estudos bíblicos
A eleição para a salvação no arminianismo
Análise do pensamento teológico de Jacó Armínio sobre a eleição.
A doutrina da salvação foi um dos tópicos da teologia que gerou acaloradas e controversas discussões ao longo da história, e foi a doutrina que provocou a Reforma Protestante do século XVI. Os reformadores concordavam em questões importantes desta doutrina, como a justificação unicamente pela fé em Cristo, por meio da graça de Deus, mas outras questões dividiam opiniões.
A crença na doutrina de que Deus predestina indivíduos, seja para a salvação ou para a condenação eterna, foi compartilhada pela maioria dos teólogos cristãos, especialmente os herdeiros da Reforma Protestante. Mas várias questões acerca desta predestinação sempre geraram muitas polêmicas entre os estudiosos das Escrituras, tais como: Qual a base escolhida por Deus, para a eleição ou condenação dos homens? Qual o papel de Cristo e de cada homem neste processo? O que esta doutrina revela sobre o caráter de Deus?
O teólogo reformado holandês Jacó Armínio (1559-1609) rejeitou a dupla predestinação proposta pelo reformador de Genebra, João Calvino (1509-1564), que afirma que Deus, por meio de um decreto, elege alguns homens para a salvação e reprova outros homens, condenando-os à eterna punição no inferno, sem levar em conta qualquer ato ou condição destes homens [1].
Armínio apresenta um modelo de eleição que tem Cristo como ponto central e que rejeita a reprovação incondicional tradicionalmente atribuída ao pensamento reformado. Por não concordar com o pensamento calvinista, foi acusado de propagar heresias: de defender o pelagianismo [2] ou semipelagianismo e o socianismo [3].
O objetivo deste artigo é analisar o pensamento deste teólogo reformado acerca deste importante tópico da soteriologia, buscando enxergar a sua contribuição para a esperança dos cristãos, enquanto crentes na obra salvífica de Cristo, que necessitam de uma segurança quanto à sua salvação pessoal, de estarem incluídos no rol dos eleitos para a vida eterna.
A vida e formação teológica de Jacó Armínio
Jacó Armínio nasceu no dia 10 de outubro de 1560, em Oudewater, na Holanda[4], foi registrado com o nome de Jacob Harmenszoon e, seguindo um costume da época, latinizou seu nome para Jacobus Arminius. Ele iniciou a sua formação teológica em Leiden, na primeira Universidade protestante da Holanda, onde a igreja de Amsterdã custeou seus estudos, por considerá-lo um jovem promissor ao ministério (OLSON, 2001, p. 472). Ali, ele estudou com Caspar Coolhaes, Guilhelmus Feuguereus, Lambertus Danaeus e Johannes Drusius, professores que lhe deram uma sólida formação teológica e bíblica, com bases calvinistas, porém com moderação e aceitação de divergências.
Outra influência que ajudou a delinear as ideias de Armínio na universidade foi o pensamento de Petrus Ramus (Pierre de la Ramée – 1515-1572), um professor de teologia e filosofia francês que rejeitava a lógica aristotélica, contrariando o método e a base filosófica escolástica da teologia ensinada na Academia de Genebra.
Nesta célebre Universidade, Armínio foi estudar em 1581, sob a direção de Teodoro Beza, reitor da Universidade e sucessor de João Calvino, seu fundador, permanecendo ali até o verão de 1583, quando se transferiu para a Universidade da Basileia, onde foi aluno de Johannes Jacobus Grynaeus (1540-1617), professor de literatura sacra e deão da faculdade de teologia.
Ele retornou a Genebra em 1584, concluiu seus estudos dois anos depois, e recebeu uma carta de recomendação do próprio Teodoro Beza. Em 1588, aos 29 anos de idade, ele retornou à Holanda e tornou-se o pastor da principal igreja protestante do país, em Amsterdã, igreja que pastoreou por 15 anos.
Alguns afirmam que Armínio era, inicialmente, um calvinista supralapsário, sustentando a eleição e rejeição incondicional dos homens por um decreto que não levava em consideração a sua queda, e que fora convencido do contrário ao refutar o pensamento contrário exposto pelo humanista Dick Coornhert.
