opinião

Antecedentes e consequentes do nosso Estado de esquizofrenia social

O fato de o maior ícone da roubalheira, hoje preso, ainda aparecer em pesquisas como um dos preferidos do “povo” nos revela que, talvez, o estado de loucura seja irreversível.

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Esquizofrenia é um daqueles termos que subsiste em dois níveis linguísticos: um, técnico, relativo à psiquiatria; outro, conotativo, coloquial, popular. Não há como você e eu, prezado(a) leitor(a), não usarmos este termo atualmente, no segundo sentido: que é o popularmente utilizado para falarmos sobre como vai nossa combalida sociedade. A esquizofrenia social em que estamos vivendo é, de longe, o sintoma mais peculiar de que temos notícia e, numa breve análise do que foi o século XX, global e nacionalmente, começamos a compreender melhor o porquê de estarmos vivendo como em um manicômio.

O século 20 foi prodigioso em diversos aspectos. A sociedade ocidental passou por várias revoluções: inicialmente, a industrial, desde fins do século XIX; posteriormente, a comunista; depois, as das sociedades totalitárias; em seguida, a do comunismo mundial; depois, a sexual, a tecnológica, a educacional etc. Foi o século das revoluções, algumas com enorme peso cultural. O filósofo brasileiro pouco conhecido, mas com uma vasta obra, Mário Ferreira dos Santos, descreve de certa forma este processo, que coincide com a própria decadência do ocidente, no livro que ficou conhecido como A Invasão Vertical dos Bárbaros, no qual ele comenta sua consequência direta: a deterioração cultural que sofremos. Podemos dizer que a revolução cultural ocidental foi a grande marca do século passado.

O Brasil acompanhou, ainda que de longe e atrasado, as revoluções que aconteciam no mundo. Diferentemente dos europeus e americanos, “queimamos” etapas históricas pelas quais aqueles povos passaram. Para nos equipararmos historicamente aos mesmos, saímos do estado de colônia portuguesa a um império “meia boca”, que culminou numa república que já nasceu morta: parece, por nossa história, que desde o início, ninguém sabia o que fazer realmente. Com cerca de 50 anos de república, passaríamos a um sistema controverso, alienador – o de Getúlio Vargas -, o ditador com uma aura de “bonzinho”, por nos ter legado a CLT.

Desde então, o processo de desgoverno acelerou. De um “golpe militar”, que não foi golpe, pois a intervenção militar foi amplamente querida e requerida pelo povo, em 1964, como os jornais da época noticiaram, à moribunda democracia que construímos depois da Constituinte de 1988, o Brasil está há mais de um século sem saber de fato de onde veio, onde está e para onde vai. É um dos países com situação sócio-política mais lastimável de todos os tempos!

Paralelamente, temos o florescimento da Igreja brasileira no século passado. Ramificamo-nos em várias direções diferentes e, das alianças de igrejas históricas ao pós-pentecostalismo, o século XX viu surgir de tudo em termos eclesiais. Praticamente sem identidade alguma, assim como nossa nação, a não ser a língua, as igrejas que formam o escopo do que se conhece como evangelicalismo nacional vivem de e para seus próprios bolsões, em ações estritamente pragmáticas – em todas as linhas eclesiais -, sendo isto um dos motivos pelo qual crescem, expandem-se, alcançam todos os níveis sociais e, mesmo assim, não conseguem aparecer como um instrumento mínimo de qualquer tipo de mudança.

É absolutamente incrível como a Igreja brasileira, dona de rádios, tv´s, escolas, faculdades, universidade, lojas, jornais, editoras seja incapaz de aparecer socialmente como uma entidade relevante cultural, social e intelectualmente. A nossa esperança é de que esteja sendo, com algum efeito, espiritualmente.

Alie tudo isso ao imediatismo, que é uma característica típica de nosso povo. O brasileiro comum é alguém imediatista, absurdamente imediatista. Isso explica, em parte, porque micro e o médio empresariado nacional é tão rotativo, flutuante. As empresas pequenas no Brasil, por exemplo, não conseguem se manter, pagar impostos, criar estratégias, porque refletem o imediatismo de sucesso que preenche nosso ideário .

É absolutamente desconcertante conversar com micros e pequenos empresários que não têm a mínima ideia de como estabelecerem períodos de retorno efetivo de seus investimentos, ou sequer das estratégias que devem desenvolver para manterem capitais de giro, fazerem investimentos, programarem financiamentos, etc. Resultado: a falência de METADE das empresas que abrem no Brasil em menos de 3 anos. E pelos números atuais do SERASA, 50% de TODAS as empresas brasileiras, atualmente, estão no vermelho.

A pressa em ser alguma coisas, queimando-se ou negligenciando-se etapas cruciais ao processo, torna-se um fator explosivo, um desastre social, pois pessoas podem se aproveitar desse efeito da esquizofrenia social para: a) quererem ganhar dinheiro fácil; b) aplicarem golpes; c) usarem a fé como forma de escapismo, com fórmulas mágicas, triunfalismos, palavras de efeito e tudo o mais que afaste o brasileiro comum do estado de dúvida, medo, esquecimento e descontrole em que vive. Assim, não é de admirar que sejamos nós, brasileiros e alguns países africanos, que mais soframos com todos os efeitos nocivos do pós-pentecostalismo (ou neopentecostalismo), cujo discurso e prática são, em grande parte, absolutamente desprovidos de qualquer sentido. Realmente, as pessoas pensam que com palavras de ordem, objetos peculiares, ações ritualísticas repetitivas e coisas assim, terão algum conseguirão efeitos realmente positivos em suas vidas.

O Brasil entra no século XXI como um país sui generis, alinhado, de certa forma com a “loucura” ocidental (sobre a qual devo esboçar algumas palavras mais pontuais, num outro texto), e implodindo em todas as áreas. Num país onde todo mundo quer dizer algo, simplesmente porque tem algo a falar e não por ter algo a dizer, a esquizofrenia social foi literalmente amplificada pelo fenômeno das redes sociais. Nestas, a loucura brasileira alcançou seu ápice, com todo o extravasamento possível: de sandices ditas em nome de Deus, até as ditas contra a existência de Deus. Tudo se mistura num caldeirão facebookiano tão grotesco, que até especialistas do facebook se impressionaram com o que acontece em nosso país.

Nem preciso dizer como isso tudo é ruim. O apóstolo Paulo dizia, há quase dois mil anos, que “há muitas vozes (ou idiomas) no mundo e nenhuma delas sem significado” (1 Co. 14:10). A paranoia ocidental, a fome por mudanças as vezes apenas pelas próprias mudanças, a capacidade de satisfazer-se nas relações líquidas, passageiras, efêmeras, o medo de não se ter propósito, o existencialismo de botequim, a incapacidade de se perceber o desgoverno em que estamos, fruto de anos malditos de uma roubalheira “social-democrata” sem precedentes na História da raça humana e o fato de o maior ícone desta roubalheira, hoje preso, condenado, falido historicamente, ainda assim aparecer em pesquisas como um dos preferidos do “povo” brasileiro para ocupar a posição política mais importante da nação, nos revela que, talvez, o estado de loucura que nos tem consumido seja, infelizmente, irreversível.

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