vida cristã
“A pandemia não alterou os planos de Deus”, diz pastor Mario Rui Boto
Pastor da Hillsong Portugal falou sobre desafios da liderança na pandemia.
Com uma frequência média global de 150.000 pessoas por semana, a Hillsong Church é conhecida por ser uma igreja contemporânea, que atrai milhares de jovens. Ainda assim, a denominação não deixou de ser afetada de alguma forma pela pandemia do coronavírus, que forçou o fechamento de templos em todo o mundo.
Em Portugal não foi diferente, a igreja liderada pelo pastor Mario Rui Boto sentiu a necessidade de se adaptar ao momento. O pastor lidera a Hillsong Portugal desde 2017, quando o Centro Cristão da Cidade — que ele fundou em 2002 —, se ligou a Hillsong.
Casado com a Amélia e pai de 3 filhas, a Catarina de 28 anos, a Mariana de 22 anos (casada com o Diogo de 24 anos) e a Filipa de 16 anos, o pastor é um líder que se popularizou no Brasil devido aos seus ensinamentos. Rui Boto foi ordenado pastor em 1991.
Aos 52 anos, embora afirme que não pareça, Mario Rui Boto tem uma visão de liderança muito à frente de seu tempo, com ensinamentos que busca promover um crescimento espiritual em todas as áreas da vida, incluindo mensagens que proporcionam equilíbrio físico, emocional, mental e espiritual.
O pastor é formado em Teologia e Educação Cristã, sendo bastante requisitado para palestras, conferências e pregações. Em entrevista exclusiva ao Gospel Prime, Mario Rui Boto falou sobre os desafios da pandemia causada pela covid-19.
Leia à íntegra da entrevista:
Gospel Prime – Como a pandemia afetou a Igreja em Portugal?
Mario Rui Boto – A Pandemia afetou a vida de todas as pessoas, os seus hábitos, rotinas e ritmos. Em algumas também afetou a sua vida laboral ou empresarial, as suas relações sociais e familiares, com a impossibilidade de estarem junto dos seus queridos familiares.
A Igreja é (pelo menos deveria ser) um reflexo do tecido social da comunidade onde está inserida. Como tal, quando a vida das pessoas sofre uma disrupção destas, isso reflete-se na vida das igrejas. O lado positivo disto é que ficou provado a incrível capacidade de mudança e adaptação da igreja. As igrejas tiveram de fazer mudanças profundas em menos de uma semana (o exemplo mais evidente foi o fato de passarem de um formato presencial para online, em menos de uma semana) mostrando a incrível resiliência da igreja de Cristo.
Por vezes eu ouvia alguns pastores se queixarem de que sua igreja era muito resistente à mudança, e por isso eles tinham muitas dificuldades em introduzir mudanças na vida de suas igrejas. A pandemia veio mostrar que a resistência à mudança está mais na liderança da igreja, no seu “mindset”, do que na própria igreja.
Todas as igrejas fizeram mudanças radicais no seu funcionamento, em menos de uma semana, e a grande maioria, para não dizer todas, passaram o teste com muita honra. Creio que esta pandemia retirou a todos os lideres o argumento da resistência à mudança por parte das suas congregações. A mudança começa no líder, no seu mindset, na sua resiliência e capacidade de levar os outros consigo. A igreja é um organismo vivo, incrivelmente resistente, passou pelos períodos da história e suas variantes culturais, sempre triunfante e imparável, o seu ADN é sobrenatural. A Pandemia só veio tornar mais visível essa natureza fantástica da Igreja de cristo.
De que forma a Hillsong Portugal atuou em meio ao isolamento social?
Eu não gosto da expressão “isolamento social”, prefiro o uso de “distanciamento físico”. O isolamento social é contra a natureza da Igreja, mas o distanciamento físico não consegue quebrar o “calor” e “proximidade” da comunhão dos cristãos.
No meio do distanciamento físico, procuramos promover uma maior proximidade social com as pessoas. Eu recebi testemunhos de pessoas dizendo que nunca se sentiram tão parte da igreja como no tempo em que não a podiam frequentar presencialmente.
Graças a Deus pela tecnologia, graças a Deus pela capacidade de inovar, que eu creio ser um dos frutos de Deus ter soprado a Sua imagem em nós. A igreja no seu geral, se mostrou super inovadora. Há que definir bem o que é inovação. Muitas pessoas pensam que inovação é ter o que mais ninguém tem. Mas ter o que mais ninguém tem não é inovação, é apenas demonstração de capital econômico ou capital social (a bênção de ter pessoas dotadas e capacitadas para fazer grandes coisas).
Inovação, no meu ponto de vista, é FAZER o que ninguém faz com aquilo que TODO O MUNDO tem. A Igreja deu uma lição ao mundo, que se fechou e estagnou. A igreja usou o que tinha (e muitas igrejas não tinham, nem têm, muita coisa) e fez o que nunca tinha feito. Foi incrível ver igrejas, desde as mais pequenas e com fracos recursos, às maiores e mais bem apetrechadas, continuarem a sua ação de divulgação do evangelho.
Na Hillsong Portugal procuramos nos focar no que temos, no que existe, no que está nas nossas mãos e fazer o que temos de fazer. Não vale a pena nos focarmos com o que perdemos ou não temos, vamos usar o que temos ou o que resta. Deus faz milagres com o que resta.