Porém, o principal biógrafo de Armínio afirma que ele nunca concordou com o pensamento de Beza quanto à dupla predestinação ou mesmo o infralapsarianismo (BANGS, 2015, p. 160). Em suas pregações baseadas na Epístola aos Romanos, o pastor de Amsterdã já negava a eleição incondicional e a graça irresistível (OLSON, 2001, p. 473).
Durante este período em Armsterdã, Armínio escreveu cerca de seus tratados teológicos posteriormente publicados, incluindo as análises dos capítulos 7 e 9 da epístola aos Romanos.
Em 1603 Armínio foi nomeado professor de Teologia na Faculdade de Teologia da Universidade de Leiden, cujo objetivo era o treinamento de ministros dentro da Igreja Reformada. Ali ele recebeu o título de doutor, serviu como reitor eleito por dois anos e exerceu o ministério de ensino como professor pleno até 1609.
Em todo o período de magistério em Leiden, ele enfrentou muitas controvérsias e forte oposição de outros professores, como Johannes Kuchlinus, Lucas Trelcatius e, especialmente, Francisco Gomaro (STANGLIN; MCCALL, 2016, p. 53), que o acusavam de afastar-se da ortodoxia, a tal ponto de ser convocado pelos magistrados holandeses para apresentar uma defesa de sua posição.
Ainda durante sua estada nesta cidade, ele escreveu alguns discursos, dezenas de disputas públicas e privadas, alguns tratados teológicos e apologéticos, incluindo a sua Declaração de Sentimentos, uma defesa de seu pensamento, apresentado às autoridades holandesas.
Jacó Armínio lutou durante anos contra a tuberculose, mas perdeu esta batalha, vindo a falecer em 19 de outubro de 1609. No seu funeral, seu amigo Bertius proferiu a honrosa oração: “Viveu na Holanda um homem; os que o conheceram não puderam estima-lo adequadamente; os que não o estimavam, jamais o conheceram adequadamente”.
A eleição para a salvação, segundo Armínio.
Armínio era um teólogo reformado. Ele permaneceu dentro da Igreja reformada da Holanda toda a sua vida, mas sua teologia “segue uma trajetória diferente da teologia de seus oponentes reformados” (STANGLIN; McCALL, 2016, p. 37). O teólogo holandês conceitua a eleição [5] para a salvação como “o decreto eterno de Deus, pelo qual, de si mesmo, desde a eternidade, Ele decidiu justificar em Cristo (ou por Cristo) os fiéis, e aceita-los na vida eterna, para o louvor da sua gloriosa graça” (ARMÍNIO, 2015, v3, p. 300).
Armínio fundamenta sua doutrina da eleição na pessoa e na obra de Cristo, e seu entendimento acerca desta obra é fundamentado no amor de Deus, como sendo duplo: amor a Si mesmo (à Sua justiça e retidão) e o amor às suas criaturas. Dizer que Deus elege alguém para salvação sem levar em conta sua fé implica, para ele, em dizer que Deus ama estas pessoas mais do que ama sua própria justiça. Armínio defende a doutrina da simplicidade divina, pela qual não pode haver atributos rivais ou vontades contraditórias na natureza divina.
Porque Deus é o summum bonum, sua volição para com suas criaturas é benevolente; sua primeira ação para com elas não pode ser a condenação. Deus ama até mesmo o mau e indigno, característica que somos comandados a imitar. A ideia de Deus criar pessoas para que pudesse salvar alguns e enviar outros para o inferno é vista por Armínio como totalmente inconsistente com o caráter e a natureza de Deus. Para ele, isto é repugnante à sabedoria, à justiça e à bondade divina.
Para Armínio, a eleição é cristocêntrica, pois ela acontece inteiramente “em Cristo”. Ele considera que a apresentação calvinista da doutrina não honra adequadamente a Cristo, fazendo da salvação “apenas uma causa subordinada da salvação que já havia sido preordenada” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 230).
Na sua obra “Declaração de Sentimentos”, apresentada aos magistrados holandeses em 1608, ele expõe a sua visão sobre a predestinação (eleição e reprovação). O plano abrangente e eterno de Deus em relação à salvação dos homens é apresentado, por vários teólogos, como uma ordem lógica de decretos divinos.
