estudos bíblicos

A superioridade de Jesus em relação a Moisés

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 3 do trimestre sobre “A supremacia de Cristo”

em

Moisés e as tábuas da Lei. (Foto: falco por Pixabay)

O leitor atento certamente já percebeu o objetivo geral da carta aos Hebreus: exortar os cristãos judeus do primeiro século à perseverança na fé em Cristo e ao mesmo tempo adverti-los do grave erro de desviar-se desta fé. O pano de fundo eram as grandes perseguições mobilizadas pelos judeus não-convertidos, que buscavam desestimular os cristãos e arrastá-los de volta à religião judaica, fazendo-os negar a divindade, o senhorio e a messianidade de Jesus Cristo.

Em razão deste contexto religioso de constante tensão e hostilidade à fé cristã, exaltar a Cristo, demonstrando a superioridade dele e da nova aliança que ele estabeleceu com seu sangue e ainda a grandeza dos benefícios que provém da perseverança na fé foi o modo como o autor construiu os seus argumentos, ora exortando, ora repreendendo seus irmãos judeus.

O leitor da Bíblia também deve perceber o recurso frequentemente usado pelo autor da carta aos Hebreus (e que era um recurso comum na arte da argumentação antiga): o uso de comparações. Já que a tentação era de voltar à Lei de Moisés, ao culto judaico e às velhas tradições já caducadas na cruz de Cristo, o autor com muita sabedoria advinda de Deus estabelece comparações pertinentes e didáticas para apresentar aos cristãos judeus a superioridade de Cristo em relação à Moisés e de todos os elementos a ambos conectados.

Como bem ressalta o Dr. Craig Keener, teólogo pentecostal e um dos maiores especialistas em Novo Testamento do nosso tempo, “Comparar alguém de modo favorável em relação a outra pessoa que já era honrada aumentava ainda mais a honra da primeira pessoa” (1). Assim, de antemão duas coisas devem ser notadas aqui: visto que Moisés era muito honrado pelos judeus (considerado por muitos como a segunda pessoa mais importante da história, depois de Abraão), comparar Jesus a Moisés ressalta a honra de Cristo; mas também o efeito inverso: Moisés comparado a Cristo tem sua honra avultada e não aviltada.

Ou seja, como bem pontua José Gonçalves, comentarista da Lição, “Em nenhum momento desse contraste o autor deprecia a pessoa de Moisés, mas sempre o coloca como um homem fiel a Deus na execução de sua obra”. Isto é importante notar, para que o leitor moderno não pense que Hebreus desprestigia Moisés, ou que o Cristianismo menospreza os ícones da fé judaica no Antigo Testamento. Não há menosprezo, há comparação honrosa com Cristo, de tal modo que se pode dizer que Moisés, libertador dos hebreus, foi um tipo de Cristo (assim como José, Josué, Davi, Jonas e outros também foram). A honra de Moisés é mantida, mas a honra superior de Cristo é ressaltada!

Ademais, não nos esqueçamos que muito antes mesmo do autor da Carta aos Hebreus, foi o próprio Moisés quem estabeleceu a primeira comparação entre ele e Cristo, quando ele profetizou dizendo: “O Senhor teu Deus te levantará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis” (Dt 18.15). Os crentes do Novo Testamento compreenderam que era de Jesus, “o Profeta” que havia de vir, a quem Moisés estava fazendo referência (conf. Jo 4.19, 6.14; At 3.22; 7.37).

De fato, há muitas semelhanças entre Moisés e Cristo, todavia, sobre Cristo, nosso Senhor, está dito: “ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés” (Hb 2.3). Até porque Ele é o Emanuel, Deus conosco! (Mt 1.23).

