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Bolsonaro ainda deve explicações

Crise parece ser o que deseja o segmento mais ideológico, olavista, cruzadista e tresloucado desse governo.

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Jair Bolsonaro e Sérgio Moro (Adriano Machado / Reuters)

Nosso país assistiu, neste fatídico dia, ao confronto verbal entre o presidente da República e um dos principais nomes do seu governo.

Trata-se de um momento crítico, sem dúvida o mais delicado da gestão Bolsonaro até agora, a ponto de percebermos, nas redes sociais, que apoiadores ferrenhos do “mito” começaram a desembarcar da nave bolsonarista – justamente aqueles que nele votaram pensando no combate à corrupção e na postura ética, aspectos personificados pelo agora ex-ministro Sergio Moro por sua brilhante atuação como juiz da operação Lava Jato.

A princípio, testemunhamos apenas “a palavra de um contra a do outro”, mas no curso dos dias teremos chance de perceber que, assim como num processo penal, simples palavras frequentemente são acompanhadas por indícios e provas, sem contar a luz emitida pelo histórico dos envolvidos – acerca disso, vale dizer que o Procurador-Geral da República já anunciou pedido de inquérito policial sobre as declarações do ex-ministro, as quais, se confirmadas, podem tipificar diversas condutas criminosas.

Em sua entrevista coletiva, iniciada às 11h, Sergio Moro não somente anunciou seu pedido de exoneração do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública como também atribuiu ao presidente tentativas de interferir politicamente na Polícia Federal, tentativas estas que estariam na origem na decisão presidencial de demitir o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Maurício Valeixo.

Segundo o ex-ministro, Bolsonaro lhe dera “carta branca” para a indicação de colaboradores, o que conta com provas audiovisuais disponíveis na internet, pois o próprio presidente o disse em público.

Em resposta, o presidente Jair Bolsonaro fez, a partir das 17h, um pronunciamento em que, de forma emotiva e vitimista, na presença de ministros e outros aliados, buscou infirmar a imagem pública do ex-ministro, insinuando que o mesmo estaria mais preocupado com sua biografia e com um projeto político do que com o país; além disso, o presidente recorreu a fatos não relacionados ao episódio em tela e demonstrou claramente que não conhece os limites do seu papel como presidente da República frente à polícia judiciária (depois de décadas como deputado federal, deveria conhecer noções mínimas de direito constitucional).

Com efeito, para justificar a decisão de exonerar Valeixo, Bolsonaro chegou a admitir que insistia, com Sergio Moro, em pedidos de investigação da tentativa de homicídio de que fora vítima, bem como de circunstâncias que pudessem esclarecer sua inocência quanto à malograda associação de seu nome ao Caso Marielle.

Ocorre que um presidente não pode interferir em investigações policiais, mesmo as conduzidas pela Polícia Federal, e, se quiser providências como parte interessada, deve acionar o aparato da Justiça pelas vias ofertadas ao cidadão. Vale registrar, de passagem, que as apurações da execução de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes, estão a cargo da Polícia Civil fluminense, já que o caso não foi federalizado.

Na concepção deste que vos escreve, a máxima vergonha imputada ao presidente pelo ex-ministro Sergio Moro foi a declaração de que o mesmo teria agido pior do que Lula e Dilma nas investidas para interferir nas atividades policiais. Se comprovado, teremos elementos para possível pedido de impeachment e uma nódoa na história de um presidente que venceu a eleição apoiado por muitos e muitos cidadãos enojados com a corrupção do PT e seus asseclas.

Mais do que isso, o presidente acabou admitindo ter solicitado ao então ministro Sergio Moro relatórios de inteligência da Polícia Federal, medida que não pode ser adotada, pois as investigações policiais se dirigem ao juiz, não a qualquer governante, podendo configurar crime, a depender da situação, atitudes de um mandatário tendentes a se imiscuir em procedimentos sigilosos que não lhe compete conhecer.

É certo que o presidente tem o direito de ser bem informado pela “comunidade de informações”, mas para isso existe a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). Sergio Moro deve ter explicado tudo isso, mas o presidente não entendeu ou não quis entender.

Se considera que necessita de informações para sua segurança pessoal e de sua família, ou para esclarecimento de fatos relevantes ao governo, o presidente deve acionar o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, ou o próprio diretor da ABIN.

Em seu duro e apaixonado discurso contra Sergio Moro, o presidente, enquanto tentava imputar ao ex-ministro um zelo desmedido pela própria biografia, buscava, a seu modo, cuidar da sua imagem de homem honesto, cioso da hierarquia e herói nacional que derramou sangue pela pátria, mas seu discurso peca por dois aspectos fundamentais:

(1) não forneceu explicação convincente acerca da troca do diretor-geral da Polícia Federal – dizer que se trata de atribuição legal exclusiva não explica nada, dadas as circunstâncias, especialmente para quem tem um filho senador que lutou no Supremo para suspender investigação criminal em seu desfavor;

(2) deu a entender que seu desconforto com Sergio Moro não se justifica por motivos legítimos, mas, sim, porque o ex-ministro insistia em cumprir a Constituição, recusando adotar medidas que privilegiassem a sanha presidencial de se imiscuir em investigações.

Acostumado a “fritar” seus assessores por semanas a fio (vide Bebianno, Santos Cruz, Mandetta), Bolsonaro não estava preparado para se chocar com a serenidade de um Sergio Moro, personagem que, embora falho como todos nós, tem-se conduzido de forma digna em todo o seu procedimento, inexistindo, por ora, motivos para que desconsideremos a gravidade do que ele asseverou em sua entrevista, que às vezes parecia uma representação verbal em face do presidente da República.

A saída dos outros ministros foi precificada pelos bolsonaristas radicais (ou não tão radicais assim) como perdas normais de um projeto patriota que enfrenta um sistema corrupto de velha política, projeto este traído, segundo eles, por todos aqueles dos quais o presidente resolve falar mal.

Todavia, será difícil proceder igualmente com o ex-ministro Sergio Moro, e uma das razões para isso é que parte do movimento bolsonarista se deve à Lava Jato e às esperanças que o ex-juiz de Curitiba personificou.

Por fim, talvez seja isto mesmo que deseje aquele segmento mais ideológico, olavista, cruzadista e tresloucado do governo: que saiam Moro, Guedes, os ministros militares e todos os apoiadores sensatos e racionais, para que possam logo implantar seu regime sectário, baseado em teorias da conspiração, assassinato de reputações, estouro de boiadas e verdadeira religião política, onde um dos dogmas é a cegueira dos adeptos, e o outro, a idolatria.

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