estudos bíblicos

A instituição da monarquia em Israel

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 5 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.

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Rei Saul. (Foto: Reprodução / Record TV)

Na Lição de hoje falaremos sobre a instituição da monarquia em Israel, também sobre a escolha do primeiro rei, a saber Saul, bem como extrairemos a partir do texto bíblico lições práticas sobre o problema de querermos confiar mais nos homens nos governos humanos do que em Deus, o supremo Rei do universo!

I. Por que a monarquia?

1. Um sentimento de orgulho nacional

Como já dissemos em nosso estudo da Lição 1, a grande tragédia do povo de Israel não foi ter pedido um governante político, sob o qual estivessem centralizados os poderes de uma monarquia. Isto já estava previsto no Pentateuco de Moisés, conforme o capítulo 17 de Deuteronômio, especialmente os versículos 14 a 20.

O problema não é a instituição de um governo, pois “…não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm 13.1). Podemos elencar, baseando-nos em 1Samuel 8.6 e 20, três atitudes erradas que num efeito cumulativo levaram o povo de Israel, através de seus anciãos, a pedirem precipitadamente um rei: (1) a rejeição da liderança de Samuel em sua velhice – “já estás velho”; (2) a disfarçada desconfiança quanto ao poder de Deus para guiar seu povo nas guerras – “um rei para que nos governe… sair adiante de nós e fazer as nossas guerras”; (3) o querer igualar-se a outras nações pagãs – “como todas as outras nações”.

O povo queria um rei com destreza militar, pois seria mais cômodo confiar nele do que submeter-se à Deus pela fé obediente para viver suas provisões e vitórias. Queriam confiar na “força” e não no Espírito do Senhor (Zc 4.6); fizeram da carne o seu braço, confiando no homem e não em Deus (Jr 17.5); queriam viver por vista e não por fé! Assim, a tragédia estava anunciada e as esperanças do povo, visto que repousavam no homem, não demoraria muito para serem frustradas.

2. O fracasso dos filhos de Samuel

Embora homem de reputação ilibada, e mui dedicado servo do Senhor desde a infância, Samuel não pode garantir o mesmo sucesso moral e ministerial para os seus filhos. Na verdade, nenhum pai pode, por mais zeloso que seja, garantir um bom futuro para seus filhos. Pode orar, pode ensinar e disciplinar, mas visto que cada um tem vontade própria e que “a salvação é individual”, como bem diz um jargão evangélico, nenhum pai pode por si mesmo salvar a seus filhos, a menos que eles queiram salvar-se.

Assim como fora com os filhos de Eli, a reputação dos filhos de Samuel os colocou sob descrédito do povo; porém, como Payne ressalta, uma diferença que deve ser destacada era que os filhos de Samuel não estavam sob sua direta supervisão. Esse autor ainda comenta: “Tanto com Eli quanto agora com Samuel, era óbvio a todos que grandes e bons homens podiam ter filhos maus e imprestáveis”. [1]

Esta não é uma realidade estranha aos nossos dias. Paulo mesmo o predisse: “Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães…” (2Tm 3.1,2). Há outras características elencadas por Paulo, mas atente para esta última que citamos: desobedientes a pais e mães. O que isso sugere? Pais que dão ordens, mas filhos que desobedecem. Ou seja, estes filhos não podem se queixar de falta de atenção ou instrução por parte dos pais, pois são desobedientes por deliberada vontade, contrariando as ordens de seus genitores.

Seja como for, Samuel deixou um grande legado através da escola de profetas, onde treinou muitos jovens para o ministério profético; todavia, a seus filhos distantes, Samuel não pode garanti-los no serviço como juízes de Israel, já que a reputação deles lhes furtou a dignidade para o cargo.

3. Rejeitando os planos de Deus

A teocracia (palavra de origem grega que quer dizer governo de Deus) fora desde os dias do êxodo hebreu o plano de Deus para o seu povo, embora com a previsão de que um dia a monarquia seria estabelecida (Dt 17.14-20), e mesmo nela Deus deveria ser o centro e o soberano supremo, pois é ele que “remove os reis e estabelece os reis” (Dn 2.21). Em todo tempo, o Senhor nosso Deus “é o Rei de toda a terra” (Sl 47.7).

Porém, a atitude precipitada e veladamente soberba dos anciãos de Israel demonstrava que eles estavam rejeitando o governo soberano de Deus para confiar no governo humano. Eles até poderiam pedir um rei, mas não com aqueles sentimentos nem com aquelas justificativas. O próprio Deus declara ao profeta Samuel: “…não foi a você que rejeitaram, mas mim, para que eu não reine sobre eles” (1Sm 8.7).