I. UMA TAREFA SUPERIOR

No monte Horebe, aos 80 anos de idade, o velho Moisés foi vocacionado por Deus para uma nobre missão: “Vem agora, pois, e eu te enviarei a Faraó para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito” (Ex 3.10). Aí temos o registro da vocação de Moisés, a vocação para libertação física, política e territorial do povo judeu, com vistas a leva-lo a terra de Canaã, conforme promessa feita muitos anos antes à Abraão (Gn 13.15).

Entretanto, a despeito da paciência de Moisés (Nm 12.3), e de sua estreita comunhão com o Senhor (Ex 33.11; Nm 12.8), bem como de seu grande amor pelo seu povo (Ex 2.11; Hb 11.24,25), Moisés falhou nalgumas vezes no percurso rumo à terra prometida, de tal modo que ele mesmo foi privado de entrar na terra, apenas avistando-a de longe (Nm 20.10-12; Dt 1.37; 32.48-52). Não nos resta dúvida de que Moisés receberá uma maior herança que um pedaço de terra em Canaã (Hb 11.24-26), todavia, como ele muita desejava, entrar em Canaã era a grande promessa de Deus para seus fiéis naquela ocasião.

Agora, embora Moisés tenha pecado contra Deus, é preciso dizer que na missão que lhe foi outorgada sobre a congregação de Israel, ele a cumpriu cabalmente, ainda que devendo ordenar um sucessor para introduzir o povo em Canaã, o seu amigo Josué. De tal modo Moisés estava interessado em cumprir o propósito de sua vocação que ele chega a colocar sua vida nas mãos de Deus, pedindo-lhe que riscasse seu nome do livro da vida, se Deus não perdoasse o povo que havia pecado no fatídico caso do bezerro de ouro (Ex 32.32). Tal atitude de Moisés lembra-nos a de Paulo, que aceitaria ser amaldiçoado e separado de Cristo se com isso pudesse certificar-se da salvação de seu povo (Rm 9.3). Como bem pontua o autor da carta aos hebreus, “Moisés foi fiel em toda a sua casa, como servo” (Hb 3.5). Aliás, esta é apenas uma repetição do texto de Números 12.7, onde o próprio Deus dá testemunho de seu servo Moisés diante de Arão e Miriã.

Feitas essas considerações, vejamos como o autor da carta aos Hebreus trata a Jesus: “…Jesus Cristo, apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão, sendo fiel ao que o constituiu… ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés”. Por que Cristo é superior e por que é um erro afastar-se dele para se voltar à Moisés, à Lei, ao culto judaico e às tradições antigas, perpetuando-as como meio de justificação diante de Deus, em detrimento do sangue de Cristo e da nova aliança que ele veio estabelecer? O quadro comparativo abaixo ilustrará o porquê:

Enquanto Moisés foi vocacionado como servo sobre a congregação de Israel, para conduzir o povo da escravidão no Egito ao descanso na terra prometida, Jesus foi vocacionado como Filho de Deus sobre a congregação de Israel (Jo 1.11; Mt 15.24) e sobre as ovelhas “que não são deste aprisco” (Jo 10.16), ou seja, gentios em todo mundo, para conduzi-los do reino das trevas ao reino da luz e do amor, congregando todos num único rebanho. Na casa de Zaquel, Jesus definiu em poucas palavras a finalidade e nobreza de sua missão: “o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (Lc 19.10). A missão de Jesus é não só de maior abrangência, como de uma natureza mais elevada que a de Moisés. O próprio Jesus, sendo Deus e homem perfeito (ao contrário de Moisés, em Cristo não se achou pecado algum – 1Pe 2.22) é superior ao grande líder hebreu. Moisés foi imperfeito em sua vida e em sua missão, mas Jesus foi irretocavelmente perfeito!

Eis aí a razão porque os leitores da carta aos Hebreus são chamados a fixarem “os seus pensamentos em Jesus” (3.1), “tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé” (Hb 12.2).