Armínio baseou sua doutrina da eleição não na lógica dos decretos divinos, como fizeram seus oponentes, mas na pessoa e obra de Jesus. Porém, ele também apresenta sua ordem dos decretos em quatro desígnios, sendo que o primeiro é aquele no qual o Pai elege Cristo como “Mediador, Redentor, Salvador, Sacerdote e Rei” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 226).
Na sua consideração, Cristo é a fundação e o foco da eleição, da salvação e do próprio cristianismo, aquele “em quem o decreto é fundamentado” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 100). Ele afirma que Cristo é a base da eleição e a causa meritória dela:
Todavia, colocamos a Cristo como a fundação dessa predestinação, e como causa meritória daquelas bênçãos que foram destinadas aos fiéis por esse decreto. Pois o amor com que Deus ama os homens, completamente, para a salvação e, segundo o qual Ele deseja, absolutamente, conceder-lhes a vida eterna, esse amor não tem existência, exceto em Jesus Cristo, o Filho do seu amor que, tanto pela sua comunicação eficaz como pelos seus muitos dignos méritos, é a causa da salvação, e não somente o dispensador da salvação recuperada, mas, igualmente, aquele que solicita, obtém e restaura aquela salvação que havia sido perdida. Portanto, a palavra suficiente não é atribuída a Cristo, quando Ele é chamado executor do decreto que havia sido feito anteriormente, e sem a sua consideração como a pessoa sobre quem se baseia esse decreto”. (ARMÍNIO, v.2, p. 92).
Para o teólogo holandês, Jesus Cristo “é mais do que um meio para realizar um decreto anterior e não cristológico. Ele é mais do que o executor do decreto. Ele é o fundamento do decreto, de maneira que toda a eleição é ‘em Cristo’” (BANGS, 2015, p. 414).
Armínio coloca Cristo como o próprio fundamento e a causa meritória da eleição divina; não apenas o dispensador de uma salvação já adquirida (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 92) nem apenas um meio para a salvação já preparada antes da fundação do mundo (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 300). Daniel (2017, p. 430) assevera que a obra de Jesus não é um instrumento “criado por Deus para formalizar a salvação que Ele já havia determinado dar a apenas algumas pessoas, as quais Ele já havia escolhido antes da fundação do mundo”.
Armínio declara, na sua correspondência com Francis Junius, que a eleição é realizada em Cristo, o qual foi ordenado mediador a favor dos pecadores, e assevera que Jesus “é considerado pré-ordenado, e nós, nele, e Ele, na ordem da natureza e das causas, antes de nós. Ele foi ordenado salvador, e nós, como aqueles a serem salvos” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 131). Colocar a eleição dos homens em primeiro lugar, como acontece no calvinismo, e a eleição de Cristo em sequência, é inverter a ordem bíblica:
Ele foi, em primeiro lugar, na ordem da natureza, predestinado para ser a cabeça, e, então, nós, para sermos os membros. Ele foi, em primeiro lugar, ordenado para ser o salvador, e então nós fomos ordenados, nele, para sermos salvos, por Ele e nele. Aquele que diz: ‘Em primeiro lugar, Deus predestinou os homens, e então ordenou Cristo, para ser a cabeça desses predestinados’ inverte a ordem apresentada nas Escrituras. (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 310).
No pensamento do teólogo holandês, Deus ama a humanidade exclusivamente “em Cristo” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 230), pois “a justiça de Deus exige que seja feita a reconciliação pelo sangue de Cristo” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 310). Armínio assegura que não poderia haver nenhum lugar para a predestinação, exceto em Cristo, “visto que Deus não pode amar um pecador para a salvação, a não ser que o pecador se reconcilie com Ele em Cristo” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 287). A condição elementar para a eleição é que o “estar em Cristo” preserva o seu caráter cristocêntrico (PINNOCK; WAGNER, 2016, p. 145).
