estudos bíblicos

A chamada profética de Samuel

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 3 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.

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Dando sequência aos estudos nos livros de Samuel, hoje estudaremos sobre a chamada do pequeno filho de Ana para o ofício profético, o primeiro dos três ofícios exercidos por Samuel, que viera a ser também juiz e sacerdote de Israel.

Como se deu essa chamada, como Samuel a exerceu e que lições práticas podemos extrair como exemplos para nós hoje? Com a Bíblia em mãos, passemos agora a estudar e responder estas questões.

I. Definindo o “profeta” em Israel

1. A menção de “profeta” no livro

A palavra “profeta” (no singular) ocorre três vezes no livro de 1Samuel (confira: 3.20; 9.9; 22.5), e a forma plural desta mesma palavra se apresenta 15 vezes. A primeira referência é justamente a Samuel, quando diz: “Todo o Israel, desde Dã até Berseba, conheceu que Samuel estava confirmado como profeta do SENHOR” (1Sm 3.20).

Entretanto, era comum que em virtude de seu caráter ilibado e de sua grande respeitabilidade o profeta fosse também chamado pela honrosa expressão “homem de Deus” (que hoje usamos muitas vezes de modo banal, sem medir o peso que ela tem). Assim sendo, temos um profeta anônimo mencionado no livro antes mesmo de Samuel, e foi o profeta que predisse a queda da casa sacerdotal de Eli e a sua substituição por outra casa fiel. A longa repreensão e sentença está registrada em 1Samuel 2.27-36, da qual extraímos esta porção: “Então suscitarei para mim um sacerdote fiel, que fará segundo o que tenho no coração e na mente. Eu lhe edificarei uma casa estável, e ele andará diante do meu ungido para sempre” (v.35).

Diferentemente do que consta no comentário da Revista, não foi Samuel quem “se dirigiu à casa de Eli, dizendo que este seria substituído por um sacerdote fiel”¹. A primeira profecia de Samuel, conforme revelação que lhe foi dada pelo Senhor, consta somente no capítulo 3 (vv. 11-14), e nesta ocasião, Samuel fala apenas da derrocada da casa de Eli, mas não faz menção à sua substituição por um sacerdócio fiel. Como já supracitado, quem faz menção ao “sacerdote fiel” é o profeta anônimo; Samuel apenas e tão somente prediz o julgamento da casa de Eli. Nada mais.

Já que a Lição trata do chamado profético de Samuel e, como vimos na Lição passada, Samuel fora entregue por sua mãe para morar justamente com o sacerdote Eli e por ele ser instruído, vale aqui refletir: como deve ter sido difícil para o pequeno Samuel entregar a sua primeira revelação divina, sendo ela de um teor tão amargo, e ainda mais dirigida justamente ao seu mentor espiritual! Não à toa, Samuel “estava com medo de relatar a visão a Eli” (2.15). Quem nunca teve medo de entregar uma mensagem revelada por Deus? Quem nunca sentiu um friozinho na barriga diante do peso da responsabilidade? Quem nunca sentiu as pernas tremerem diante de uma chamada para uma obra específica na Casa do Senhor?

Mas parece que muitos hoje já não temem mais o peso da responsabilidade de serem profetas de Deus, daí vemos serem banalizados o dom da profecia e o ministério profético, com gente profetizando a torto e a direito, dizendo “assim diz o Senhor” sem nada Ele haver dito, ou “vou profetizar na sua vida” sem terem recebido nenhuma revelação de Deus. Qualquer um que for verdadeiramente chamado por Deus, teme e treme!

2. Definição de profeta

Segundo o exegeta Esequias Soares, “os profetas são identificados na Bíblia como alguém com o ofício de apresentar Deus e a sua vontade ao povo ou a uma pessoa individual” ². O pastor Esequias Soares, que é também comentarista de Lições Bíblicas da CPAD, comenta ainda sobre os três termos usuais no hebraico bíblico para profeta: roeh, hozeh e nabi (ou navi). Seus significados são:

A) roehquer dizer vidente, e aparece 11 vezes no Antigo Testamento, sendo que sete se aplicam ao profeta Samuel. Embora no uso moderno a palavra vidente tenha uma conotação estranha aos cristãos, por quase sempre remeter aos que vivem envolvidos em práticas de adivinhação e ocultismo, esta era a forma antiguíssima como os profetas eram chamados, dado sua habilidade espiritual e sobrenatural para anteverem, conhecerem e discernirem o que à sabedoria humana comum não era possível. O próprio livro de 1Samuel afirma: “…ao profeta de hoje, antigamente, se chamava vidente” (9.9).