Nenhuma forma de governo pode compensar a rejeição do Senhor! Se Deus é rejeitado por um povo, quão infeliz esse povo será, mesmo que no melhor dos sistemas de governo! Se é feliz a nação cujo Deus é o Senhor (Sl 33.12), infeliz é a nação que rejeita o Senhor como seu Rei supremo!

II. A escolha de Saul como rei

1. Por que Saul?

A Bíblia não responde diretamente a esta pergunta, dando-nos o porquê de Saul, e não outro, ter sido escolhido para o posto de primeiro rei de Israel. O fato é que Saul não foi eleito para o cargo através de votação popular, nem mesmo o povo sugeriu o nome dele para o estabelecimento da monarquia. Deus mesmo é que deu Saul como rei ao povo!

Para que não paire dúvidas, eis o que diz a Escritura:

“Amanhã a estas horas te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirás por capitão sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo da mão dos filisteus; porque tenho olhado para o meu povo; porque o seu clamor chegou a mim. E quando Samuel viu a Saul, o Senhor lhe respondeu: Eis aqui o homem de quem eu te falei. Este dominará sobre o meu povo” (1Sm 9.16,17).

Porém, a partir do décimo capítulo de 1Samuel, quando Saul se torna rei, até o último capítulo deste livro, que finda com a morte de Saul na guerra com os filisteus, vemos uma sucessão de erros morais e espirituais na vida de Saul que acarretam devastação sobre Israel e demonstram, a despeito de suas primeiras grandes vitórias sobre os inimigos do povo do Senhor, que não era de um rei habilidoso na guerra que o povo precisava, pois é Deus, a quem o povo havia rejeitado, quem garante vitória aos seus!

Talvez propositalmente o Senhor tenha dado Saul, habilidoso na guerra, para ser rei segundo as intenções do povo, para que o povo percebesse, ainda que tarde demais, a tragédia de sua atitude precipitada. Neste sentido somente é que Saul é o rei que o povo “elegeu” e “pediu” (1Sm 12.13), não porque o nome de Saul fora sugerido pelo povo para o reino, mas porque Deus o deu conforme o clamor popular por um rei habilidoso na guerra.

2. A unção de Saul por Samuel

Conforme 1Samuel 10.1, o profeta, sacerdote e juiz Samuel ungiu Saul com azeite, num encontro privado que depois veio a ser confirmado publicamente. Assim como o primeiro sacerdote de Israel fora também ungido, agora o primeiro monarca recebe semelhante unção.

O Novo Comentário Bíblico traz anotações interessantes sobre o modo e o valor da unção no Antigo Testamento:

Havia dois tipos de unção no período bíblico. Uma cerimônia de unção envolvia derramar óleo sobre a cabeça ou o corpo da pessoa a ser honrada (Sl 133.2). Uma unção oficial usava o mesmo processo, mas significava uma consagração ou separação para os serviços religiosos (Êx 29.7; 30.25; Lv 8.12). a unção de um líder era, na verdade, um ato religioso. Por isso, Davi tinha tamanha consideração a respeito por Saul, recusando-se a levantar a mão contra o ungido do Senhor (1Sm 24.6). [2]

3. Os sinais da confirmação da unção

Três sinais são dados por Samuel a Saul como confirmação de sua unção para o reino de Israel: o encontro com as jumentas perdidas de seu pai, o encontro com varões que lhe presenteariam com alimentos e, por último, sua elocução profética quando adentrasse ao rancho de profetas (1Sm 10.2-7).

Payne explica o significado destes três sinais:

O primeiro sinal tinha o propósito de assegurar a Saul que ele podia pôr o passado para trás; o seu papel futuro não era o de trabalhar no campo. O segundo sinal era para assegurar-lhe de que os israelitas o reconheceriam como rei. Os três bolos de pão eram parte das ofertas que estavam sendo levadas ao altar de Betel, de modo que os homens não os dariam casualmente a qualquer estranho que passasse por eles, mas só a alguém de posição bem elevada. O terceiro sinal iria assegurar-lhe de que ele possuía os dons e as habilidades necessárias para a tarefa de liderança. Os “juízes” que existiram antes dele tinham sido todos bem-equipados para a liderança mediante a dádiva do Espírito do Senhor, e Saul iria reconhecer que ele estava sendo equipado de maneira igual. [3]

III. O rei que o povo escolheu

1. Uma escolha pautada na aparência

Na verdade, o povo de Israel não escolheu Saul devido sua formosura. Na verdade, nem estava explícita ou implícita na queixa dos anciãos de Israel a busca por um rei formoso, senão por um rei habilidoso na guerra.

