estudos bíblicos

Contrastes na adoração da Antiga e Nova Aliança

Devemos perceber a centralidade de Cristo nas figuras do Antigo Testamento, descermos fundo no estudo dos tipos bíblicos para subirmos alto em adoração ao Senhor!

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Reconstrução do Tabernáculo de Moisés em Timna, Israel. (Foto: Wikipedia)

No estudo de hoje damos continuidade ao exame dos temas da carta aos Hebreus, seguindo a sequência dos capítulos bíblicos.

Chegamos ao capítulo 9, que na opinião de Orton Wiley é o “capítulo mais solene da Epístola aos Hebreus, o grande capítulo neotestamentário da expiação (…) Deparamo-nos, agora, com uma apreciação do grande sacrifício expiatório de Cristo, o derramamento do Seu precioso sangue na cruz do Calvário para a nossa redenção” (1).

O sacerdócio de Cristo permanece sendo o assunto do autor de Hebreus e por consequência das nossas Lições dominicais, que, diga-se de passagem, têm feito valer o tema geral deste trimestre: “A supremacia de Cristo…”. 

I. O culto e seus elementos na Antiga Aliança

Nos cinco primeiros versículos do nono capítulo de Hebreus, o autor descreve os elementos do culto judaico, encontrados no antigo tabernáculo construído por Moisés.

Embora o autor dedique atenção ao tabernáculo propriamente (o lugar Santo e o Santíssimo), há outros elementos importantes que estão num terceiro espaço na tenda erigida por Moisés, e que é, na verdade, o primeiro onde levitas e sacerdotes oficiavam: o átrio.

É ali no átrio que ocorrem os sacrifícios diários no ALTAR DO HOLOCAUSTO (Ex 40.6) e onde está também a PIA DE BRONZE (Ex 30.18) onde os sacerdotes se lavavam antes e após sacrifícios (Ex 30.18-21).

O altar do holocausto aponta para a cruz e o sacrifício perfeito efetuado por Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). A pia de bronze aponta para a santificação contínua operada em nós pela Palavra de Deus que nos faz limpos (Ef 5.26,27; Jo 15.3). Mas o autor da carta aos Hebreus coloca sua atenção ao lugar Santo e ao lugar Santíssimo onde estavam:

No lugar santo

O candeeiro ou candelabro de ouro com sete castiçais, abastecido com azeite para iluminar em todo tempo o interior do tabernáculo no qual não havia janela e cujas cortinas estavam fechadas o tempo todo.

Aquele candelabro pode apontar para Cristo, que é a luz do mundo (Jo 8.12), para os salvos que são a luz do mundo (em íntima ligação com Cristo, a fonte da nossa luz – Mt 5.14; Ap 1.12,13, 20), ou ainda para o Espírito Santo, de quem depende a luz da nossa adoração (1Ts 5.19).

Cristo foi cheio do Espírito e o Espírito foi derramado para esclarecer as discípulos as obras e palavras de Cristo (Jo 14.26).

Os doze pães da proposição sobre a mesa, que eram comidos pelos sacerdotes aos sábados e substituídos por outros. Eram doze porque representavam as doze tribos de Israel. Aqueles pães provavelmente apontam para Jesus Cristo que é “o pão vivo que desceu do céu” (Jo 6.51), e cuja carne foi dada não só por Israel, mas pelo mundo inteiro (Jo 6.51; 1Jo 2.1,2; Hb 2.9). A mesa dos pães da proposição ficava do lado direito da entrada do tabernáculo, de frente para o candelabro.

O altar do incenso onde os sacerdotes ofereciam não sangue, mas especiarias aromáticas, conforme determinadas por Deus, e cuja fumaça subia ao Senhor como um cheiro agradável. Por tentar oferecer fogo estranho sobre este altar foi que os sacerdotes Nadabe e Abiú, filhos de Arão, foram mortos por Deus no tabernáculo (Lv 10.1-2).

Note uma coisa importante sobre a posição do altar do incenso: em Êxodo 30.1-7 está dito que o altar do incenso ficava “diante do véu que está diante da arca do testemunho” (v. 6), enquanto que o autor de Hebreus diz que “depois do segundo véu estava o tabernáculo que se chama o santo dos santos, que tinha o incensário de ouro…” (Hb 9.3,4). Aqui pode surgir uma dúvida na cabeça do estudante da Bíblia: afinal, o altar do incenso estava no Lugar Santo, como diz Êxodo, ou estava no Lugar Santíssimo, como sugere Hebreus? Estava defronte do véu ou atrás/depois do véu?