Qual foi o maior desafio enfrentado pela liderança?
Eu creio que o maior desafio enfrentado pela liderança é o de manter a visão, a missão e o propósito no meio de circunstancias que mudam. A nossa missão não mudou apesar de mudarem as circunstancias. O desafio de nos mantermos focados na missão que Deus nos deu, o desafio de usar o que está nas nossas mãos AGORA e não ficarmos presos ao que tínhamos antes, o desafio de manter a lucidez num mundo que parecia estar a enlouquecer. A qualidade de uma liderança se revela em tempos de aperto e incertezas generalizadas.
A Hillsong Portugal conseguiu manter uma relação de proximidade na pandemia?
Pelo menos procuramos fazer isso, como já expliquei anteriormente. Distanciamento físico não significa necessariamente distanciamento social. A expressão “distanciamento social” não cabe na vida da igreja. Os nosso grupos de conexão (grupos familiares) nunca deixaram de funcionar, usando o Zoom, as reuniões de liderança, de staff e de voluntários aconteceram até com uma maior regularidade e claro, o nosso trabalho social e de apoio aos carenciados, cresceu exponencialmente. Mas até no trabalho social vimos como Deus usou isso para nos chegarmos a pessoas e famílias que estavam isoladas, sem ninguém a que pudessem pedir ajuda, e encontraram na igreja uma família, uma Casa, um abrigo.
Como tem sido a relação da Hillsong Portugal com as autoridades políticas?
A Hillsong procura colaborar com as autoridades locais, sejam elas de que quadrante político forem, porque o nosso alvo primário são as pessoas, as suas famílias e bem estar. Eu creio que a igreja não deve ter uma agenda no seu trabalho social que não seja este: ajudar quem precisa. Temos tido um apoio incrível de algumas entidades governamentais, outras nem tanto. Muitas empresas também se têm juntado a nós no suporte aos carenciados.
Quais transformações os líderes terão de enfrentar em todo o mundo?
Muita gente me tem perguntado como eu acho que vai ser a igreja no pós-pandemia, ou qual a “nova coisa” que Deus fará? Sinceramente eu creio que Ele irá continuar a fazer o que sempre tem feito: Salvar, edificar a Sua igreja, derramar do Seu Espirito, Ele é o mesmo ontem hoje e será eternamente (Hebreus 13:8).
Os líderes sempre tiveram, e terão, de enfrentar transformações e mudanças, não é algo de novo que a pandemia trouxe. Enfrentar mudanças e transformações é o café da manhã dos líderes. Vamos continuar firmes, focados em Jesus, fundados na sua palavra, corajosos, destemidos, lúcidos e visionários. Se um líder só agora, por conta da pandemia, se viu confrontado com a necessidade crescer, mudar, adaptar, lidar com transformações, etc, então o que ele tem estado a fazer é gerir e não liderar. Gerir é lidar com o que se tem, liderar é caminhar para o que ainda não existe.
O senhor se sente preparado para essas transformações?
Boa pergunta… sentir que estou preparado? Sinceramente sinto que não. Mas creio que isso pode ser uma grande vantagem, pois esse sentimento de incapacidade me leva a Cristo e á Sua presença, e de lá podemos receber tudo o que necessitamos para o tempo que estamos a viver. Eu confesso que sempre me sinto um pouco desadequado, mas até aqui isso tem me ajudado a confiar mais em Deus. Não tem mal um líder não se sentir preparado, o que tem mal é um líder ficar parado porque não se sente preparado.
Por que alguns líderes rejeitam a necessidade de se adaptar para alcançar mais pessoas?
Não sei se tenho uma resposta para isso, e se essa questão tem somete uma resposta. O que eu penso, no que diz respeito à resistência à mudança e à adaptação de métodos e modelos, é que muita da resistência à mudança vem do fato de que os métodos e os modelos, as formas, as estruturas, se dogmatizaram.
Expressões como “este é o modelo de Deus” ou “o método de Deus”, no meu ponto de vista, atrapalham mais do que ajudam. Acabamos por encontrar identidade espiritual em modelos e métodos. Infelizmente é frequente eu ouvir pastores e lideres dizerem: “ a minha igreja é uma igreja no modelo X ou Y”, como se a identidade da igreja estivesse no modelo. Por isso quando o modelo é posto em causa, para eles é mais do que colocarem um modelo ou estrutura em causa, é colocarem a própria identidade em causa.
O meu conselho é que nunca encontrem identidade num modelo, mas somente em Cristo. Modelos e estruturas vêm e vão. Os modelos são ótimos servos mas péssimos senhores. Uma ferramenta é uma ferramenta, não devemos ter laços emocionais com ferramentas, sob pena de elas serem elevadas a objetos de devoção. Um maior desprendimento de modelos, método e estruturas ajuda muito à mudança.
O pós-pandemia será de avivamento mundial ou de apostasia?
O pós-pandemia será como o pré-pandemia. Deus não muda, eu creio num avivamento nas nações, no pré e no pós-pandemia. O que nós acreditamos não pode ser governado pelas circunstancias do momento. A pandemia não alterou os planos de Deus, apenas os nosso. Deus está no trono e de lá não sairá e é a Ele que nós servimos.