B) hozeh – palavra semelhante à roeh na grafia e também no sentido, mas com um detalhe: “roeh vem do verbo ‘ver’, isto é, com os olhos físicos, a capacidade de compreender aquilo que vê, ao passo que hozeh significa ver introspectivamente, ver com o espírito (Os 9.7)” (Soares, p. 28). Assim, podemos dizer que o roeh (vidente) vê sobrenaturalmente com os olhos, enquanto que o hozeh (visionário) vê sobrenaturalmente em sua mente ou no íntimo, mesmo que com olhos fechados ou cego. Mas, ressalte-se, o profeta de Deus pode ser ao mesmo tempo um vidente e um visionário.

C) nabi ou navi – é a palavra mais recorrente no Antigo Testamento para profeta: ocorre mais de 300 vezes! Seu significado exato é incerto, embora o étimo da palavra aponte para “borbulhar, ferver, derramar”, daí uma definição adequada de profeta ser também aquele que extravasa palavra (Soares, p. 29). Abraão foi o primeiro a ser chamado de navi, isto é, profeta (Gn 20.7), e, combinando-se com o chamado de Moisés, de quem Arão, seu irmão, seria porta-voz diante do faraó (Êx 4.10-16), é possível definir profeta como “porta-voz de Deus”, isto é, aquele que proclama a revelação divina. O Dicionário Vine é taxativo: “Está claro que ‘profeta’ é igual àquele que fala por outra pessoa ou é a sua boca”. ³

3. Samuel e os demais profetas

Considerando, então, profeta no sentido mais básico como alguém que proclama uma revelação do Senhor ou fala em nome do Senhor, encontramos muitos outros profetas e profetisas na Bíblia antes de Samuel: Enoque (Jd v.14), Noé (2Pe 2.5), Abraão (Gn 20.7), Moisés (Dt 18.15; 34.10), Arão (Ex 7.1), Miriã (Êx 15.20), Débora (Jz 4.4).

Nenhum destes, porém, recebeu um chamado em tão tenra idade como Samuel, que era ainda um menino quando chamado por Deus enquanto dormia junto ao tabernáculo do Senhor, próximo à arca da aliança, talvez num quartinho ali construído ao lado do tabernáculo. O termo hebraico em 1Samuel 3.1 (traduzida nalgumas versões por jovem) sugere, como bem interpreta a versão King James, que “Samuel era ainda menino”, servindo ao Senhor sob a supervisão de Eli. Não se menciona a idade, mas é possível que Samuel tivesse algo em torno de 10 a 12 anos de idade, quando foi chamado por Deus naquela madrugada, “antes que a lâmpada de Deus se apagasse”.

Deus não tem problema com idade. Ele chamou Moisés aos 80 anos de idade, quando pastoreava as ovelhas de seu sogro Jetro no monte Horebe (Êx 3.1ss), mas agora chama ao infante filho de Ana, que servia ao Senhor, perante Eli. Crianças não precisam serem meras expectadoras na obra de Deus, elas podem ser vocacionadas e capacitadas para algum serviço, sempre, claro, sob a supervisão de pessoas experientes e maduras.

Crianças podem ajudar seus pais nalguma atividade eclesiástica, mesmo que seja “abrindo as portas da Casa do Senhor”, como costumava fazer o menino Samuel (1Sm 3.15); podem também orar em favor de outras pessoas e assim serem exercitadas na fé em Deus; podem louvar ao Senhor ou mesmo tocar algum instrumento em conjuntos, bandas e orquestras; e podem até mesmo compartilhar porções da Palavra de Deus, falando de Cristo à igreja local, em cultos domésticos ou aos amigos de escola e vizinhança.

Para uma seara que é grande e carece de obreiros, não podemos nos dar ao luxo de negar a mão de obra infantil. E, aliás, discipular nossos filhos, treinando-os desde cedo para o serviço do Senhor, é mandamento bíblico, implícito nas palavras: “Instrui o menino no caminho que deve andar…” (Pv 22.6). Papai e mamãe, vocês estão treinando seus filhos para servirem ao Senhor?

II. O desenvolvimento do ministério de Samuel

1. O crescimento profético de Samuel

O terceiro capítulo de 1Samuel é fundamental para conhecermos o chamado e os primeiros anos de desenvolvimento do ministério do profeta Samuel. Recomendo ao leitor que não prossiga na leitura do nosso artigo sem que primeiro tenha lido atentamente o capítulo bíblico em questão.

