opinião
Cientistas e o livro de orações do Hospital Johns Hopkins
Foram analisados cerca de 40 livros de oração, cada um com 130 páginas em média, preenchidas com orações no Hospital Johns Hopkins desde o final dos anos 1990.
Wendy Cadge, socióloga do Departamento de Sociologia da Brandeis University, desenvolveu uma pesquisa entre 1999 e 2005 no Hospital da Universidade Johns Hopkins que analisou os pedidos de orações de pacientes, visitantes e da própria equipe de funcionários escritos no livro de orações disponível na capela do hospital. O objetivo era analisar que tipo de pedidos as pessoas faziam a Deus em suas orações, que tipo de relacionamento eles desenvolviam com Deus em suas orações naquele momento, que tipo de resposta da parte de Deus eles acreditavam que era possível e como eles elaboravam essas orações.
Isso é muito revelador, pois se formos comparar com os debates que ocupam as mentes de acadêmicos no Brasil, soaria cafona, caipira, algo como teatro de bizarrice de crentes que se preocupam com temas dessa natureza, a saber, livros de oração de moribundos e doentes terminais. No entanto, na América, debates assim desenvolvem-se normalmente, inclusive a autora da pesquisa, cita que pesquisadores em sociologia, medicina e religião têm se debruçado sobre essas questões procurando entender como a oração pode influenciar na saúde do paciente, daqueles que os assistem e até mesmo da equipe que atende o doente.
A pesquisa é inovadora na medida que não foi buscar em igrejas distribuídas pelo território norte-americano, pelo contrário, coletou os dados num contexto isento, porém que revela uma crença e religiosidade vivas examinando como os indivíduos elaboravam e improvisavam suas próprias preces num momento de dificuldades e incertezas.
Se por um lado o paciente, goza de certa tranquilidade por receber um tratamento digno do melhor hospital dos EUA, nada impede que exerça sua crença em Deus, que não fica relegada como pode-se verificar nos dados coletados.
A maioria das orações revelam a crença num Deus acessível, que os ouve e atua como fonte de apoio emocional e psicológico. Embora, pesquisas revelem que mais de dois terços dos norte-americanos acreditem em milagres, a palavra milagre raramente é explicitamente mencionada nas orações dos livros do Johns Hopkins. Tais orações são elaboradas numa linguagem psicológica abrangente sem a menção ou expectativa de resultados distintos. Aqui demonstra certo choque com a realidade de pacientes ou envolvidos na situação que precisam de uma intervenção divina e não estão interessados em tecnicismos, ou idealizações, mas unicamente numa solução pragmática para seu problema.
As orações anotadas nos livros tendem a agradecer e pedir a Deus, de uma forma ampla, bênçãos, força e orientação para si mesmos e entes queridos e não por resultados específicos.
Estudiosos na América, há muito tempo estão interessados nos efeitos da oração como demonstram recentes pesquisas, principalmente por pesquisadores médicos, concentrados em saber se a oração tem qualquer influência mensurável sobre a saúde das pessoas. A maioria dos estudos recentes procura responder em que frequência as pessoas oram e se as pessoas que oram têm problemas menos graves de saúde, recuperam-se mais rapidamente de cirurgias ou são mais saudáveis em geral do que os que não oram (Levin, Jeffrey S., Taylor, Robert J., Chatters, Linda M., 1994).
Alguns pesquisadores postulam como mecanismo biológico, psicológico, cognitivo ou neurológico para explicar as relações entre oração e saúde; mas poucos perguntam o que a experiência da oração significa para os indivíduos e como explicar teologicamente ou cientificamente que a oração pode influenciar sua saúde. Se os pesquisadores que estudam religião e saúde levassem a sério até mesmo o possibilidade de que a oração pode influenciar a saúde, eles precisariam aprender mais sobre o que as pessoas oram, como eles oram e que tipo de resultado esperam de suas orações. Informações assim, serviriam como base geral e revelariam os mecanismos pelos quais a religião pode influenciar a saúde.
A pesquisa conduzida por Wendy Cadge, é a primeira análise sistemática do conteúdo da oração do Hospital Johns Hopkins. Os livros específicos estudados estão localizados no principal corredor no Hospital Universitário ao lado da estátua de mármore de Jesus Cristo, ou “Cristo, o Curador Divino” – uma réplica da obra original do escultor dinamarquês Bertel Thorvaldsen em Copenhagen.
