opinião
Irmãos gêmeos: como o antipentecostalismo e o anticalvinismo se retroalimentam
Um cristão calvinista não precisa ser antipentecostal, e um cristão pentecostal não precisa ser anticalvinista.
Em 18 de junho de 2020, dia em que as Assembleias de Deus comemoraram 109 anos de sua fundação no Brasil, deparei, nas redes sociais, com uma das críticas mais abjetas, indignas e reprováveis que li, em toda a minha vida, sobre a igreja em que fui criado, na qual desci às águas batismais no dia 12 de abril de 1992, e que tenho a honra de servir como pastor.
Não serei injusto se considerar que essa foi, de fato, a crítica mais rasteira e desnecessária que tive a oportunidade de colher da lavra de um antipentecostal.
Por apreço ao esclarecimento do objeto de nossa (des)consideração, faço questão de transcrever abaixo as linhas redigidas no Facebook pelo Sr. Marcos Granconato:
“109 ANOS!
Fraudes, heresias, desvios, escândalos, regrinhas tolas, ignorância doutrinária, sermões vazios, brigas políticas, perseguição aos crentes sérios, divisões, cultos baderneiros, línguas falsas, profecias inventadas, curas mentirosas, ataques à ortodoxia, infiltração desonesta em igrejas sérias, pastores despreparados, superstições… Não há muito que comemorar!”
Até o momento em que escrevo este artigo, o post conta com 1500 comentários e 202 compartilhamentos, o que comprova o amplo alcance das palavras do Sr. Granconato, que se tornou conhecido nas redes sociais justamente por seus ataques ao pentecostalismo – não simplesmente àqueles erros doutrinários e práticos que os pentecostais clássicos também criticam entre os “neopentecostais”, como teologia da prosperidade, misticismo, meninice ou fogo estranho, fetichismo, legalismo judaizante, personalismo, marketing religioso, quebra de maldições, movimento G12, hipervalorização da ação demoníaca, adoração extravagante…
O que o Sr. Granconato repele é a própria manifestação dos dons espirituais, que – está provado – não tem condições pessoais de discernir em relação às manifestações carnais ou diabólicas.
Além disso, o indigitado antipentecostal despreza o exercício apologético assembleiano, bem como a literatura de nossa editora oficial, nossas tradicionais revistas de escola bíblica, o Mensageiro da Paz (órgão oficial da denominação), os teólogos assembleianos de relevo, os frutos missionários, e, enfim, o próprio fato de que, se hoje existe um grande contingente de evangélicos no Brasil, isto se deve a uma configuração histórica na qual o Espírito Santo impulsionou homens e mulheres simples a pregarem o Evangelho, dizendo, muitas vezes com dificuldade de expressão, que “Jesus Cristo salva, cura, batiza com o Espírito Santo e em breve voltará”.
A ocasião escolhida para tamanha diatribe não poderia ter sido pior: justamente quando milhões e milhões de assembleianos brasileiros comemoram mais de um século de uma igreja grande, espalhada em todo o território nacional, presente nas periferias, fruto de um ingente esforço missionário, militante, evangelizadora, promotora do trabalho leigo, digo, justamente nesse momento especial um conhecido antipentecostal se levanta para escrever um ataque gratuito, descompromissado com a comunhão no reino de Deus, reducionista e historicamente manco.
O mais grave é que se trata de uma pessoa que aparentemente tem conhecimento da história da Igreja, o que lhe retira a possibilidade de se ocultar por trás da ignorância. Será tragicamente curioso encontrar, nas páginas da história cristã, um amplo repertório de “fraudes, heresias, desvios, escândalos, regrinhas tolas, ignorância doutrinária, sermões vazios, brigas políticas, perseguição aos crentes sérios, divisões, cultos baderneiros, línguas falsas, profecias inventadas, curas mentirosas, ataques à ortodoxia, infiltração desonesta em igrejas sérias, pastores despreparados, superstições…”
Com efeito, um exame histórico orientado pela atenção aos fatos demonstrará, em última análise, que o referido antipentecostal descreveu, não as características específicas da igreja que pretende vilipendiar, mas, sim, traços que infelizmente se consignam em dois mil anos de história da Igreja, sem, contudo, manchar o Nome de Cristo, pois “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (cf. Mt 16.18), e sem fazer frente às virtudes espirituais que, pela graça, mediante a fé (cf. Ef 2.5,8), foram conferidas à Noiva do Cordeiro, e que consistem em “todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (cf. Ef 1.3).
