estudos bíblicos
Deus não leva em conta o tempo da ignorância?
Uma análise hermenêutica e contextual de Atos 17.30.
“No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam.” (Atos 17.30)
O que isso significa?
Que enquanto eu não sabia que aquilo o que eu estava fazendo, era pecado, eu era ignorante? Então, por conta dessa minha ignorância, Deus não levou em conta esse pecado. Será que é isso o que o texto está falando?
Vamos ao contexto!
Em Tessalônica – antes de chegar a Atenas, Paulo e Silas param em Tessalônica, onde havia uma sinagoga judaica. Lá eles pregaram sobre Cristo e a ressurreição. E como resultado houve a conversão de alguns judeus, muitos gregos e várias mulheres de alta posição, conforme a Bíblia.
Os judeus não receberam bem essa notícia e fizeram um protesto. O argumento deles era de que Paulo e Silas estavam indo contra o governo de César, tentando dizer que havia outro rei e que ele se chamava Jesus.
Com isso, os judeus estavam dizendo que o cristianismo era ilegal, já que na época, o movimento dos cristãos nem era reconhecido como uma religião. Eles estavam defendendo o governo romano. Mas não conseguiram prejudicar Paulo e Silas, que partiram para Bereia.
Em Bereia – os bereanos, por outro lado, receberam bem o Evangelho. E, novamente, houve a conversão de judeus, gregos e mulheres ricas e influentes. Quando os judeus de Tessalônica, a cidade anterior, ficaram sabendo, foram atrás deles novamente.
Há dois pontos importantes aqui
- detectamos uma perseguição aos cristãos, por parte dos judeus.
- vimos que cada cidade recebia o Evangelho de uma maneira. Alguns povos rejeitavam e outros aceitavam bem. O mais importante, porém, é que sempre havia um bom número de convertidos.
Em Atenas – quando Paulo e seus companheiros chegaram a Atenas, viram que a cidade estava cheia de ídolos. E, enquanto Paulo discutia sobre isso na sinagoga, com judeus e gregos que já eram cristãos, chegaram ali alguns filósofos epicureus e estóicos e levaram Paulo para uma reunião no Areópago.
Epicureus – eram os hedonistas daquela época. Hedonistas são as pessoas que acreditam que a felicidade está no prazer.
Estóicos – eram os panteístas. Pessoas que acreditam que Deus é a alma do mundo, uma força cósmica, e que o ser humano deve viver de acordo com a natureza, superando suas próprias emoções.
Para os estóicos o prazer era um inimigo para o homem sábio. Eles acreditavam que cada pessoa deveria viver conforme o seu destino, sem alterar nada.
Areópago – era como um tribunal de justiça que funcionava a céu aberto, num local chamado “Colina de Marte”. Lembrando que Marte era o nome grego do “deus da guerra”.
Naquele lugar, muitos filósofos defendiam as suas ideias e teses. Atenas era conhecida como “a cidade dos mil deuses” e, segundo pesquisas realizadas pelo arqueólogo Rodrigo Silva, aquela cidade chegou a ter mais de 30 mil estátuas públicas de deuses, sem contar as estátuas particulares.
Discurso de Paulo
Quando Paulo começou a falar sobre Jesus Cristo, os filósofos o chamaram de tagarela (At 17.18) e disseram que ele estava anunciando sobre deuses estrangeiros. Já no areópago, eles o questionaram:
“Podemos saber que novo ensino é esse que você está anunciando? Você está nos apresentando algumas ideias estranhas, e queremos saber o que elas significam.” (Atos 17.19-20)
Pelo que lemos, parece que o povo de Atenas vivia aglomerado nesse areópago. Veja o que a Bíblia diz:
“Todos os atenienses e estrangeiros que ali viviam não cuidavam de outra coisa senão falar ou ouvir as últimas novidades.” (Atos 17.21)
Paulo aproveitou a ocasião, falou sobre a situação espiritual deles e pregou o Evangelho naquele lugar, estrategicamente. Veja:
“Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio.” (Atos 17.22-23)
E então anunciou o Deus bíblico:
“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas.” (Atos 17.24-25)
“Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como disseram alguns dos poetas de vocês.” (Atos 17.28)
Paulo conhecia a história de Atenas
Um dos poetas gregos a que Paulo se referiu foi Epímenedes. E existe uma história por trás desse nome, que despertou a memória dos atenienses. No passado de Atenas, houve uma praga terrível que estava matando muitas pessoas. E para tentar resolver aquele problema, eles ofereceram sacrifício para cada um dos deuses ali representados, mas nenhum deles fez cessar aquela praga.
