estudos bíblicos
(In)gratidão
Deus não cessou nenhum de seus milagres. O que tem cessado de modo alarmante é a nossa capacidade de percebê-los, compreendê-los e, por eles, darmos glória a Deus.
A ingratidão sempre foi uma marca do “povo de Deus”; primeiramente, os judeus. Mas os cristãos, groso modo, não ficam muito atrás. Por toda a história vétero-testamentária, os judeus sobressaiam-se na ingratidão. Incrivelmente, desde os primórdios, Deus lhes passou em rosto a ingratidão.
Isso mesmo: o povo de Deus! Da saída do Egito às portas do chamado “Período Interbíblico” (c. de 400 a 0 a.C), ou seja, aproximadamente mil anos de história, o povo israelita mostrou-se absurdamente ingrato a tudo quanto Deus lhe fizera, indo a um espectro adiante, ou seja, não só sendo ingrato, como fazendo questão de mostrar toda a ingratidão que tinha, fruto da miséria de almas extremamente egocêntricas. Não é à toa o “grito” de Deus, chamando o povo à razão, em passagens como: Os. 11:1-3; Nm. 11:-4-6; Sl. 78:11; 95:10 e uma miríade mais de versículos.
É realmente algo paradoxal. Como o povo que mais experimentou das bênçãos visíveis e invisíveis de Deus, toda a sua bondade, expressa inclusive por milagres, cuidado, bênçãos sem fim, pôde ser tão insensível em seu coração a tudo aquilo, preferindo muitas vezes adorar ídolos mudos, embrenhar-se em cultos estranhos, alguns terríveis, como a Moloque e a Quemos, divindades dos cananeus e dos sidônios, a quem os israelitas faziam até sacrifícios humanos, conforme os costumes daqueles povos pagãos?
É inacreditável quando lemos com um pouco de calma, as constantes exclamações dos profetas que tiveram de enfrentar a dureza do povo no ápice de sua apostasia, como no período de reis maus, tais quais Jeroboão, Acabe, Onri, Jeorão, Zedequias etc.
Incrivelmente, o “povo de Deus”, o “Israel de Deus”, conforme o ap. Paulo chama a Igreja no NT (Gl. 6:16), de um modo geral segue pisadas semelhantes. Sei que corro o risco de parecer generalista aqui, mas corro o risco consciente. A Igreja já tem sido ingrata, segundo a Bíblia, com o seu próprio fundador, Jesus. Arregimentada e chamada à atenção pelo Espírito Santo, é lembrada nas páginas da Bíblia a ser agradecida, sendo levada por Deus a compreender que a ingratidão é uma das maiores manchas causadas pelo pecado.
Já no ministério de Cristo, Jesus lida com um caso de ingratidão surpreendente: 10 leprosos são curados – apenas UM se lembra de agradecer a Deus e ao homem por quem o milagre foi realizado (Lc. 17:17). Não é à toa que a Bíblia nos chama, a todos, a sermos gratos, a lembrarmos das muitas benécies que nos foram dadas pelo Criador (Cl. 3:15).
Atualmente, é inegável que estamos vivendo o ápice do individualismo, que é um nome moderno para uma era de egocentrismo exacerbado Cada indivíduo se vê, como parece, tal qual um astro, ao redor do qual o mundo inteiro tem de girar. Essa pandemia de frustrações que se aglomera nos consultórios de psiquiatras e psicanalistas, mundo afora, também parece indicar que o indivíduo na atualidade não sabe mais lidar com críticas, quaisquer tipos de pressão, exigências, enfim, o que torna um ser humano maduro, maduro.
É claro que não me refiro a todas as neuroses e traumas que são casos genuínos e suficientes para se buscar ajuda profissional, mas ao narcisismo que vem sendo fomentado em todos os lugares, da mídia à educação, e que tem dado ferramentas para uma geração de pessoas que acham que, quando ajudadas, inclusive por Deus, este não tem mais do que a obrigação de fazê-lo!
No meio evangelical, tínhamos aqueles tipos transloucados que ensinavam a “por Deus contra a parede” para que Ele pudesse abençoar o indivíduo. Esta demência não é fé, de qualquer tipo, senão uma neurose narcisista, que inverte miseravelmente os papeis de servo-Senhor que temos entre nós e Deus. Não é à toa que uma das características mais marcantes dos últimos tempos, segundo o Ap. Paulo, é que os homens seriam “amantes de si mesmo” (2 Tm. 3:1, no grego é filautos).
É esta característica, o egoísmo, que melhor explica a ausência de corações gratos em nosso meio; mas em cujo seio sobram pedintes, ávidos em ter, em receber, doídos com o mundo que não lhes dá de bandeja – posto que o mundo nunca deu nada a ninguém de bandeja -, e cheios de remorso com Deus, pois em suas mentes, é a obrigação de Deus de prover-lhes, não o que precisam, mas o que querem!!
Agindo assim, não vemos e jamais veremos as bênçãos de Deus. Não que tenham cessado, pois não cessaram. Não cessaram os milagres divinos, o cuidado, os dons, as maravilhas, os livramentos; não cessaram o bom conselho, a proteção, o pastoreio divino, o fruto do Espírito, as promessas, a bênção ou a vida de Deus em nós! Nada disso cessou.
O que tem sido cada vez mais escasso é o coração humilde e contrito, não egoísta, consciente, vivo, agradecido. Creio que esta questão passa, necessariamente, pela sabedoria. O sábio, o que realmente investiga, não louva outra coisa além do Criador (Sl. 10, 103:1-3), e como vivemos em uma era de escassez total de corações sábios, não é de admirar que vejamos cada vez menos corações gratos.
Repito: Deus não cessou nenhum de seus milagres. O que tem cessado de modo alarmante é a nossa capacidade de percebê-los, compreendê-los e, por eles, darmos glória a Deus. De coração.