Não estou, com isso, identificando ou confundindo uma denominação com a Igreja do Senhor, mas, sim, apontando a contradição de quem, pretendendo defenestrar do Cristianismo Histórico uma igreja séria, acaba sendo traído pela dura realidade de que “temos esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência desse poder seja de Deus e não de nós” (cf. II Co 4.7), algo que também se expressa pelo “mistério que esteve oculto desde todos os séculos” (cf. Cl 1.26).
Dispensando-me de citar inúmeras referências bíblicas que, em metáforas, proposições e narrativas, demonstram o elevado paradoxo de uma obra divina feita por meio de homens, quero destacar o elemento das “regrinhas tolas”, para recordar que, sendo um movimento de pouco mais de um século, é natural que o pentecostalismo brasileiro tenha enfrentado, em suas origens nada remotas, aquele fenômeno não inédito (e, na verdade, muito frequente) que caracteriza a fase do entusiasmo, e que consiste em pendores restauracionistas e maior rigidez comportamental, muitas vezes importando para a ética do grupo o que se pode classificar como componentes da moral social. Tenho certeza de que o Sr. Granconato tem sobejos recursos intelectuais para compreender isto, e não o digo com ironia.
Confesso que não acompanho o Sr. Granconato, e que seu nome e algumas de suas provocações me vieram ao conhecimento em razão do ambiente intoxicado que é a disputa inglória entre antipentecostais e anticalvinistas. Sim, é disso que se cuida. Os maiores propagandistas do antipentecostalismo do Sr. Granconato – e dos que pensam como ele – são os anticalvinistas (dentre os próprios pentecostais-carismáticos), pois estes precisam de um espantalho, de um fantasma, de um monstro, de um antipentecostal sarcástico e “corajoso” o bastante para dizer o que eles querem ouvir… E o que eles querem ouvir é que pentecostais e calvinistas não podem se chamar de “irmãos”, e que todo calvinista enxerga o pentecostal como um herege, obtuso ou abestalhado.
Ao tomar ciência das declarações acerbas do indigitado antipentecostal, eu lamentei, fiquei chateado, mas sei que os anticalvinistas comemoraram, porque lhes serve como um tipo de “Como queria demonstrar”. E eu não lamentei tais declarações por ter pelo seu emissor qualquer admiração, o que distingue meu lamento da decepção; eu lamentei porque não gostaria jamais que um pastor com tanta influência nas redes sociais, e que alcançou um raio considerável de admiradores, tivesse uma visão tão míope do Movimento Pentecostal e da Assembleia de Deus, a maior igreja evangélica do Brasil e maior igreja pentecostal do mundo.
Um cristão calvinista não precisa ser antipentecostal, e um cristão pentecostal não precisa ser anticalvinista. O antipentecostalismo e o anticalvinismo, no entanto, precisam dessa contenda, porque é disso que eles se alimentam. É assim que esses dois movimentos ridículos, infundados e tolos venderão livros, constituirão províncias do pensamento e fixarão bem longe as estacas de sua acanhada e medíocre visão de reino.
É claro que há elementos doutrinários e teológicos que distinguem pentecostais e calvinistas (se não houvesse, não pertenceriam a grupos distintos, ora…). O ponto a se considerar é qual a essência do Cristianismo Histórico e Ortodoxo, o que torna uma pessoa crente em Jesus ou descrente, o que separa o conservador do herege. Elementos secundários de doutrina, por mais importantes que sejam, não podem ser alçados à estatura de fundamento da Fé Cristã – enquanto isso, alguns anticalvinistas alimentam gostosamente seus cãezinhos heréticos com a ração da sabujice, pensando prestar, com isso, maravilhoso serviço a Deus.
Por fim, alguns me dizem que calvinistas “se acham os tais”, se consideram os melhores teólogos, não se misturam com pentecostais etc. (isso é dito quanto aos reformados cessacionistas, preferencialmente). Aqui eu observo o seguinte: e nós, pentecostais, também não nutrimos a ideia de que as igrejas históricas são “tradicionais”?
Não nos alegramos com o fato (verdadeiro) de que nossas igrejas crescem mais? Não nos alegramos com o fato (verdadeiro) de que adentramos a lugares em que nenhuma igreja histórica se faz presente? Não nos alegramos com o fato (verdadeiro) de que o amplo segmento evangélico brasileiro chegou a quantidades acentuadas depois que a Fé Pentecostal chegou ao Brasil?
Enfim, não entendemos que o revestimento de poder se evidencia necessariamente com o falar em línguas, algo não incentivado entre os cristãos históricos? Do que reclamamos, pois? Deixemos os calvinistas com seus motivos de “orgulho santo”, e cuidemos de não perder o que nos foi dado.