Armínio rejeitou a doutrina calvinista da dupla predestinação, por diversas razões, entre elas, porque não é o fundamento do cristianismo, nem da salvação; não foi admitido por Concílios, nem nas Confissões, nem pelos doutores da igreja; fere a natureza de Deus e do homem; é contrária ao ato da criação e à natureza da vida e da condenação eterna; é incoerente com a natureza do pecado e da graça; faz de Deus o único pecador; é prejudicial à salvação, inverte a ordem do evangelho e subverte o fundamento da religião (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 226-227).
Na teologia arminiana, a eleição deve ser graciosa e evangélica (apresentar uma boa nova de salvação), pois “uma vez que o Evangelho é puramente gracioso, essa predestinação também o é, conforme a inclinação benevolente de Deus, em Cristo” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 92). A predestinação não pode ser um decreto de condenação, mas que compartilhe a boa notícia de que todos podem ser salvos, pela fé em Cristo. Armínio entende a graça divina como sendo expressa fundamentalmente em Cristo, e declara: “A graça que Cristo não obteve não pode, em minha opinião, ser chamada evangélica” (ARMÍNIO, v.3, p. 179).
O teólogo holandês defende, ainda, que a eleição é condicional. Acerca do decreto da eleição individual, ele afirma que ele “tem o seu embasamento na presciência de Deus, pela qual Ele sabe, desde toda a eternidade, que tais indivíduos, por meio de sua graça preventiva, creriam, e por sua graça subsequente, perseverariam.” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 227). A explicação de Armínio da natureza da predestinação “é completamente teocêntrica” (STANGLIN; McCALL, 2016, p. 43). Deus conhece certamente aquele que atende à condição que Ele mesmo estabeleceu para a salvação, a fé. Armínio afirma que a própria salvação é ofertada a partir da presciência divina da desobediência humana, e declara que não encontra na Bíblia “algum decreto, pelo qual Deus tenha decidido exibir a sua própria glória, na salvação destes e na condenação daqueles, exceto pela presciência da queda.” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 64).
Sem este conhecimento divino certo e antecipado, não poderia haver eleição condicional. O professor de Leiden afirma que “Deus não pode ‘amar previamente e considerar, afetuosamente, como seu’ a nenhum pecador”, a não ser que Ele o conheça previamente, em Cristo, e o considere como um crente (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 455). A fé prevista é condição indispensável para a eleição:
Aquele que não está em Cristo não pode ser amado em Cristo. Mas ninguém está em Cristo, exceto pela fé; pois Cristo habita em nossos corações pela fé, e somos enxertados nele e incorporados nele pela fé. Portanto, Deus não reconhece como seu e não escolhe para a vida eterna nenhum pecador, a menos que o considere como um crente em Cristo, e feito um só, com Ele, pela fé” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 303).
A fé necessária para a salvação deve ser perseverante, pois “se alguém cair da fé, cai dessa união e, em consequência disso, da benevolência de Deus pela qual foi aceito, previamente, em Cristo”. (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 463). Para Armínio, o crente precisa perseverar na fé para ser, de fato, um eleito:
A eleição para a salvação compreende, em seus limites, não apenas a fé, mas, igualmente, a perseverança na fé; e uma vez que Agostinho diz que “Deus escolheu, para a salvação, aqueles que Ele vê que posteriormente crerão pela ajuda de sua graça precavida ou precedente, e que perseverarão, pela ajuda de sua graça subsequente ou consequente” (…) às vezes, os cristãos fiéis estão em uma circunstância em que não produzem, durante algum tempo, nenhum efeito da fé verdadeira, nem mesmo a apreensão da graça e das promessas de Deus, nem a confiança em Deus e em Cristo; mas é exatamente isso que é necessário para obter a salvação. Mas o apóstolo diz, a respeito da fé, com referência ao fato de ser uma qualidade e uma capacidade de crer: “conservando a fé e a boa consciência, rejeitando a qual alguns fizeram naufrágio na fé” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 350, 351).
Deus pode requerer fé do homem decaído, pois “decidiu conceder aos homens graça suficiente, pela qual os homens podem crer.” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 348). A graça salvadora objetiva restaurar a natureza caída e habilitar o homem a crer e buscar a Deus. A fé é a condição da eleição, não a base meritória dela.