Entretanto, a beleza de Saul, quando apresentado ao povo como o rei que Deus escolhera, certamente saltou aos olhos da multidão, que pode ter sido levada a pensar que a beleza tenha sido um dos critérios de Deus na escolha do primeiro rei. É provável que o próprio profeta Samuel tenha se deixado enganar neste ponto, julgando equivocadamente que a beleza de Saul fora um dos critérios levados em conta por Deus para a unção do rei. É inusitado o discurso de Samuel quando apresenta Saul: “Vocês estão vendo quem o SENHOR escolheu? Pois em todo o povo não há ninguém semelhante a ele” (1Sm 10.24).

Mais à frente, por ocasião da unção do rei que substituiria Saul, Samuel ainda parece pensar que a beleza é um critério. Na casa de Jessé, o belemita, Samuel se deixa impressionar com o porte físico dos primeiros jovens e diz “certamente está diante do SENHOR o seu ungido” (1Sm 16.6). Porém, ali Deus ensinara a Samuel uma Lição que ele não mais esqueceria: “Não olhe para a sua aparência nem para a altura, porque eu o rejeitei. Porque o SENHOR não vê como o ser humano vê. O ser humano vê o exterior, porém o SENHOR vê o coração” (v. 7).

Beleza física nunca foi um critério de Deus para escolha de seus sacerdotes, reis, profetas, apóstolos, evangelísticas e demais líderes de sua obra!

2. Os direitos do novo rei

Um rei tinha direitos (1Sm 8.10-17) e tinha também deveres (Dt 17.16-20). Em momento algum podia usurpar a glória de Deus nem oprimir o povo sob o qual fora ungido. Ainda que em bens viesse a sobressair-se, não poderia enriquecer demasiadamente e as custas da opressão social. A Lei do Senhor deveria estar sempre perto para lhe dar a orientação sobre como agir para com Deus e para com os seus súditos.

Infelizmente a história dos reis de Israel (e posteriormente de Judá) demonstram que, com raríssimas exceções, todos os reis falharam tanto no usufruto de seus direitos como no cumprimento de seus deveres. Muitos abusaram dos direitos e negligenciaram seus deveres, especialmente o de honrar a Deus e a sua Lei.

3. O novo sistema político e o aspecto teológico

Como já dissemos, o tipo de governo que predominava entre os hebreus desde o êxodo era a teocracia, governo do qual o próprio Deus era o Senhor e Rei. Payne comenta sobre o regime teocrático:

Se Deus era rei de verdade, então tomava as decisões políticas por Israel, fazia as leis e a constituição, decidia acerca de guerras e alianças e fazia tudo o mais que um rei humano podia fazer em outros países. (É claro que Deus precisava de seus mensageiros para anunciar suas decisões e decretos, e os profetas, em particular, cumpriram esse papel). [4]

Agora, porém, com a unção de Saul para rei, o novo sistema político que passa a reger o povo de Israel é a monarquia, que segundo nossos dicionaristas trata-se de um sistema de governo em que o monarca (rei) governa um país como chefe de Estado.

Numa monarquia a transmissão de poder ocorre de forma hereditária (de pai para filho), portanto não há eleições para a escolha de um monarca. Este governa de forma vitalícia, ou seja, até morrer ou abdicar. Todavia, tamanha foi a tragédia do governo do primeiro monarca de Israel que Deus o rejeitou (e a sua descendência) para que não mais reinasse, vindo ele a ser substituído por Davi, filho de Jessé, de Belém (1Sm 16.1ss).

Isso demonstra que apesar do governo está em mãos humanas, ele ainda pertencia a Deus. Como diz bem o título da revista deste trimestre, O governo divino em mãos humanas. Embora rejeitado pelo povo, o Senhor não o entregou a própria sorte, antes esteve a todo momento controlando todas as coisas soberanamente!

Conclusão

É nossa obrigação desejar o bem dos governos humanos que estão colocados sobre nós, e também de orar por eles para que tenhamos “uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” (1Tm 2.2). Entretanto, é um grande mal quando passamos a confiar mais nas autoridades humanas do que na presença divina! Como os que depositaram sua fé no rei Saul, não são poucos os que hoje têm colocado suas esperanças e “apostado todas as suas fichas” em governos humanos, deixando de confiar no Senhor, de buscar a sua orientação e de clamar a ele para que abençoe a nossa nação. Serão frustradas as expectativas dos que confiam nos homens, mas serão atendidas as esperanças dos que esperam no Senhor!

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Referências

[1] D.F. Payne em Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, p. 464
[2] Novo Comentário Bíblico – Antigo Testamento, Central Gospel, p. 470
[3] ibid, p. 467
[4] ibid.

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