II. UMA AUTORIDADE SUPERIOR

No monte Sinai, ao oferecer o sacrifício que instituiu a antiga aliança, Moisés exclamou: “Este é o sangue da aliança que o Senhor fez com vocês de acordo com todas essas palavras” (Ex 24.8). Na Ceia, após a refeição pascoal, Jesus repartiu o pão e o vinho com seus discípulos e lhes disse assim: “Isto é o meu corpo dado em favor de vocês… Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês” (Lc 22.19,20). Agora observe:

  1. Ambas as alianças foram seladas mediante o derramamento de sangue (Hb 9.18,22)
  2. Moisés ofereceu sangue animal; Jesus ofereceu sangue humano
  3. Moisés apontou para um sangue alheio; Jesus apontou para o seu próprio sangue
  4. Moisés falou de uma “aliança”; Jesus falou de uma “nova aliança”

O menor diz: “este é o sangue” (e é o que fazemos todos os meses quando erguemos o cálice da Ceia em oração); o que é maior diz: “este é o meu sangue”! Com o sangue de animais derramado no Sinai, Moisés consagrava para Deus o povo hebreu. Entretanto, com seu sangue derramado na cruz do Calvário, Jesus “se entregou por nós a fim de nos remir de toda a maldade e purificar para si mesmo um povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras” (Tt 2.14).

Moisés foi um membro da casa edificada no Antigo Testamento e mordomo em favor dela; Cristo é cabeça da casa edificada no Novo Testamento e Senhor sobre ela! Aliás, foi ele mesmo quem disse: “edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). Moisés recebeu um nome elevado entre os judeus, tanto que não raro por um recurso de metonímia (4), seu nome é citado em substituição à Torá (Conf. Lc 16.29; 24.27). Todavia, pelo sacrifício que ofereceu, Cristo se tornou o “autor da nossa salvação” (Hb 5.9), o “autor e consumador da nossa fé” (Hb 12.2), e herdou “um nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9). Ele é o apóstolo e sumo sacerdote da nossa confissão! Negá-lo é privar-se da vida eterna (Mt 10.33).

Enquanto que Moisés erigiu um tabernáculo provisório no deserto, Jesus estabelece uma igreja viva dentre todos os povos, raças, tribos, línguas e nações! (Ap 5.9). Enquanto Moisés fazia mediação pelo povo no tabernáculo, Jesus “entrou no próprio céu, para agora se apresentar diante de Deus em nosso favor” (Hb 9.24, NVI). Enquanto Moisés foi o grande legislador do povo hebreu, por meio do qual a lei não só foi aplicada mas, antes, foi dada, Jesus é o grande Juiz, que “está as portas” (Tg 5.9), e que breve virá para julgar os vivos e os mortos em toda terra (Jo 5.22; 2Tm 4.1; 1Pe 4.5).

O versículo 5 diz que “Moisés foi…”, mas o versículo 3 diz que “Jesus é…”. O primeiro passou, o segundo permanece para sempre! Novamente merece destaque: Moisés não atravessou as fronteiras de Canaã com o povo sob o qual liderava; Jesus sim atravessará conosco as fronteiras da glória eterna! Ele mesmo prometeu: “virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo” (Jo 14.3). Nas palavras de Orton Wiley:

“Como Moisés tirou Israel do Egito e conduziu-o pelo deserto às fronteiras de seu alvo material, o descanso em Canaã, assim Cristo, como nosso Apóstolo, não apenas nos traz até as fronteiras do descanso em Deus, mas, como Josué, nosso grande Salvador realmente nos introduz naquele descanso que aguarda o povo de Deus” (5).

Percebe-se, portanto, que não faz o menor sentido abandonar a fé cristã para retroceder ao judaísmo, regredindo da nova para a velha aliança, do sangue da salvação eterna para o sangue da expiação provisória! É necessário “conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim” (Hb 3.6).