Armínio afirma num de seus debates públicos: “Mas damos o nome de ‘fiéis’ [ou crentes] não àqueles que o seriam pelos seus próprios méritos ou força, mas para aqueles que, pela bondade gratuita e peculiar de Deus, creriam em Cristo.” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 507).
Estabelecendo, em sua teologia, a necessidade primordial da graça divina para que o homem possa crer, Armínio é inocentado da acusação de sustentar o pelagianismo, colocando a iniciativa para a salvação exclusivamente em Deus.
Assim como a eleição para a salvação, Armínio considera que a reprovação para a condenação eterna é baseada na presciência divina dos pecados cometidos pelos homens (ARMÍNIO, v.3, p. 343, 344) e que esta reprovação “necessariamente tem duas coisas que a antecedem: o ódio pela injustiça, e a presciência de que o indivíduo, por sua própria culpa, será culpado de injustiça, por omissão ou por comissão” (ARMÍNIO, v.3, p. 335).
Armínio considera como objeto da eleição o homem pecador, condição conhecida pela presciência divina. Somente um pecador pode reconhecer seu pecado, arrepender-se e crer em Cristo como seu Salvador. Ele afirma, na sua correspondência com Francis Junius: “não nego que a eleição e a reprovação foram feitas desde a eternidade, e não digo que o pecado foi a causa do decreto, e sim uma condição necessária em seu objeto.” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 127).
A eleição, pois, no pensamento arminiano, é eterna (ARMÍNIO, 2015, v1, p. 507). Para Armínio, a eleição também é pessoal e individual[6]. Ele assevera que no quarto decreto de sua ordo decretorum, “Deus decretou salvar e condenar certas pessoas em particular.” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 227).
Armínio considera que a verdadeira segurança do cristão não está numa escolha incondicional e irresistível, mas repousa na promessa de salvação para todo o que crer; está no fato de, pela fé, o fiel pertencer ao corpo eleito de Cristo. Armínio preserva o conceito cristocêntrico da eleição e a presciência de Deus, para manifestação da Sua justiça. Ele preserva, igualmente, o aspecto evangélico: as boas novas da salvação que podem (e devem) ser pregadas a todas as pessoas. Os princípios reformados solo Cristus, sola gratia e sola fide são também preservados.
Considerações finais
Armínio entendia que a predestinação revela o coração de um Deus gracioso, cuja característica fundamental é o amor. Para ele, dizer que Deus criou homens já predestinados para a ira, a destruição, e rejeição total, sem que estes possam ser alvo da livre graça de Deus, tal como revelada em Cristo Jesus, é simplesmente impensável.
Embora Deus permita que alguns pereçam, sendo reprovados eternamente, isto ocorre de acordo com seu divino pré-conhecimento, de que resposta as pessoas darão à Sua graça, se dirão “não” para seu chamado para a salvação. No entendimento arminiano, o homem diz “não” ao resistir à graça divina, que prevenientemente o capacita a dizer “sim”.
Deus conhece certamente tudo o que irá acontecer, mas não predetermina todo o curso da história humana. Assim, para Armínio, o pré-conhecimento de Deus não impede a volição humana e, de igual maneira, a salvação não é algo a ser conquistado, nem o resultado obrigatório de uma escolha humana.
A eleição, para ele, é totalmente cristocêntrica. No entendimento arminiano, Cristo é o Eleito primeiro, como Salvador de todos homens, que serão eleitos nele, se crerem, aceitando a oferta da livre graça divina, quando não resistem ao chamado do Espírito Santo, ao seu convencimento mediante a apresentação do evangelho.
O teólogo holandês baseia a predestinação na pessoa de Jesus, e não nos atributos gerais de Deus, como a justiça e a misericórdia, e preservam o caráter bom (porém santo, e até separado) de Deus, sem atribuir a Ele a ação de decretar a queda do homem e sua total rejeição sem considerar qualquer ato de rebelião humana.
Ele era extremamente preocupado quanto a como a imagem de Deus é apresentada pelos proponentes da expiação limitada, considerando que este ensino (calvinista) lança uma sombra confusa e distorcida sobre Deus e sobre o evangelho.
