estudos bíblicos
O debate é importante?
Não é simples disputa de conhecimentos
O meio evangelical nacional tem visto, nos últimos meses, um crescimento significativo de debates. São muitos, em várias frentes. Com “frentes”, refiro-me a grupos, nos quais há sempre os mais dispostos a exercerem seu direito de conversar, opinar, explicar, convencer.
Há quem veja os crescentes debates com maus olhos; pensam que o debate, em si, é algo ruim, pois necessariamente leva à desunião.
Particularmente, discordo deste ponto de vista, mas reconheço que há alguns pontos que precisam ser vistos por aqueles que se propõem a um bom e salutar debate. Vejamos o que o debate não é:
Debate não é mera tentativa de convencimento
É claro que aqui me refiro ao debate nos moldes mais nobres, ideais. Em todo o debate, normalmente, tenta-se convencer o(s) interlocutor(es) ou a audiência.
Mas, se estamos sinceramente buscando parâmetros verdadeiros, nosso alvo deve ser dialético, e não meramente retórico ou o que é pior, sofístico.
O debate dialético era, digamos, mais “bem visto” entre os gregos, como tarefa filosófica nobre, pois seu objetivo é a busca da verdade através da investigação racional e, obviamente, por meio do diálogo.
A retórica por sua vez busca o convencimento, porém, como defenderia o filósofo grego Aristóteles, não pelo convencimento em si, mas como meio e melhor se instrumentalizar a defesa da verdade. Já a sofística, não: aqui, a palavra denota esperteza, jogo de palavras com o intuito de se vencer um debate sem necessariamente ter razão.
Debate não é simples disputa de conhecimentos
Eis um ponto central para os que gostam de debater: quem pensa em “medir” conhecimento através da prática do debate mostra, de antemão, que não estão prontos para debater.
A questão num debate não é e nuca foi “quem sabe mais”, mas se o que é exposto alinha-se melhor ou não à realidade.
Um bom debatedor não sabe tudo, pois isto é impossível. Mas tem convicção (e boas razões) para crer que o que defende é, no mínimo, plausível.
Um bom debatedor não está preocupado se não sabe de determinado ponto sobre um assunto que vem à tona num debate; mas mostra maestria em elencar pontos fortes e fracos suscetíveis à discussão, reconhecendo-os tanto na tese que defende quanto na que acusa.
Debate não é uma porta para a carnalidade
A Bíblia diz que podemos até nos irar, mas não pecar (Ef. 4:26). Isto é muito sério. A divergência de ideias deve ser tratada, sempre, com maturidade, humildade, espírito conciliador.
Muitos, por causa de seu mau testemunho (notório ou não), tornam-se uma vergonha para o Evangelho, pois querem posar de polemistas ou apologistas, mas, no mais das vezes, denotam apenas a carnalidade que lhes era latente.
É fácil identificar um debatedor carnal: normalmente, o sarcasmo é sua maior arma; cita outros sem parar (o chamado “argumento da autoridade”, ou ad verecundiam é profuso em sua boca); não é original e o sarcasmo sobre o qual falei, geralmente esconde ignorância e soberba. Fuja desse tipo.
Debate não se resume ao confronto de “opiniões”
Em grego, “opinião” é doxa, que por sua vez é o contrário de conhecimento. Opinião está no mais baixo âmbito filosófico.
É a área das preferências e gostos pessoais, sobre os quais apenas os seus donos têm ingerência. É como debater por causa de times de futebol. Responda sinceramente: você já viu alguém, torcedor, deixar de torcer por determinado time por causa de um debate sobre o tema? Pois é.
As opiniões pessoais são importantes, mas não devem ser confundidas com conhecimento.
Muito, mas muito mesmo do que se “debate” no meio evangelical nacional, apesar de às vezes ter uma certa roupagem prolixa, com termos técnicos e certo apelo histórico, é, contudo, muito mais fruto de paixão ideológica do que da atividade exaustiva de se exaurir determinado conteúdo. O que é lamentável.
Debate não é um exercício irresponsável
Há pessoas na igreja que, por incrível que pareça, querem soar como “debatedores profissionais”. Poucas pessoas, creio eu, foram chamadas especificamente para debaterem “profissionalmente”. Estes, por sua vez, são os apologistas de hoje, gente que paga um preço enorme por defender a fé publicamente, com inimigos em todas as esferas, seja fora ou dentro do evangelicalismo.
Pessoas como o dr. William Lane Craig, teólogo e filósofo, que não tem um compromisso maior com este ou aquele modo de ver a Escritura do que com a fé cristã. Sua maior preocupação é mostrar, dentre outros pontos, a superioridade da fé cristã frente aos desafios deste mundo.
Daí a preocupação do pensador em construir uma carreira acadêmica sólida, com anos de formação e informação minuciosa e, principalmente, uma vida regrada e verdadeiramente piedosa, espiritual, que transita nos mais variados meios, sem preterir este ou aquele, sem denegrir quem quer que seja, sem mostrar qualquer falsa superioridade. Eis um bom exemplo!
O debate é algo que pode vir a ser salutar na e para a Igreja, desde que observemos estes pontos. É necessário entendermos, contudo, que debater não se reduz à mero artifício retórico, muito menos sofístico (de enganos e falácias), não é disputa de conhecimento.
Debater seriamente é infinitamente mais do que disputa de egos, e deve defender argumentos, não opiniões travestidas de conhecimento.
Por fim, é necessário que entendamos que o elemento ético do debate retórico e dialético, o ethos, como chamavam os gregos, deve fazer jus ao logos, isto é, àquilo que se quer argumentar, que se quer provar, que se quer esclarecer. O debate tem, portanto e acima de tudo, um valor pedagógico intrínseco, e, se feito por pessoas que realmente nutram um comprometimento maior com a verdade, acima de suas preferências pessoais, pode ser uma ferramenta didática poderosa para a Igreja.