O renomado teólogo Norman Geisler apresentou pelo menos sete alternativas para responder essa aparente contradição, mas duas que ele considera mais plausíveis são: primeira alternativa é que o “incensário de ouro” de que Hebreus 9.4 fala difere do altar de ouro do incenso que estava no lugar Santo; a segunda possibilidade é que o altar do incenso era removido no Dia da Expiação, quando o sumo sacerdote levava este altar do lugar Santo para o Santo dos Santos (2).

O comentarista da Lição, José Gonçalves, discorda de Geisler, e descarta a suposta distinção entre “incensário de ouro” e altar do incenso no texto de Hebreus 9.

Para Gonçalves e outros exegetas, é mesmo do altar do incenso que Hebreus 9.4 está falando, e que embora fisicamente presente no lugar santo, liturgicamente o altar do incenso pertencia ao lugar santo, “devido à importância do ritual da expiação ao segundo tabernáculo, isto é, o Santo dos Santos” (3).

No Dia da Expiação (uma vez ao ano) o sumo sacerdote que entrava no tabernáculo para oferecer sacrifício por si e por toda nação, e neste caso, em caráter excepcional, também fazia “expiação sobre as suas pontas [do altar do incenso] com o sangue do sacrifício das expiações” (Ex 30.10). Acreditamos que esta última opção seja a mais provável.

Seja como for, o altar do incenso representa tanto a aceitação do sacrifício de Cristo pelo Pai, a quem a oferta do Senhor sobe como cheiro agradável, como representa também as intercessões de Cristo diante do Pai em nosso favor, e ainda “as orações dos santos” (Ap 5.8; 8.4)

No lugar santíssimo

Um grosso e pesado véu separava o lugar Santo do Santíssimo. Era o limite para o sacerdote e a separação do utensílio que exigia mais reverência dentro do tabernáculo: a arca da aliança, que sempre representou a própria presença gloriosa de Deus e que prefigurava o próprio Cristo em quem “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9).

Nos dias de Jesus, não mais no tabernáculo, mas agora no grande templo em Jerusalém (e que não era o de Salomão também, mas o de Zorobabel, reformado e ampliado por Herodes), aquele véu continuava ali, separando o lugar de culto do sacerdote do lugar de culto do sumo sacerdote. Entretanto, na morte de Jesus aquele véu do templo foi rasgado “de alto a baixo” sem intervenção de força humana (Mt 27.51; Mc 15.38).

Segundo Champlin, este véu do templo “tinha a largura de uma mão de espessura, tecido com 72 dobras torcidas, cada uma feita com 22 fios. Media cerca de 18 metros de altura por nove de largura.

Seria mister uma força poderosíssima para conseguir tal prodígio” (4). Não foi outro senão o próprio Deus que rasgou aquele véu, para anunciar o fim do culto da antiga aliança, e declarar que agora “os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.23). O corpo de Cristo foi rasgado na cruz, e o véu foi rasgado no templo. Um novo caminho estava aberto para o Pai (Hb 10.20), e por ele todos agora podem passar pela fé, não apenas o sumo sacerdote.

Sobre a arca da aliança, na tampa do propiciatório onde estavam fundidos dois querubins de ouro, o sumo sacerdote aspergia o sangue no Dia da Expiação (hb. “Yom Kippur”; Ex 30.10; Lv 23.27-32), para remoção de seus pecados e dos pecados da nação de Israel.

Todos os anos aquela cena se repetia, os sacrifícios se repetiam, e o sumo sacerdote não podia permanecer para sempre ali dentro do lugar Santíssimo.

O próprio tabernáculo trazia em si a ideia de algo provisório; mesmo os templos construídos posteriormente (por Salomão, e após o exílio babilônico por Zorobabel) não objetivavam ter um caráter permanente – se assim fosse nunca teriam sido destruídos.

E é aqui onde está um ponto de distinção importante entre o serviço sacerdotal na antiga aliança e o serviço na nova aliança: “Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus; nem também para a si mesmo se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no santuário com sangue alheio; (…) Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.24,25,28).