A eleição de Cristo, no pensamento arminiano, como salvador de todos os homens, como oferta graciosa de Deus a ser recebida em fé por um coração que já foi predisposto pela graça – como estender uma mão vazia para receber um presente – é o que melhor representa a natureza do Deus amoroso que enviou Seu Filho para morrer pelos homens, a natureza do homem (criado à imagem de Deus), do evangelho, como boas novas, do pecado como rebeldia e da graça como livre, capacitante e universal.
Armínio defende uma posição na qual há o equilíbrio da expiação ilimitada, uma oferta graciosa de um Deus que não faz acepção de pessoas, com a eleição condicionada à fé que foi possibilitada pela graça. Ele não defende um sinergismo igualitário, onde Deus e homem caminham para uma reconciliação para a qual ambos tomaram a iniciativa, mas um sinergismo [7] onde Deus toma toda a iniciativa e proporciona todos os meios, requerendo apenas que o homem confie em seu Salvador.
Armínio crê que Deus predestinou a humanidade para a graça, especificamente por intermédio da eleição de Jesus, o Filho de Deus, a nosso favor. Ele sustenta os princípios fundamentalmente reformados de Sola Scriptura, Sola Gratia e Sola Fide, isto é, salvação pela graça por intermédio da fé, conforme revelado nas Escrituras. Também eleva o valor da cristologia, e tenta entender todas as demais doutrinas à luz da revelação de Deus em Cristo Jesus.
A teologia de Armínio e seu entendimento quanto à Eleição para a Salvação oferece esperança para a igreja, e para a teologia, ao tornar o evangelho acessível a todos e a certeza da salvação possível, aos que creem em Cristo.
REFERÊNCIAS
ARMINIO, Jacó. As Obras de Armínio. 3 volumes. Traduzida por Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2015.
BANGS, Carl. O. Armínio – um estudo da reforma holandesa. Traduzida por Wellington Mariano. São Paulo: Reflexão, 2015.
DANIEL, Silas. Arminianismo, A Mecânica da Salvação: Uma exposição histórica, doutrinária e exegética sobre a graça de Deus e a responsabilidade humana. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
FORLINES, F. Leroy. Classical Arminianism – a theology of salvation. Nashville: Randal House, 2011.
GUNTER, W. Stephen. Armínio e Sua Declaração de Sentimentos. São Paulo: Reflexão, 2016.
MILLER, Ed L; GRENZ; Stanley J. Teologias Contemporâneas. Traduzida por Antivan Mendes. São Paulo: Vida Nova, 2011.
OLSON, Roger E. História da Teologia Cristã – 2000 anos de tradição e reformas. Traduzida por Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2001.
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana – mitos e realidades. Traduzida por Wellington Mariano. São Paulo: Reflexão, 2013.
PICIRILLI, Robert R. Graça, Fé e Livre Arbítrio – visões contrastantes da salvação: calvinismo e arminianismo. São Paulo: Reflexão, 2017.
PINNOCK, Clark H.; WAGNER, John D. Graça para Todos: a dinâmica arminiana da salvação. São Paulo: Reflexão, 2016.
SHANK, Robert. Eleitos no Filho: um estudo sobre a doutrina da eleição. São Paulo: Reflexão, 2015.
STANGLIN, Keith D.; MCCALL, Thomas H. Jacó Armínio – teólogo da graça. São Paulo: Reflexão, 2016.
STOTT, John. A Cruz de Cristo. Traduzida por João Batista. São Paulo: Vida, 2006.
TITILLO, Thiago Velozo. Eleição Condicional. Coleção Arminianismo. São Paulo: Reflexão, 2015.
WILEY, H. Orton; CULBERTSON, Paul T. Introdução à Teologia Cristã. São Paulo: Casa Nazarena de Publicações, 1990.
[1] Timothy George (Teologia dos Reformadores, São Paulo, Edições Vida Nova, 1994, p.232) define a predestinação calvinista em três palavras: absoluta, particular e dupla. Absoluta, já que não está condicionada a nenhuma contingência finita; Particular, pois pertence a indivíduos e não a grupos; Dupla, pois Deus, para Seu louvor, elegeu uns para a vida eterna, e outros para a perdição eterna.
