso favor através da missão de Cristo. A providência divina nos é estendida em Cristo (Ef 1.7);
3) Sob a tampa do propiciatório Deus aparecia ao sumo sacerdote no Lugar Santíssimo, em teofanias. Agora Cristo é a teofania. Em Cristo há revelação, porque nele Deus comunica-se com os homens. Como disse o autor da carta aos Hebreus, “O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser” (Hb 1.3). Se de fato faz algum sentido a adoção do termo hebraico pós-bíblico shekinah, então cremos que Cristo é a verdadeira shekinah, o resplendor da glória divina, aquele em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2.9).
Se a arca não podia ser vista pelos homens comuns, sobre Jesus é dito: “nós mesmos vimos a sua majestade” (2Pe 1.16); se não podia ser tocada, sobre Jesus é dito: “as nossas mãos apalparam” (1Jo 1.1); se a arca ao ser transportada devia ser coberta com o véu, sobre Jesus é dito que “tiraram-lhe as vestes e puseram nele um manto vermelho” (Mt 27.28). Este Jesus habitando em nós não é mais um mero símbolo, é uma realidade! “Eu e o Pai viremos para ele e faremos nele morada”, prometeu aos que guardassem os seus mandamentos (Jo 14.23). Nas palavras do apóstolo Paulo, “Cristo em vós, esperança da glória” (Cl 1.27).
III. Os elementos sagrados da arca
Segundo o autor da carta aos Hebreus, na arca da aliança estavam: o vaso de ouro que continha o maná, a vara de Arão que tinha florescido, as duas tábuas da aliança feita no monte Sinai (Hb 9.4).
1. As tábuas da lei (Êx 25.16)
Ao ordenar a construção da arca, Deus também disse a Moisés: “E você porá na arca o testemunho, que eu lhe darei” (Êx 25.16, NAA). Aqui, “testemunho” referia-se as duas pedras dos mandamentos que Deus entregou a Moisés no Sinai (Êx 34). Aliás, é em virtude dessas pedras da aliança firmada entre Deus e o seu povo no Sinai que a arca leva o nome de “arca da aliança”, além de outros muitos nomes pelas quais ela veio a ser conhecida (por ex., “arca de Deus”, “arca do testemunho”, etc.).
Nos dias de Salomão, quando a arca foi introduzida no lugar Santíssimo (a mesma arca dos dias de Moisés), estas pedras do testemunho eram os únicos itens que se encontravam dentro da arca (1Re 8.9), o que leva-nos a sugerir que os outros itens (maná e vara de Arão) tenham se perdido.
As tábuas da Lei denotam a centralidade da Lei do Senhor entre o seu povo e a obrigação de se observar os seus mandamentos para a prosperidade de Israel (Dt 28). Cópias da lei do Senhor depois seriam feitas pelos escribas e disponibilizadas para sacerdotes, reis, autoridades e todos do povo quantos pudessem ter acesso a elas. As promessas eram de bem-aventurança aos que meditassem e guardassem as palavras da lei do Senhor (Sl 1.1-3).
Hoje não temos a arca nem as tábuas de pedra com os mandamentos escritos pelo dedo de Deus, mas temos a Palavra escrita pelos servos do Senhor, inspirada pelo Espírito; ela deve ter primazia em nossos corações. Como disse Jesus, quem ouve as palavras de Deus e as pratica são como o homem que construiu sua casa sobre a rocha: seguro estará contra as adversidades da vida (Lc 6.47,48). “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus” (Jo 8.47).
2. Um vaso com o maná do deserto (Êx 16.32-34)
Deus ordenou a Moisés que também guardasse em um vaso (ou “urna de ouro” – HB 9.4) cerca de dois litros do maná colhido no deserto (Êx 16.32-34), o alimento que saciou a fome dos hebreus peregrinos durante os longos quarenta anos rumo à Canaã.
A razão da preservação daquele alimento especial é dada no próprio texto: “para que seja guardado para as futuras gerações” (Êx 16.33). Isso não quer dizer que gerações futuras comeriam aquele maná, mas que se lembrariam continuamente da provisão divina em favor de seus ancestrais.
O maná fala da generosa provisão de Deus, aquele que dá “o pão nosso de cada dia” (Mt 6.11). As gerações futuras precisariam crer que sempre que fossem necessários milagres para suprir as necessidades de seu povo, Deus nunca seria mesquinho ou indiferente aos clamores. Mas eles teriam que confiar e não serem incrédulos como a geração do deserto o foi!
Semelhantemente hoje Jesus garante aos seus discípulos que não precisamos nos afligir quanto ao que comeremos, beberemos ou vestiremos nos dias vindouros, pois “vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas” (Mt 6.32). Ao invés de ansiedade ou queixas, devemos levar em oração todas as nossas necessidades ao Senhor, e confiar nele, pois a cada dia tem cuidado de nós melhor que qualquer pai deste mundo cuida de seus filhos (Fp 4.6; 1Pe 5.7; Sl 27.10). “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).
3. A vara de Arão que floresceu (Nm 17.10)
Um terceiro e último item que foi acrescentado ao interior da arca do testemunho foi a vara de Arão. O contexto (Nm 16 – 17) foi aquela famosa rebelião encabeçada por Corá, Datã e Abirão contra a liderança de Moisés e Arão sobre os hebreus. “Por que vocês se exaltam sobre a congregação do SENHOR?”, questionaram os rebeldes, tomados de inveja e presunção. Deus os castigou severamente, quando fez a terra se abrir e engolir os queixosos.
Diante dos anciãos e chefes de família que sobreviveram, um bordão ou vara de cada tribo de Israel foi tomada para ser colocada diante da arca do testemunho. E o desafio de Deus foi: “o bordão do homem que eu escolher, esse florescerá” (Nm 17.5). No dia seguinte, todas as varas permaneciam secas, como um simples pedaço de pau; com exceção do bordão de Arão, segundo a qual o texto bíblico informa: “havia brotado, e tendo feito sair brotos, havia produzido flores e dava amêndoas” (v. 8). Um novo milagre divino que confirmava a autoridade e sacerdócio araônico!
O objetivo imediato daquele milagre divino que confirmava a vocação exclusiva da família de Arão para o sacerdócio era fazer cessar as murmurações dos filhos de Israel contra os líderes escolhidos por Deus (v. 5).
Hoje não é diferente: é direito soberano de Deus escolher quem Ele quer para o ministério, e suas escolhas não estão sujeitas a críticas. A Igreja é do Senhor e “ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.11,12).
Quando Pedro quis questionar Jesus sobre qual seria o fim do apóstolo João, o Senhor lhe replicou dizendo: “Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu” (Jo 21.22). Os desígnios de Deus são inquestionáveis, e o melhor a fazermos é aceita-los humildemente e prontamente nos submetermos a Sua vontade soberana. O que importa é que seja como líderes ou como liderados, em meio às multidões ou nos desertos, cantando ou pregando, sirvamos fielmente ao dono da obra!
Conclusão
Muitas e preciosas são as lições que se podem extrair do estudo da arca da aliança, mas a principal de todas elas é: a presença de Deus é o bem mais valioso que podemos almejar em nossas vidas. Quando os judeus perderam a arca para os filisteus, exclamaram “Icabode”, que quer dizer “foi-se a glória” (1Sm 4.21). Livre-nos Deus de tamanha tragédia! A presença de Deus é nossa vida, nossa riqueza, nosso futuro, nosso tudo!
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Referências
[1] Boyer. Pequena enciclopédia bíblica, CPAD, p. 438
[2] R. N. Champlin. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, 11° ed., vol. 1, Hagnos, p. 258