estudos bíblicos

A mordomia da adoração

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 6 do trimestre sobre “Tempo, Bens e Talentos”.

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O estudo de hoje volta-se para o tema adoração, e nele buscaremos discorrer sobre conceitos teológicos além de oferecer contribuições práticas sobre como devemos ser bons mordomos da adoração a Deus em nossas vidas, não só no ambiente de culto congregacional, mas em todo lugar em que estivermos.

Deus merece ser adorado na beleza da sua santidade!

I. O que é adoração

O teólogo D.G. Peterson afirma que “A adoração não é definida praticamente em nenhum lugar das Escrituras. Mas, quando se pesquisam os principais termos bíblicos para adoração em vários contextos, fica claro que os conceitos centrais são respeito, serviço e reverência”. [1]

Na vida do cristão, adoração não é um ato esporádico de exaltação ou uma expressão de reverência que se resume aos breves momentos de culto na congregação. Não! Adoração é um estilo de vida, que deve se iniciar na conversão e se estender por toda eternidade, já que nossa vida precisa ser em todo tempo e em todo lugar uma oferta de louvor a Deus.

1. No Antigo Testamento

A palavra mais recorrente no hebraico do AT e que carrega em si o conceito de adoração, é shaha, que significa inclinar-se perante ou venerar. Nem sempre o sentido desta palavra no texto será o de adoração, pois é usada também para falar de pessoas que se inclinaram respeitosamente perante outras de posição social elevada, como patriarcas, sacerdotes, profetas e reis, sem necessariamente ter a intenção de adorá-las como a divindades (Confira alguns textos e atente sempre para os contextos: Gn 22.5; 42.6: 48.12; Ex 24.1; Jz 7.15; 1 Sm 25.41; Jó 1.20; SI 22.27; 86.9 etc.).

Os primeiros dentre os Dez Mandamentos proibiam a adoração a outros deuses ou mesmo a veneração de imagens de escultura, visto que Yavé é o único e verdadeiro Deus, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Êx 20.1-6).

O culto (hb. abad) hebreu deveria seguir as normas estabelecidas pelo próprio Deus, que distinguiam a adoração do povo de Israel dos demais povos pagãos do Oriente; seguir as normas divinas (como se vê, por exemplo, no livro de Levítico, o manual do culto hebreu) era imprescindível para que os sacrifícios, louvores e orações do povo pudessem ser agradáveis a Deus – o que já demonstra que a adoração que agrada a Deus é aquela pautada na pureza e na obediência.

Como Peterson destaca: “No AT, o culto é concentrado de modo ideal no local designado por Deus. A adoração segue os rituais estabelecidos por Deus e é mediada pelo sacerdócio ordenado por ele. Mas essa atividade cultual não promove honra a Deus, a não ser quando conduz à obediência e ao louvor em todas as esferas da vida [2]

2. No Novo Testamento

“Na Bíblia grega, normalmente se traduz por proskynein [ou proskyneo]. Desde a Antiguidade, esse termo expressa o costume oriental de curvar-se ou lançar-se ao chão, para beijar o pé, a borda das vestes ou o solo, como gesto completamente corporal de respeito diante de pessoa importante”. [3]

O verbo proskyneo ocorre, por exemplo, em Mateus 2.2, quando os magos que estavam em busca do menino Jesus diziam: “viemos para adorá-lo”; ocorre em Mateus 4.10, quando na tentação do deserto Jesus repreende ao diabo reafirmando a doutrina veterotestamentária de que somente “Ao Senhor, teu Deus, adorarás [proskyneo] e só a ele darás culto [latreuo]”; ocorre também na passagem de Mateus 8.2, quando diz que um leproso, aproximando-se de Jesus o adorou.

Vê-se frequentemente no texto bíblico que o ato de adoração (proskyneo) envolve sempre uma posição respeitosa de alguém que se percebe inferior ao outro que é reverenciado. Note nos evangelhos especialmente que sempre que se menciona alguém adorando a Jesus, diz-se que o adorador “prostrou-se diante” (Mc 5.22; Lc 5.8) ou então “lançou-se aos pés” de Jesus (Mc 7.25; Jo 11.32).