[2] O pelagianismo é o ensino defendido por um monge britânico de origem irlandesa chamado Pelágio, que viveu no fim do século 4 e início do século 5 d.C. e também por Celéstio e Juliano de Eclano, que pregava que o homem tem uma capacidade natural de viver uma vida santa e sem pecado e alcançar a felicidade eterna ao exercer a sua vontade livre, negavam o pecado original, assegurando que o pecado é voluntário e individual e não pode ser transmitido, e minoravam ou excluíam a necessidade da expiação realizada por Cristo e da graça divina para a salvação. Para um estudo mais profundo, cf. TITILLO, Thiago Velozo, A Gênese da Predestinação na História da Teologia, Fonte Editorial, 2013, e OLIVEIRA, Ivan de, Pelagianismo e Semi-pelagianismo, Coleção Arminianismo, Ed. Reflexão, 2016.
[3] O socianismo ou socinianismo sumaria as crenças dos socinianos, seguidores de Fausto Socino (falecido na Polônia, em 1604), que desenvolveu sua teologia inspirada em seu tio Lélio Socino (morto em 1562, em Zurique). A doutrina sociniana é antitrinitária e considera que em Deus há uma única pessoa e que Jesus de Nazaré é um homem. Os socinianos se estabeleceram principalmente na Transilvânia, Polônia e Países Baixos. Suas crenças, resumida no Catecismo Racoviano, são: A Bíblia era a única autoridade, mas tem que ser interpretada pela razão; Rejeição de mistérios; Unidade, eternidade, onipotência, justiça e sabedoria de Deus; A razão é capaz de compreender Deus para a salvação humana, mas sua imensidão, onipresença e ser infinito são além da compreensão humana, portanto desnecessárias à salvação. Rejeição da doutrina do pecado original; Celebração do batismo e da santa ceia como símbolos memorativos, sem serem eficazes meios de graça.
[4] Carl Bangs, que é considerado o principal biógrafo de Armínio, afirma que ele não poderia ter nascido após 1559, contrariando a informação sobre a data popularmente relatada como sendo a de seu nascimento, de 1560 (BANGS, 2015, p. 30).
[5] Armínio, como Calvino e diversos teólogos clássicos, usualmente utiliza os termos “predestinação” e “eleição” como sinônimos, de forma intercambiável. WILEY e CULBERTSON (1990, p. 269), entretanto, definem predestinação como o plano divino de prover salvação a todos os homens e efetivá-la na vida dos crentes, enquanto a eleição é a escolha das pessoas que serão salvas, mediante a fé em Cristo. SHANK (2015, p. 162) diferencia eleição de predestinação: “eleição é a escolha dos homens por Deus per se”, enquanto predestinação “refere-se aos propósitos e objetivos abrangidos na eleição”. Silas Daniel ressalta a diferença entre estes dois conceitos teológicos, afirmando que “conquanto sejam duas coisas intimamente relacionadas, não são uma e a mesma coisa, e predestinação não envolve condenação eterna.” (DANIEL, 2017, p. 423, 424).
[6] Muitos arminianos posteriores, como H. Orton Wiley, Midred Bangs Wynkoop, Robert Shank e William Klein, defenderam uma visão corporativa da eleição. Para mais informações ver COTTRELL, Jack em PINNOCK, Clark H.; WAGNER, John D. Graça para Todos: a dinâmica arminiana da salvação, São Paulo, Reflexão, 2016.
[7] Sinergismo é a crença teológica na livre participação humana na salvação. Roger Olson faz uma distinção entre sinergismo evangélico (defendido pelo arminianismo clássico), e o sinergismo herético (defendido pelo pelagianismo e Semipelagianismo) (OLSON, 2013, p. 24). Para melhor entendimento sobre o sinergismo arminiano, ver BANGS, 2015, p. 403-405. Leroy Forlines, no seu livro Classical Arminianism, usa a terminologia “monergismo condicional” ao invés de sinergismo (FORLINES, 2011, p. 264, 267). Mathew Pinson afirma que a visão de Armínio não representa “uma forma de sinergismo no qual a obra de Deus e a obra do homem cooperam, mas sim uma relação na qual a vontade e a obra de Deus dentro do homem [são] bem-vindas numa atitude de confiança e submissão.” (PICIRILLI, 2017, p. 195).