III. UM DISCURSO SUPERIOR

O desfecho do capítulo 3 objetiva levar o leitor a refletir sobre o peso da mensagem que é anunciada por Cristo em comparação à mensagem pregada por Moisés. Pois, se naqueles tempos antigos Deus, por seu Espírito, jurou que os desobedientes e incrédulos nunca entrariam no seu descanso (Hb 3.16-19), o que deverá acontecer àqueles que ignorarem a mensagem de Jesus, também ratificada pelo seu Espírito? Se a palavra proferida por meio daquele que é da terra foi carregada de duras ameaças aos desobedientes, quão maior perigo não correm aqueles que desobedecem a palavra proferida por aquele que é do céu?

– Desobediência e incredulidade: perigos reais

Lendo atentamente o livro de Hebreus percebemos o quanto o autor exorta-nos contra a desobediência e a incredulidade. São palavras-chaves nesta carta. E não é uma exortação humana, mas que advém do Espírito Santo: “Assim, como diz o Espírito Santo: ‘Hoje, se vocês ouvirem a sua voz, não endureçam o coração’” (3.7). Contra o crente desobediente, que negligencia a fé e cai em incredulidade, há o testemunho de Cristo que falou e do Espírito Santo que confirmou a mensagem! Como nas cartas do Apocalipse, dirigidas as igrejas da Ásia, onde Cristo manda uma mensagem para cada igreja, mas ao final há a confirmação do Espírito em cada uma delas: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas…”. Com isso o autor da carta aos Hebreus quer dizer: “o mesmo Espírito que falou aos judeus no deserto, fala-nos hoje, desobedecê-lo hoje acarretará a mesma sentença que foi dada lá atrás”.

Na verdade, os judeus que quisessem honrar Moisés como um genuíno profeta de Deus, deveriam então obedecer ao que ele disse sobre o outro profeta semelhante a ele que Deus levantaria: “…a ele ouvireis” (Dt 18.15). Como disse Hebreus 1.1, Deus falou no passado pelos profetas (inclusive Moisés), mas agora, nos últimos dias, fala pelo Filho. Infelizmente, muitos crentes judeus não estavam mais ouvindo este profeta semelhante a Moisés, ou estavam ouvindo, mas não estavam atendendo, e assim corriam o sério risco de se tornarem perversos e incrédulos, e se apartarem do Deus vivo (Hb 3.12). Aliás, reflitamos: será que eram apenas os crentes judeus do primeiro século que estavam ouvindo, mas não estavam obedecendo a Cristo? Não teríamos nós hoje crentes vivendo em semelhante situação de letargia e mornidão espiritual? Deus tenha misericórdia de nós e nos retire da sonolência espiritual! Aviva a tua obra, Senhor”

Como dito na Lição passada, a mensagem de Cristo foi proclamada aos judeus mediante o testemunho dos apóstolos e o poder do Espírito Santo, em sinais, prodígios e maravilhas. Aqueles judeus de uma possível segunda geração de crentes haviam experimentado a bondade da palavra de Deus, tinham se tornado participantes do Espírito Santo, e haviam experimentado os poderes da era vindoura (os dons espirituais), conforme Hebreus 6.4-6. A mensagem foi proclamada a eles não em sabedoria humana, “mas em demonstração de Espírito e de poder” (1Co 2.4). Isto agravava ainda mais a negligência e a incredulidade deles, se viessem a ceder às pressões dos judeus não-convertidos para apostatarem de Cristo. “A quem muito é dado, muito será cobrado”, disse Jesus (Lc 12.48). Aliás, como pontua o comentarista da Lição, “Erra quem pensa que só acredita quem vê. Parece que quem muito vê, menos acredita”. De fato, tanto os judeus nos dias de Moisés, quanto – ainda mais! – os judeus no primeiro século, haviam contemplado milagres em abundância. Mas nem isso impediu que eles dessem lugar à incredulidade.

– Uma vez salvo, salvo para sempre?