Cristo não comparece diante de uma arca de ouro feito por mãos humanas, antes está “assentado nos céus à destra do trono da Majestade” (Hb 8.1), onde intercede por nós (Rm 8.34).

Todo o tabernáculo era internamente revestido de ouro, bem como a própria arca da aliança. Este ouro simboliza a realeza e a majestade de Cristo (Mt 2.11) e do tabernáculo celestial (Ap 21.18,21) onde ele intercede por nós. É ali que devemos acumular tesouros imperecíveis! (Mt 6.20)

II. A eficácia do culto na Nova Aliança

Três coisas estão destacadas em nossa Lição, como resultados do sacrifício efetuado por Cristo, e que cumpriu, ultrapassou e substituiu o antigo concerto:

Uma redenção eterna (Hb 9.12)

Por redenção eterna não se deve entender que “uma vez redimido, redimido para sempre”. Não é essa a ideia que o autor da carta aos Hebreus tem em mente ao falar de redenção eterna. O que ele está contrapondo é a expiação realizada pelos sacerdotes do tabernáculo e a redenção realizada por Cristo. Enquanto aqueles oferecem sacrifícios “muitas vezes” (Hb 9.25), Cristo o fez uma única vez, para tirar os pecados de muitos (v. 28). Nenhuma outra redenção jamais será exigida, nenhum outro sangue jamais será exigido, nenhum outro cordeiro jamais será oferecido para Deus em favor dos homens, pois a obra que Jesus fez é a única e eterna obra para limpar definitivamente os pecados e reaproximar os homens de Deus. Em virtude disso, Jesus pode tão taxativamente dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (Jo 14.6).

Uma consciência limpa (Hb 9.14)

A purificação da consciência do crente, que remove dele as “obras mortas”, é efetuada pelo sangue de Cristo por meio do Espírito eterno. Aliás, tome nota: são três coisas chamadas de “eterno/a” no nono capítulo de Hebreus: redenção eterna (v. 12), Espírito eterno (v. 14) e herança eterna (v. 15).

A ênfase no eterno é para contrapor a grandiosidade do ofício sacerdotal de Cristo comparado ao sacerdócio levítico, que foi transitório e teve seu lugar findado quando Cristo bradou “Está consumado” (Jo 19.30). Com a consciência limpa pelo sangue de Cristo, agora podemos todos nós servir ao Deus vivo, ministrando como sacerdotes da nova aliança culto ao Senhor.

Não é sem razão que Paulo diz: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.1,2).

Nossa consciência foi limpa e nosso entendimento foi feito novo. Somente assim podemos adorar a Deus com todo entendimento (Mc 12.30).

Uma herança eterna (Hb 9.15)

Enquanto que a herança destinada aos judeus do antigo pacto era a terra de Canaã e a prosperidade nela (isso não implica em que os judeus fiéis herdariam apenas a terra e não o céu, mas que o que estava estabelecido no pacto era a possessão da terra), a herança que está destinada explicitamente e garantida neste novo pacto aos crentes é o céu. Não uma herança sujeita à desvalorização, ao roubo ou à corrupção, mas uma herança eterna!

A promessa de Jesus ao jovem rico foi: “…terás um tesouro no céu…” (Mt 19.21). Foi lá que ele nos mandou acumular riquezas imperecíveis (Mt 6.20). E é para esta riqueza imperecível e inexaurível que ele está a nos preparar, “para uma herança incorruptível” (1Pe 1.4).

Desse modo, não só com beleza poética, mas com correção doutrinária, escreveu Emílio Conde estes versos do hino 26 da harpa Cristã, que fala de “A Formosa Jerusalém”:

“Mesmo em dores que que levam à morte;
Sê constante, não voltes atrás,
Tua herança, tua eterna sorte,
É Jesus, o Fiel, o Veraz”

III. A singularidade do culto na Nova Aliança

Novamente, como já fizemos nas três últimas Lições, tornamos a enfatizar a tipologia encontrada no capítulo 9 de Hebreus, onde o santuário de Moisés prefigurava o santuário celeste. Creio que no estudo dominical, esta repetição será oportuna para os professores ressaltarem pontos importantes que não puderam ser apresentados ou discutidos em aulas passados, devido a exiguidade do tempo. Neste tópico quero corrigir um erro comumente encontrado na linguagem evangélica: o erro de fazermos aplicações indevidas dos elementos do culto judaico à nossa realidade cristã.