A adoração envolve mais que palavras, envolve o corpo e o ser por inteiro reverentemente postados diante do Senhor; embora a adoração genuína seja em verdade mais que uma encenação ou dramatização forçada – o que Jesus discerne perfeitamente, já que ele vê para além de nossa aparência.

Destacamos ainda que no Antigo Testamento, antes da revelação da Pessoa do Filho de Deus e de uma compreensão mais adequada da Pessoa do Espírito Santo, os crentes da antiga aliança adoravam a um único Deus como sendo uma única Pessoa; todavia, com a manifestação do Filho de Deus encarnado e o derramamento do Espírito na fundação da Igreja, compreendemos que Deus é triúno (um único Deus em três pessoas distintas – um mistério para a nossa mente finita), e que tanto o Pai, quanto o Filho e o Espírito Santo são dignos de nossa adoração.

3. Outras palavras relativas a adoração

Ainda que com menos frequência que o termo proskyneo, outras palavras expressam semelhante sentido no texto grego do Novo Testamento: sebomai, que significa reverenciar, adorar, ser devoto; e o termo latreuo, que significa venerar publicamente, ministrar, servir, prestar homenagem religiosa. Desta última palavra origina-se o termo idolatria (formada de eidolon + latreuo, ou seja, venerar ídolos ou culto às imagens).

II. Como adorar a Deus

1. “Em espírito e em verdade”

É de todos conhecida a história do encontro de Jesus com a mulher samaritana junto à fonte de Jacó (João 4). Ali, sob o sol do meio dia (v. 6, NVI), o Senhor descobriu os segredos do coração daquela mulher, revelou-se a ela como o Messias esperado e pacientemente a instruiu sobre a verdadeira adoração que o Pai espera receber.

Mas o que significa adorar a Deus “em espírito e em verdade”, como ele disse à mulher samaritana? A resposta para esta pergunta é bastante cristocêntrica, visto que Cristo é para a mulher de Samaria não só um mestre a ensiná-la sobre adoração, mas é o próprio caminho para a adoração que agrada a Deus. Explico.

A mulher disputava com Jesus sobre o lugar correto para se adorar, se em Gerizim (como defendiam os samaritanos) ou se em Jerusalém, no Templo, como defendiam os judeus. Jesus, deixando claro que os judeus tinham a interpretação correta nesta disputa teológica que se prolongava por séculos, acrescenta que já é hora de adorar a Deus não mais prendendo-se a lugares, mas apegando-se genuinamente ao Pai em espírito (para contrapor com a religião de formalismos) e em verdade (para estabelecer a fé no próprio Jesus, que é a verdadeJoão 14.6 – como o fundamento da genuína adoração).

Peterson comenta: “o relacionamento com Deus, tornado possível por meio de Jesus, não se prende a nenhum ‘lugar’ ou ritual terreno […]. O Cristo exaltado é agora o ‘lugar’ onde Deus é reconhecido e honrado. O Pai não pode ser honrado, a não ser que Jesus receba toda a honra devida a ele como Filho (cf. Jo 5.22,23; 8.49)” [4]

Portanto, mais importante que o lugar e o ritual é a posição do próprio adorador. Ele precisa estar unido a Deus em espírito, pois é ali que se dá a edificação do crente, e precisar estar fundamentado em Cristo pela fé, para que possa oferecer a Deus louvores, orações e serviço que lhe sejam agradáveis.  Cristo deve estar no centro da nossa adoração! (Fp 2.5-11).

2. Com o “culto racional”

Aos crentes romanos, o apóstolo Paulo exorta a que ofereçam seus corpos a Deus em sacrifício vivo, santo e agradável, isto é, o nosso culto racional. Três coisas devem ser destacadas aqui:

Primeiro, que o “corpo” a ser apresentado refere-se a todo o nosso ser (espírito, alma e corpo), como dizia o salmista: “E tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome” (Sl 103.1).