Foi então que mandaram chamar o profeta Epímenedes. E ele foi reconhecido e citado na Bíblia, no livro de Tito 1.12-13 por ter dado “um testemunho verdadeiro”. Historicamente, por volta de 500 a.C., Epímenedes colocou várias ovelhas no areópago e disse que elas indicariam o local onde o Deus verdadeiro deveria ser adorado. Mas as ovelhas não pararam diante de nenhuma estátua, ao contrário, elas pararam num local vazio.
E o filósofo indicou então que, ali, deveria ser construído um altar ao “Deus desconhecido” e nenhuma estátua foi colocada em cima dele. Aquelas ovelhas foram ali mesmo sacrificadas e a praga cessou. (Os detalhes sobre esse ocorrido estão no livro “O Fator Melquisedeque”).
Paulo conhecia aquela história e, quando apontou para aquele altar, certamente mexeu profundamente na memória daquele povo. Havia 5 séculos que um milagre havia sido atribuído ao “Deus desconhecido” e Paulo estava ali para anunciá-lo novamente.
E foi quando ele disse:
“Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem. No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam.” (Atos 17.29-30)
Deus não levou em conta essa ignorância
A palavra “ignorância” quer dizer: não ter conhecimento da existência de algo. O povo de Atenas não tinha conhecimento da existência do Deus bíblico, e por isso praticava a idolatria. Paulo estava ali dizendo que Deus não levava em conta o passado, mas no presente, naquele exato momento, as boas novas estavam diante deles. Veja o que Paulo disse:
“Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos.” (Atos 17.31)
Paulo estava anunciando a salvação por meio de Jesus Cristo, por isso ele disse: “No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam”.
Ou seja, não importa o que vocês viveram até aqui, o que importa é que agora ouviram falar de Jesus, então se arrependam dessa idolatria e abandonem essa ignorância. Ali foi anunciado um novo tempo.
Conclusão
Então qual é a ignorância que Deus não leva em conta? O desconhecimento a respeito da existência Dele, do Criador. A partir do momento que reconhecemos que Deus existe, não há mais desculpas para não segui-lo ou não obedecê-lo.
“Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram.” (Romanos 1.20-21)
No nosso caso, em nosso país e dentro do nosso contexto, é impossível dizer que “somos ignorantes” a respeito da existência de Deus e de Jesus Cristo, com exceção de algumas tribos indígenas. Temos a Bíblia à nossa disposição, liberdade de religião, de expressão e de pensamento. O Brasil é considerado a segunda maior nação cristã do mundo.
O Evangelho é pregado aqui em todo o tempo e o nosso país, desde 1980, é conhecido como “celeiro de missões”, ou seja, tem potência até para enviar missionários para o mundo.
Sendo assim, quando falharmos com Deus, não devemos usar esse texto como pretexto, achando que vivíamos na ignorância ao cometer pecados, e que Deus não levou isso em conta. Mas devemos sim, nos arrepender desses pecados e pedir perdão ao Criador, buscando uma vida mais justa, mais santificada e mais ajustada aos padrões de Deus e não aos padrões deste mundo.
Reforçando: nós não somos ignorantes, muito pelo contrário, temos acesso total à Palavra de Deus, mas o profundo conhecimento das Escrituras depende do nosso esforço e dedicação.
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