Esse estudo da carta aos Hebreus deve deixar claro para professores e alunos que o santuário da antiga aliança (o tabernáculo e depois o templo) não foi substituído na nova aliança pelo templo evangélico, mas por toda obra realizada por Cristo no calvário – de quem o santuário nos tempos antigos era uma prefiguração – e pela obra que ele ainda realiza no santuário celestial, visto que vive para interceder para sempre por nós! E ainda também por uma nova experiência de vida e adoração a Deus, mas não necessariamente na organização ou estruturação física de nossos templos/cultos modernos.

Portanto, não há equiparação entre o tabernáculo de Moisés e o templo evangélico moderno. Assim, não se pode dizer que o pátio da igreja é o átrio, que a nave da igreja é lugar Santo, nem que o púlpito é o lugar Santíssimo ou o altar. Pastores não são sumo-sacerdotes, nem o púlpito é mais santo do que o resto do templo. Músicos e cantores hoje não são levitas, pois no tabernáculo levita não foi chamado para cantar, mas para ajudar os sacerdotes (que também eram levitas) a sacrificar.

Embora muitos levitas tenham sido posteriormente encarregados da música no culto, levitas (que deviam ser obrigatoriamente descendentes de Levi!) serviam na portaria, carregando bacia de água ou sangue, segurando animais, limpando cocô de bicho no átrio ou carregando lenha pro fogo do holocausto, além de montar e desmontar o tabernáculo e carrega-lo.

E também é um grande equívoco tomar o versículo “o fogo arderá continuamente sobre o altar, não se apagará” (Lv 6.13) para falar de avivamento espiritual – como se tem feito em muitos congressos pentecostais -, pois aquele fogo do altar do holocausto não representava o derramamento do Espírito, mas o derramamento do sangue e o sacrifício de Cristo.

O único sumo sacerdote da igreja é Jesus Cristo e todos os crentes, pastores ou membros, são sacerdotes santos do Senhor que ministram culto e oferecem ofertas à ele (1Pe 2.5,9; Ap 1.6; 5.10; Hb 13.15). Nós, os salvos, somos tanto individualmente como coletivamente o verdadeiro templo do Espírito Santo, o lugar onde Deus habita (Jo 14.23; 1Co 3.16; 6.19; Ef 2.22). E a participação no culto a Deus na nova aliança não é mais privilégio de alguns, senão um bendito privilégio de todos! Como disse Paulo, “Que fareis pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação” (1Co 14.26).

Conclusão

Pode parecer preciosismo, mas o estudo da tipologia bíblica deve afinar nosso discurso e remover os vícios de linguagem e as “gírias” do nosso evangeliquês. Devemos perceber a centralidade de Cristo nas figuras do Antigo Testamento, descermos fundo no estudo dos tipos bíblicos para subirmos alto em adoração ao Senhor! O autor da Carta aos Hebreus desejava que seus leitores imediatos fossem diligentes no estudo destes assuntos para que pudessem aprender coisas ainda mais profundas da fé cristã (Hb 5.11-14).

Certamente esta é a expectativa de Deus para nós hoje: que honremos a Cristo e busquemos conhecer mais quem ele é e a singularidade da obra que ele realizou por nós! Pensar nos assuntos do alto é certamente uma das mais nobres ocupações a que somos chamados. “Nas horas que passo pensando em Jesus, as trevas desfaço, buscando a luz. Que horas de vida tão doces pra mim! Jesus me convida que eu suba pra si” (Hino 17 da Harpa Cristã).

Por último: que nossa reflexão dominical possa traduzir-se em adoração diária Àquele que é digno de receber honra, glória e louvor, o nosso Sumo Sacerdote-Rei, Jesus Cristo!

REFERÊNCIAS
(1) Orton Wiley. A excelência da nova aliança em Cristo: comentário exaustivo da Carta aos Hebreus. Central Gospel, p. 373
(2) Norman Geisler. Manual de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia, Mundo Cristão, pp. 525,6
(3) José Gonçalves. A supremacia de Cristo: fé, esperança e ânimo na carta aos Hebreus, CPAD, pp. 87,8
(4) Russel N. Champlin. Enciclopédia de Bíblia, Teologia, e Filosofia, Hagnos, vol. 6, p. 623

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