“Em resposta ao que Deus fez aos que creem em Jesus Cristo, eles [os crentes] devem se apresentar como ‘sacrifício vivo, santo e agradável a Deus’ (Rm 12.1). O sacrifício em questão é representado pelo ‘corpo’ deles, que significa a totalidade de seu ser, não só pele e osso (cf. 6.13,16, ‘ofereçam-se’). […] a apresentação de si mesmo a Deus em Cristo é a essência do culto cristão”  [5]

Segundo, que a adoração que Deus recebe é aquela revestida de santidade, mais do que de formalidade. O Senhor não está buscando a estética da nossa adoração, mas a espiritualidade e verdade naquilo que ministramos ao Senhor (Jo 4.23,24), ou seja, numa vida que seja dedicada a ele diuturnamente em santidade. Dizia o evangelista pentecostal norte-americano Jimmy Swaggart: Deus não está em busca de santa adoração, mas de santos adoradores!

Por último, deve-se dizer que o “culto racional” a que Paulo se refere em Romanos 12.1 não é o culto “com ordem e decência” de que ele trata em 1Coríntios 12 – 14, pois na carta aos coríntios Paulo está tratando do culto congregacional, da reunião para adoração pública. No décimo segundo capítulo da carta aos Romanos, porém, Paulo está tratando do nosso culto pessoal, como um ato de adoração e gratidão pelo que o Senhor fez por nós (justificação pela fé proveniente da graça de Deus – assunto que ele abordou detalhadamente nos capítulos anteriores).

A palavra grega para racional é logikos, donde vem os termos razão e lógica. Noutras palavras, Paulo estaria dizendo: é lógico, isto é, faz todo sentido que vocês agora se ofereçam a Deus em sacrifício vivo santo e agradável, em face de todo amor e misericórdia que ele demonstrou por vocês em Cristo Jesus! Escrevendo aos coríntios, Paulo faz o mesmo apelo, porém, noutros termos: “Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” (1Co 6.20).

Pergunta: você já parou para pensar no grande investimento que Deus fez pela sua vida? Não é razoável, portanto, que você se entregue totalmente ao Senhor que pagou tão caro preço pela sua redenção? Não deve você ser um fiel adorador do Senhor, rendendo-lhe honras, glórias e louvores todos os dias e por toda a eternidade? Já dizia A.W. Tozer: “devo tanto a Deus que ainda que eu vivesse um milhão de anos não seria suficiente para pagá-lo!”.

III. Gestos e atitudes na adoração a Deus

Deus não está interessado em “caras e bocas” para sairmos bonitos na foto durante os cultos para as redes sociais, nem está também interessado em pregadores e cantores performáticos, cheios de pose para as câmeras fotográficas. Ele quer nosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável! Quando a vaidade pessoal prevalece, então o crente passa a venerar a própria imagem (egolatria) e deixa de ser um adorador do único que é Digno! Aprendamos com os salmistas: “Não a nós, SENHOR, não a nós! Mas ao teu nome dá glória” (Sl 115.1).

1. Ajoelhar-se e prostrar-se

O ato de encurvar-se perante o altar do Senhor, perante a arca da aliança ou na direção do Templo era muito comum entre os judeus, como um reverente ato de adoração. Esse ato frequentemente envolvia uma prostração “até o solo”, onde o adorador lançava literalmente sua face no pó! (Confira: 2Cr 20.18; Jó 42.5,6; Sl 95.6; 1Co 14.25)

Porém, lembra-nos Peterson, que este gesto “só era significativo se expressasse reconhecimento à majestade e santidade de Deus e um desejo de reconhece-lo como rei”. O ato de ajoelhar-se, colocar a cara no pó, rasgar as vestes, descabelar-se e até mesmo realizar jejuns prolongados seriam todos inúteis se não fossem acompanhados de sincera devoção, humilhação e quebrantamento no mais profundo do ser! (Sl 51.17).