Observe que Samuel crescia servindo ao Senhor sob a direção do sacerdote Eli, que a despeito de seu fracasso na liderança dos próprios filhos, demonstrou-se um tutor eficaz para o menino.

O ministério profético de Samuel foi semeado por seus pais quando entregaram a criança para dedicação integral e exclusiva ao Senhor (1.28); essa “semente” brotou numa época de muita aridez espiritual, quando a revelação da Palavra do Senhor aos homens “era muito rara” e quando as visões sobrenaturais recebidas de Deus “não eram frequentes” (3.1); cresceu em meio aos espinhos que podiam sufoca-la, mas não conseguiram, dado a firme posição de Samuel em não imitar os mesmos erros dos filhos de Eli, antes dedicar-se em servir ao Senhor (3.1,15); e mesmo na velhice, essa semente que agora era uma árvore frondosa, não deixou de dar frutos (veja-se os muitos discípulos que Samuel deixou, através do “rancho” ou “escola de profetas” – 1Sm 19.20).

2. A formação profética de Samuel

Destacamos alguns aspectos do caráter e do serviço do menino Samuel, e que mostram como ele se desenvolveu bem, sendo inclusive exemplo para nós hoje. Samuel “cresceu” com os pés firmados pelo Senhor, mas muitos hoje “incham”, cheios de insubmissão, soberba e rebeldia, não gozando de aprovação divina, mesmo que acumulem muitas obras.

a) Samuel “servia ao Senhor” (v. 1), isto é, demonstrava reverência pelas coisas santas e dedicava-se a atividades religiosas no santuário.

b) Samuel estava “perante Eli” (v. 1), evidenciando sua humilde submissão ao sacerdote-líder.

c) Samuel demonstrava prontidão respondendo “eis-me aqui” sempre que chamado (vv. 4-10).

d) Samuel realizava tarefas simples como abrir as portas da Casa do Senhor (v. 15).

e) Samuel não se orgulhava, antes temia diante das revelações que recebia (v. 15).

f) Samuel era obediente ao seu mentor (vv. 16-18).

3. A disciplina de Samuel

Samuel foi honrado por Deus porque primeiro honrou a Deus. Enquanto os filhos adultos de Eli sofriam reprovação popular devido suas notórias transgressões (2.22), o jovem aluno Samuel gozava de boa reputação, devido sua dedicação fiel às coisas de Deus e sua pronta submissão ao sacerdote que lhe mentoreava.

E era assim que “crescia Samuel, e o SENHOR era com ele, e nenhuma de todas as suas palavras deixou cair em terra. Todo o Israel, desde Dã até Berseba, conheceu que Samuel estava confirmado como profeta do SENHOR” (3.19,20). O que se diz do jovem Samuel assemelha-se ao que Paulo testemunha sobre o jovem obreiro Timóteo: “Mas vocês sabem que Timóteo foi aprovado, porque serviu comigo no trabalho do evangelho como um filho ao lado de seu pai” (Fp 2.22).

Que sejamos disciplinados como Samuel, não nos embaraçando com os que persistem na prática do pecado, antes sendo fiéis a Deus e dedicados ao serviço santo. “Aquele que assim serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens” (Rm 14.18).

III. O ministério profético na atualidade

1. O dom da profecia

Deus ainda continua chamando e capacitando outros servos fiéis com o dom de profecia em nossos dias. A antiga promessa do Pai, “derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e os filhos e filhas profetizarão…” (Jo 2.28), continua válida hoje, pois ela é “para todos quantos o Senhor Deus chamar” (At 2.39).

Como foi entre os discípulos em Éfeso, que profetizaram ao receberem o maravilhoso derramamento do Espírito (At 19.6), é comum em nossos dias que os avivamentos espirituais sejam marcados por este Espírito de profecia, que traz aos corações dos crentes revelações divinas e às suas bocas palavras inspiradas para proclamarem aos homens a vontade de Deus.

De tal modo é relevante esse dom para a Igreja que o apóstolo Paulo exorta: “Sigam o caminho do amor e busquem com dedicação os dons espirituais, principalmente o dom de profecia” (1Co 14.1), isto porque “quem profetiza o faz para a edificação, encorajamento e consolação dos homens” (v. 3, NVI).