Contra aqueles que dizem que é impossível a um crente que teve uma fé verdadeira lá atrás vir a apartar-se finalmente de Cristo e perder a sua salvação, o autor da Carta aos Hebreus é claro como a luz do sol ao meio dia num céu sem nuvens:

“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo. Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado; Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim” (3.12-14)

Percebamos se este texto não fala da possibilidade real de um convertido vir a desviar-se finalmente:

1°. O texto deixa claro que não é a ímpios que o autor está se dirigindo, mas aos “irmãos santos” (v. 1), que tiveram “o princípio da nossa confiança” (v. 14), ou como traduz a versão NVI, a “confiança que tivemos no princípio”. Portanto, ele não trabalha com a tese usada por calvinistas ou arminianos de quatro pontos (6), que negam que aquele que se desviou finalmente de Cristo teve outrora uma fé genuína. Sim, tiveram! É o que o autor de Hebreus diz: “confiança que tivemos no princípio”!

2°. É a estes santos irmãos que o autor adverte para que eles não deem lugar à negligência e a incredulidade, para que não venham ter “um coração mau e perverso” e pior: “para se apartar do Deus vivo”. É ainda a estes santos irmãos que ele exorta contra o endurecimento que o engano do pecado pode causar. Pecado este “que tão de perto nos rodeia” (12.1)

3°. O autor deixa claro que a participação plena e final em Cristo só é garantida àqueles que atenderem à seguinte condição: “se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim”. E antes que alguém diga que esta é apenas uma hipótese, e que mesmo em face de tal ameaça, é impossível que o convertido venha a declinar da fé, deve-se atentar firmemente para os exemplos dados pelo autor: “havendo-a alguns ouvido [a voz de Deus], o provocaram” (v. 16), e justamente esses que provocaram a Deus, pecando contra ele, “caíram no deserto” (v. 17), e “não entrariam no repouso” (v. 18). O último versículo do capítulo 3 é retumbante: “E vemos que não puderam entrar por causa da sua incredulidade”!

Ora, se o autor de Hebreus estivesse querendo dirigir uma palavra de exortação aos não-convertidos para que eles não permanecessem na incredulidade, por que os chamaria de “irmãos santos, participantes da vocação celestial” (v.1)? Mas se era de fato aos convertidos que ele estava se dirigindo (aos que fizeram a confissão por Cristo, conf. v. 1), como estas advertências acima não devem ser encaradas com seriedade sobre o risco real que eles tinham, a exemplo dos judeus nos dias de Moisés, de abrigarem perversidade, incredulidade e rebeldia nos corações, para finalmente serem privados de entrar no descanso eterno? Definitivamente, não dá para levar a sério as ameaças e os exemplos usados no livro de Hebreus e ainda admitir que um verdadeiro convertido não pode vir a declinar da fé e apartar-se de Cristo. Pois se assim fosse, então todas as palavras de advertência nesta carta estariam esvaziadas de sentido e propósito. Não passariam de mero adorno, enfeites. Mais que isso: seria um deboche à inteligência do leitor!

Como está anotado em nota de rodapé na Bíblia de Estudo Pentecostal (7), “O Espírito Santo nos adverte que Deus não continuará a insistir conosco indefinidamente se endurecermos os nossos corações por rebeldia (vv. 7-11; Gn 6.3). Existe um ponto do qual não há retorno”. Ninguém brinque, pois esta advertência dirigida aos “irmãos santos” é muito séria, como tudo o que há na Palavra de Deus!

CONCLUSÃO

A participação inicial na vocação celestial não implica necessariamente na participação final na salvação! A entrada no descanso eterno, na “Casa do Pai” (Jo 14.2), só é garantida aos que conservarem “firme a confiança e a glória da esperança até ao fim” (v. 6) e que não endurecerem seus corações para as palavras de Cristo, proferidas mediante o poder do Espírito de Deus (v. 15), e que retiverem “firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim” (v. 14). Os que quiserem insistir na tese do “uma vez salvo, salvo para sempre” que façam o favor de descartarem o uso da carta aos Hebreus, pois doutro modo estarão a cometer injúria contra este santo livro! O que devemos fazer, conforme admoestação bíblica, é “encorajarem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama ‘hoje’, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado” (v. 13).