Com base no texto de 2Crônicas 7.14 aprendemos que na genuína adoração deve haver: humilhação, oração, busca e conversão ao Senhor. Dobrar os joelhos, mas não inclinar os ouvidos para a Palavra de Deus, ou prostrar-se diante do púlpito, mas não reverenciar a Deus na família e no trabalho, é mera encenação! Um teatro que Deus não vai aplaudir, como dizia Eugene Peterson, autor da Bíblia A Mensagem.

2. Louvar e cantar

Dizia C.S. Lewis que “louvar é cantar a beleza do Criador”. Seja no culto congregacional, seja nos nossos devocionais diários ou em tantas oportunidades quantas tivermos ao longo do dia (mesmo em afazeres domésticos e trabalhos profissionais), o louvor é um instrumento poderoso para elevar-nos à presença do Senhor, nos auxiliar em nossas orações e ainda afugentar pensamentos maus que vêm nos assolar constantemente.

Diz o ditado que quem canta seus males espanta. De fato, o louvor espanta a murmuração, espanta a inquietação da alma, espanta os pensamentos impuros, espanta a tristeza e a ansiedade… De tal modo é importante o louvor, que na Bíblia temos um livro que é um verdadeiro hinário sagrado, o livro dos Salmos! O que a Harpa Cristã, o Cantor Cristão ou o Salmos e Hinos são para nós hoje, assim era a coletânea dos Salmos para os antigos crentes de Israel.

Os poetas de Israel nos conclamam a cantar alegremente ao Senhor (SL 47.6; 150.6). Jesus cantou (Mt 26.30); os discípulos, ainda que sob situações tão adversas, cantaram (At 16.25); o apóstolo Paulo demonstrou sua afinidade pelo louvor nos reiterados apelos dirigidos às igrejas para que adorassem a Deus e se edificassem mutuamente através de “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5.19; Cl 3.16). Até mesmo o cântico “em espírito”, isto é, o louvor em outras línguas concedidas pelo Espírito de Deus, o povo de Deus é estimulado a oferecer ao Senhor (1Co 14.15).

Se no culto congregacional a pregação é suprimida devido o excesso de oportunidades para o louvor, o que deve ser feito para corrigir este problema não é anular o louvor, nem menosprezar a importância dele para o culto cristão, antes, deve-se administrar melhor o tempo, avaliar a letra e a teologia dos hinos que estão sendo cantados, além de garantir tempo adequado para a exposição da Palavra de Deus. Tiago, irmão do Senhor, nos estimula a cantar: “Está alguém alegre? Cante louvores” (Tg 5.13).

Quando cantamos louvores, Deus é engrandecido pelo sacrifício dos nossos lábios (Hb 13.15) e nossa alma é fortalecida.

3. Glorificar a Deus

Glorificar a Deus não é uma tarefa, mas uma missão de vida! Não é mera expressão vocal de “glória a Deus!” ou “Aleluia!” durante um culto fervoroso, mas a exaltação que tributamos a Deus mediante nosso proceder diário. Como disse Paulo, “glorificai, pois, a Deus no vosso corpo” (1Co 6.19).

Conclusão

Como vimos, a adoração não se resume aos cultos congregacionais, nem também a expressões vocais ou corporais de exaltação a Deus. Podemos e devemos adorar a Deus através de tudo isso, porém, o nível mais sublime de adoração é o de uma vida totalmente entregue ao Senhor para amá-lo e obedecê-lo em todas e quaisquer áreas da vida! Cuidemos para que nossa vida seja um altar ao Senhor onde quer que estejamos.

__________
[1] D. G. Peterson em Novo Dicionário de Teologia Bíblica (Alexander & Rosner, orgs.), Vida, p. 550, grifo nosso
[2] op. cit.
[3] op. cit.
[4] op. cit., p. 556
[5] op. cit., p. 556

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