opinião
O bom e o mau em tempos estranhos
Que Deus levante verdadeiramente homens e mulheres seus nestes dias.
Nossos tempos têm sido prodigiosos por produzirem alguns dos espetáculos mais estranhos, bizarros e até horripilantes, da História. Não penso que estou sendo exagerado. Também tenho receio de generalismos e procuro usá-los com cuidado. Mas, estes tempos recentes têm sido demais. Não quero nem me centrar no ano de 2020, que, com certeza, deverá ficar conhecido como “o ano da pandemia” ou, como já projetam alguns, “o ano que levou ao grande reset”. Aquilo a que me refiro não se restringe ao ano de 2020, sendo este apenas, talvez, o “coroamento” de uma série de anos estranhos, o fim de um período que é marcado pela bizarrice.
K. Chesterton (1874-1936) costuma dizer que “quando os homens deixam de acreditar em Deus, não significa que eles passam a acreditar em nada; eles passam a acreditar em qualquer coisa”. Há uns anos, via a notícia de uma senhora que brincava com seu cachorro, num parque, em Veneza, e que reclamou às autoridades, porque duas crianças de 2 a 8 anos brincavam no parque também. As crianças não brincavam com o cachorro da mulher ou o importunavam. Na verdade, brincavam entre si e isto importunou, não o cachorro, mas a madame, que reclamou às autoridades. O que, então, fizeram as autoridades venezianas? Proibiram as crianças de brincar! Esta atitude é reveladora.
À medida em que houve um crescimento no número de animais domésticos, na Europa, a taxa de natalidade caiu vertiginosamente. Isto explica muito da “leniência” e tolerância de europeus com “refugiados” e imigrantes ilegais, sob os auspícios do “bom mocismo” de estados progressistas: a Europa está envelhecendo e os serviços de sempre carecem das demandas de sempre, que são supridos com mão de obra barata. Mas, a questão aqui, é a inversão total do bom senso, que, atualmente, se impregna no tecido sócio-cultural, modificando o próprio conceito de “normalidade”. Isso progride para algo que, é verdade, germina há anos, mas, recentemente, tem eclodido em vários lugares do mundo: um “novo normal” se instaura, com toda a força que um contrassenso bizarro pode ter.
Certa vez, Chesterton disse que “as falácias não se tonram menos falácias porque se tornaram modas”. O senso de permanência de conceitos é o que nos une e é uma condição de possibilidade para que uma civilização se desenvolva. Sem a permanência de conceitos, não há possibilidade de civilização. Portanto, não há uma civilização que não tenha, minimamente arraigados e definidos, os conceitos de bem ou bom e mal ou mau. Isto é o que propicia que se incentive a prática do bom e se censure a prática do mau. Sem isto, só há um caminho para a civilização: o colapso. Mudanças, às vezes, são bem vindas sim. Há muita coisa que mudar, mas toda mudança deve ser consciente e fazer jus ao passado. Toda mudança deve provir de autocrítica, o que me lembra outra frase emblemática de Chesterton: “Defender quaisquer das virtudes cardeais tem, hoje em dia, toda a excitação de um vício”.
Já reparou, prezado(a) leitor(a), como, na indústria do entretenimento (filmes, séries, HQ´s) vilões consagrados têm sido mostrados cada vez mais como “bons”, enquanto heróis têm sido caracterizados como “não tão bons assim”, no mínimo? Fizeram, em 2019, o impensável: conseguiram transformar um louco psicopata degenerado, o personagem “Coringa”, da mitologia do “Batman”, em alguém “humano, complexo, confuso” e, enfim, “vítima”, num filme que abocanhou tantos prêmios da indústria cinematográfica, que sacramentou de uma vez por todas as tendências que, como disse, já fervilham há tempos neste segmento da cultura pop.
Se você assitiu o filme do “Coringa”, verá que o pai do “Batman”, Thomas Wayne, aparece como um rico da fictícia cidade de Gothan City e, até onde se percebe, honesto. Tudo bem. Mas é um homem que beira a indiferença absoluta com os que “sofrem” na cidade. É alguém com a marca da arrogância, da vaidade e apatia, que poderia muito bem se encaixar em um personagem vilanesco. É quase um vilão, que merece o fim que tem. Uma enxurrada de blockbusters sobre vilões, aliás, sob a desculpa de serem “filmes de origem”, na verdade brincam com os conceitos de bom e mau, mas nenhum foi tão bem construído neste aspecto como o filme do “Coringa”. As reações ao redor do mundo, grosso modo, não mostram outra coisa, senão que as pessoas estão preparadas para aceitarem e incentivarem o contrassenso. Estão prontas para chamarem o “Coringa”, não de “vilão”, mas, no máximo, de “anti-heroi”.
A atualidade daquilo que Chesterton falou, no início do século 20, deve ser encarada com atenção. Ele não disse o que disse à toa. Já via, em seus dias, algo que o levara a criticar seu tempo. Em outra ocasião, afirmou pontualmente que: “O que amargura o mundo não é o excesso de crítica, mas a ausência de autocrítica”. Certeiro, Chesterton percebe mais uma vez um problema que só se avolumaria, após seus dias. Talvez, em toda a História, nunca tenha havido uma civilização tão inconsequente, como a nossa. Arvoramo-nos à radicalidade, em quase tudo, esportes, política, religião, desejos, ao mesmo tempo em que estamos abertos a fazermos concessões, como sociedade, que se revelam perturbadoras. Homens já valem menos do que animais; cultuamos o mal; tornamo-nos espiritualmente apáticos; acreditamos em qualquer coisa.
Peço a Deus que ele levante verdadeiramente homens e mulheres seus, nestes dias, que tenham duas características, que considero fundamentais: sejam conscientes de sua tarefa, tendo um apego inigualável e profundamente consciente do serviço para Deus e por meio de sua ação. E que, sendo cônscios da primeira, estejam na mídia, nos meios de informação, entretenimento e educação, consigam ser ouvidos em todos os palanques possíveis, mas sempre com repúdio a flashes e holofotes. Que saibam ouvir elogios e que se regozijem com as críticas, caso estas provenham de pessoas que se incomodam com seu senso de comprometimento com Deus. Que bradem aos quatro ventos, reafirmando o bom, como bom; e o mau, como mau. Só isto. Que sejam homens comuns, como aqueles que Deus sempre usou. Homens comuns, mas com histórias extraordinárias.