Prossigamos na fé! Se estamos sendo tentados de diversas formas, então clamemos pelo socorro de Jesus Cristo, pois somente nele encontraremos “graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4.16). Como cantamos na segunda estrofe do hino 33 da Harpa Cristã, hinário oficial de muitas igrejas pentecostais no Brasil, assim oremos todos os dias:

“Com Tua mão, segura bem a minha,

E mais e mais unido a Ti, Jesus.

Ó traze-me, que nunca me desvie

De Ti, Senhor, a minha vida e luz”

REFERÊNCIAS

(1) Craig Keener. Comentário Histórico-cultural da Bíbila – Novo Testamento, Vida Nova, p. 762

(2) Orton Wiley. A excelência da nova aliança em Cristo: comentário exaustivo da carta aos Hebreus, Central Gospel, pp. 157,8

(3) Craig Keener. Op. cit. Keener destaca que “Os autores samaritanos viam Moisés como um ‘apóstolo’, e alguns judeus viam o sumo sacerdote assim também, ainda que raras vezes.

(4) metonímia é uma figura de linguagem  que consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de sentido. Quando dizemos, por exemplo: “vamos ler Isaías”, não estamos com isso dizendo que valos ler a pessoa de Isaías, mas o livro escrito por ele. Quando a Bíblia diz em Lucas 24.27, que Jesus “começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes…”, o nome de Moisés aqui é tomado para se referir não à pessoa dele, mas aos seus escritos, isto é, o Pentateuco, onde já há prenúncios sobre Cristo.

(5) Orton Wiley. Op. cit., p. 159

(6) Calvinistas são os seguidores dos postulados teológicos de João Calvino, teólogo francês do século 16, que ensinava que era impossível a um verdadeiro salvo vir a perder a salvação. Arminianos de quatro pontos são os seguidores dos postulados teológicos de Armínio, teólogo holandês do final do século 16 e início do século 17, mas que, diferentemente da maioria dos arminianos (de cinco pontos, que creem na possibilidade real do crente vir a desviar-se finalmente de Cristo), preferem também acreditar, como os calvinistas, que um verdadeiro salvo não se perde finalmente. Historicamente falando, os arminianos de quatro pontos não gozam de respaldo nem em Armínio, nem os primeiros seguidores de Armínio no século 17 (os chamados Remonstrantes), nem em grandes nomes do Arminianismo no século 18 como John Wesley, nem em especialistas de Armínio e do Arminianismo como Keith Stanglin, nem em exegetas arminianos contemporâneos como Grant Osborne. Os cinco pontos do Arminianismo clássico são resumidos no acróstico FACTS: F – feitos livres para crer (que ressalta o papel preponderante da graça de Deus sobre o arbítrio humano, possibilitando este a tomar uma decisão por Cristo), A – a todos expiação (que expressa a convicção da morte de Cristo por todos), C – condicional eleição (que expressa a convicção na doutrina da eleição, mas condicional à fé e perseverança), T – total depravação (que ressalta a corrupção generalizada do pecado no homem e a sua incapacidade salvar-se), S – segurança em Cristo (que confirma a confiança da salvação eterna, mas condicional à perseverança em Cristo). É exatamente nesse último ponto que os “arminianos de quatro pontos” se distanciam dos outros arminianos clássicos. O autor deste subsídio segue com convicção o Arminianismo clássico em seus cinco pontos, crendo piamente na possibilidade real de um convertido vir a declinar da fé e da salvação.

(7) Bíblia de Estudo Pentecostal, nota de rodapé para Hebreus 3.8

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