Mas lembramos que é o Espírito quem reparte esse dom, como ele quer (1Co 12.11), não segundo nossa vontade. Esse modismo que persiste em ficar em muitas igrejas pentecostais, quando cantores ou pregadores dizem “Eu quero profetizar na sua vida”, ou “profetize pro irmão que tá do seu lado” e outras expressões semelhantes, não tem respaldo bíblico nem reflete o ensino bíblico sobre o autêntico dom de profecia. A profecia não é produzida pela vontade humana (2Pe 1.21), logo não existe isso de “eu quero profetizar”, nem de “vamos profetizar uns para os outros”. A profecia é fruto de uma revelação divina (1Co 14.29,30), não de um mero desejo do coração humano.

Basta voltarmos à Samuel: a mensagem contra a casa do sacerdote Eli foi revelada por Deus a Samuel, e não era um desejo do coração do menino, que até mesmo receou em transmitir a mensagem ao sacerdote. Mas quando é Deus que coloca a revelação em nosso coração e as palavras em nossa boca, quer sejam revelações para consolo (1Co 14.31), quer sejam para revelar segredos do coração (v. 25), então devemos proclamar as palavras do Senhor, sem aumentar, nem diminuir.

2. O ministério de profeta no Novo Testamento

A Bíblia de Estudo Pentecostal (CPAD), traz nas páginas 1814 a 1816 um estudo preciosíssimo sobre os Dons ministeriais para a Igreja, baseado em Efésios 4.11. Entre muitas coisas que ali se diz sobre o ministério profético (que não se confunde com o dom de profecia, mas que a ele está relacionado), destaco esses trechos:

A função do profeta na igreja incluía o seguinte: (a) Proclamava e interpretava, cheio do Espírito Santo, a Palavra de Deus, por chamada divina. Sua mensagem visava admoestar, exortar, animar, consolar e edificar. (b) Devia exercer o dom de profecia. (c) Às vezes ele era vidente, predizendo o futuro (At 11.28; 21.10,11). Era dever do profeta do NT, assim como para o do AT, desmascarar o pecado, proclamar a justiça, advertir do juízo vindouro e combater o mundanismo e frieza espiritual entre o povo de Deus. Por causa da sua mensagem de justiça, o profeta pode esperar ser rejeitado por muitos nas igrejas, em tempos de mornidão e apostasia.

Ressaltamos ainda que “todos podem profetizar” (1Co 14.31), se lhes for concedido o dom de profecia, isto é, a revelação divina e a inspiração para falar esta revelação da parte de Deus para a igreja ou alguém em particular; entretanto, nem todos exercerão na igreja o ministério regular de profeta, com as características acima citadas, pois não foi a todos, mas “a uns” que Deus deu à Igreja como profetas (Ef 4.11). Observe ainda que nem o dom de profecia, nem o ministério profético resume-se a prever ou predizer o futuro; este é um dos aspectos da profecia, mas de modo algum se constitui o único ou o maior objetivo. O que é preponderante na profecia não é a predição, mas a revelação. Ou seja, pela profecia Deus pode estar revelando algo futuro, mas também algo passado ou mesmo presente.

3. Onde estão os profetas

Novamente cito uma porção do estudo supracitado encontrado na Bíblia de Estudo Pentecostal, e que demonstra a importância e necessidade dos profetas de Deus na atualidade, quer seja através do dom de profecia, quer seja pelo contínuo exercício do ministério profético. Leiamos:

Os profetas continuam sendo imprescindíveis ao propósito de Deus para a igreja. A igreja que rejeitar os profetas de Deus caminhará para a decadência, desviando-se para o mundanismo e o liberalismo quanto aos ensinos da Bíblia. Se ao profeta não for permitido trazer a mensagem de repreensão e de advertência denunciando o pecado e a injustiça, então a igreja já não será o lugar onde se possa ouvir a voz do Espírito. A política eclesiástica e a direção humana tomarão o lugar do Espírito. Por outro lado, a igreja com os seus dirigentes, tendo a mensagem dos profetas de Deus, será impulsionada à renovação espiritual. O pecado será abandonado, a presença e a santidade do Espírito serão evidentes entre os fiéis.

Conclusão

Tendo o dom de profecia ou não, tendo o ministério profético ou não, sejamos como Samuel: dedicados na obra, submissos às lideranças, e fiéis ao Senhor, para que nosso caráter seja agradável a Deus e nossa reputação entre os homens seja aprovada.

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Referências

¹ Osiel Gomes, Lição 3, 4° Trim/2019, tópico I, ponto 1
² Esequias Soares. O ministério profético na Bíblia, CPAD, p. 27
³ Dicionário Vine, 7° ed., CPAD, p. 249

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