Essa estátua foi doada por William Wallace Spence, destacado homem de negócios, que a instalou no hospital em 14 de outubro de 1896, em resposta a um pedido feito por Daniel C. Gilman, o primeiro presidente do hospital. A estátua foi um pedido de Gilman que alguém fizesse uma doação para lembrar aos médicos e enfermeiros seu “ministério de cura”.
Historiadores especulam que este pedido decorre das críticas que Gilman e outros funcionários receberam, quando um hospital não sectário fundado por quakers (grupo religioso, com origem num movimento protestante britânico do século XVII), abriu sem qualquer filiação religiosa. À parte a polêmica que houve entre presbiterianos sobre a estátua, prevaleceu a reconciliação entre as partes e a decisão de instalá-la numa área comum do hospital, donde pode-se ler em sua base: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28).
O método da pesquisa
Foram analisados cerca de 40 livros de oração, cada um com 130 páginas em média, preenchidas com orações no Hospital Johns Hopkins desde o final dos anos 1990. Os livros foram catalogados por data. Foram especificamente analisadas orações escritas num mesmo mês dos anos de 1999, 2001, 2003 e 2005. Orações individuais foram codificados como uma unidade de análise, pois a maioria das orações analisadas mencionava Deus, Jesus ou o Divino, chamado de alguma forma. Assumiram que cada registro nestes livros era uma oração e assim foi catalogado como tal. Totalizaram 683 orações escritas nestes quatro meses, (média de 6 orações por dia).
Havia orações em inglês (a maioria), espanhol, chinês, ucraniano, francês, farsi, húngaro e coreano que tiveram que ser traduzidos para o inglês. Todas as orações nesses livros foram escritas à mão e constavam várias linhas de comprimento. Enquanto algumas das orações foram escritas por pacientes e funcionários, a maioria foram escritos por membros da família e amigos.
Resultado (parcial) da pesquisa
Conclusão
Estudos dessa natureza deveriam inspirar nossos pesquisadores para as muitas facetas de uma prática de vida cristã, já que nos EUA, pesquisadores de variadas disciplinas tem dedicado atenção à relação entre recuperação do doente e os que praticam a oração. Curioso e digno de destaque na pesquisa é a menção de jovens holandeses e a forma como elaboraram suas orações.
Ao invés de pedir por uma cura imediata ou pela felicidade quando estavam doentes ou infelizes, formularam orações em termos abstratos e gerais como ajuda ou apoio, favor, confiança, benção etc; demonstrando certa resignação diante da doença e a solidão que tanto abate nesses momentos. Mais que a cura, buscavam no recurso da oração, uma saída para o momento de solidão que é estar doente, mas ao mesmo tempo suas orações refletiam a resignação diante das incertezas da vida e eficiência dos tratamentos.
Este artigo poderia despertar nos pesquisadores brasileiros o mesmo tino que instiga os estudiosos norte-americanos quando o assunto é oração, seu conteúdo, a resposta dessas orações e vida saudável. Esse assunto não se restringe a amadores, muito menos a alguém que pensa segunda cartilhas ideológicas e seu já definido e restrito pacote de assuntos, cujo viés, não raro, busca solução de temas há muito ultrapassados na América ou Europa.
Seria de grande valia para a sociedade e para a Igreja se mais estudiosos se dedicassem a enxergar a igreja e seu ambiente multi-facetado com olhos isentos de ideologia e descrença. Avançando, questionando, aprendendo e cumprindo seu papel de lançar luz sobre questões que despertam há muito tempo interesse de pesquisadores em países desenvolvidos e deixando para trás o ranço de uma ideologia e seus temas já batidos e corrompidos.
Não está em discussão a eficácia da oração, mas sim sua prática na busca por ajuda e conforto em Um que pode tornar possível o impossível, que pode trazer conforto quando faltam as palavras e que é o único que pode dar esperança ao desesperado e aflito diante de uma incerteza da vida.
Bibliografia:
Levin, Jeffrey S., Taylor, Robert J., Chatters, Linda M., 1994. Race and gender differences in religiosity among older adults: findings from four national studies. Journal of Gerontology: Social Sciences 49 (3), S137–S145.
Robert Wuthnow, Wendy Cadge, M. Daglian, Religion and Culture. Blessings, strength, and guidance: Prayer frames in a hospital prayer book, Poetics, Volume 36, Issue 5, 2008, Pages 358-373, ISSN 0304-422X.