opinião
O perigo das “pessoas respeitáveis”
São “pessoas respeitáveis” que vêm pedir seu voto, com ares de gestores bem-educados, mas que escondem alianças corruptas, cujo objetivo é garantir o cumprimento de seus próprios interesses.
Recentemente, estava numa conversa-debate e falávamos sobre como as pessoas estão com dificuldade de entender o português mínimo. O mínimo, aliás, tornou-se “muito”; e o mediano, algo que é “praticamente inalcançável”. O problema não se limita somente a uma questão de não entender, mas reproduzir o que não se entende. Lembrávamos, na ocasião, de G. K. Chesterton (1874-1936), escritor e ensaísta britânico, crítico literário e que ficou conhecido por sua vasta obra de apologética da fé cristã. Chesterton, que viveu no período do crepúsculo da modernidade (fins de século XIX e início do século XX), ficou conhecido como “o príncipe dos paradoxos”, pois trabalhava com magistral competência os ditos, provérbios e alegorias, revirando-os de ponta-cabeça e dando um enfoque novo às suas críticas.
Muitas daquelas eram, inclusive, não óbvias, mas cirúrgicas e necessárias, pois versavam contra a hipocrisia de uma sociedade doente, que nutria e produzia valores ruins, os quais se cristalizariam no século XX como perpetradores das maiores misérias que o mundo jamais vira: primeiro, a teimosia do Homem em querer se “emancipar” de Deus pela razão, uma velha ideia oriunda do Iluminismo do século XVIII. A Primeira Guerra Mundial solaparia um pouco esta arrogância, no fim da modernidade, mas não de vez, pois a insistência do Homem em se ver “livre” de Deus o levaria a uma era de desvarios, misticismo misturado com ciência, antissemitismo e o nazi-facismo, que irromperia na Segunda Guerra Mundial e numa nova face do mundo. A Segunda Guerra começaria apenas 3 anos após a morte de Chesterton: 1939.
Como um visionário, Chesterton defendia que o profeta moderno deve usar, ao invés da roupa de pele de camelo e do cajado, a caneta e a tinta. Assim, incorporou o personagem que seria um reflexo de seus próprios pensamentos, os quais se transformaram-se em livros traduzidos para vários idiomas, inclusive o português: Ortodoxia, Hereges, O Homem que era Terça-Feira, O Que Há de Errado com o Mundo? Tremendas Trivialidades etc. Com uma capacidade de análise e de síntese quase inigualáveis, Chesterton descreveu os perigos da sociedade em que viveu e as tendências das sociedades que lhe sucederiam: previu que os minimalismos seriam a regra social por excelência e que o homem moderno acabaria por aceitar aquilo no que já vinha se transformando, isto é, algo como um “tecnopagão”, com um único inimigo a ser atacado mais do que qualquer outra coisa – o cristianismo. Não poderia ter sido mais preciso.
Observando a atualidade, 80 anos após a morte do escritor, parece-nos, ao lermos certos trechos de seus escritos, que ele os escrevera semana passada. A hipocrisia de gente “tecnopagã” e anticristã, como a da atualidade, foi certa vez imortalizada por Chesterton na expressão “pessoas respeitáveis”, as quais, em quaisquer épocas que existam, tornam-se formadoras de opinião e surgem como intelectuais, homens e mulheres da mídia, políticos, juristas, escritores, com tal teor de maquiavelismo e um pensamento tão sincronizado, isto é, tão uníssono, que parecem combinar para figurarem como ferrenhos opositores da fé cristã, pois defendem tudo o que o cristianismo condena. Para Chesterton, eram essas “pessoas respeitáveis” aos olhos da sociedade, que na verdade a corrompiam e gangrenavam!
Quase como o cumprimento do que fora previsto, se nos arremeteu um dilúvio de confusão de ideias, que aliam basicamente a tecnocracia tecnológica e científica, – com homens que acham que “Deus é um delírio” (como o ateu militante e zoólogo britânico, Richard Dawkins, escreveu) -, até aqueles que ajudaram a sociedade a mergulhar em um paganismo pseudocrístão confuso, com práticas tão excêntricas que nem os que assim agem sabem o que fazem. Também deste lado, permaneceram os religiosos de carteirinha, um grupo que consegue ser ainda mais paradoxal do que os textos do próprio Chesterton, e cujas práticas comprovam as palavras de outro grande ensaísta britânico e ex-ateu, C. S. Lewis (1898-1963), autor das “Crônicas de Nárnia” e alguém muito influenciado pelos textos de Chesterton: “De todos os homens maus, os piores são os homens maus religiosos”.
Este caldo efervescente é um composto-resultado de nossa sociedade minimalista, que aprecia características erradas, valoriza o efêmero, o falso; que exige o que não dá; cujos indivíduos compõem uma nação que é ela mesma assim, “pobre de alma”, mas se acha “rica” e “fulgurante”. Esta miséria espiritual e existencial é o que proporciona um cenário onde se destacam, inclusive, dois caminhos que podem parecer díspares, mas constituem duas faces de uma mesma moeda: por um lado, o extravagante pós-pentecostalismo, com o burlesco, o bizarro, o místico excessivo. Por outro lado, o religiosismo farisaico, pseudo-piedoso, pseudo-espiritual, que se “vangloria da humildade” e prega um “amor que não perdoa”, não aplaca, não se dá, se não for em conformidade com suas próprias regras. Essas não são pessoas que você, prezado(a) leitor(a), apontaria normalmente e diria: “Eis um(a) psicopata”. Não! Normalmente, são pessoas ovacionadas, queridas, formadoras de opinião, “pessoas respeitáveis”.
Chesterton dizia: “Meus pais foram ‘pessoas respeitáveis’, porém honestas”. É com esse tipo de paradoxo que o escritor britânico mostrava sua genialidade e crítica aguda precisa. Devemos estar atentos a todo tipo de “pessoas respeitáveis”! Não é à toa que a pior forma de crime é a do “colarinho branco”, pois os que assim agem, comandam as máfias reais: não as que roubam apenas centenas ou milhares, mas milhões e milhões. Foram “pessoas respeitáveis” em toda a História que promoveram ditaduras sangrentas, ou criaram sindicatos do crime organizado, ou mancharam a imagem da religiosidade humana e, em nome de sua deturpada noção do “sagrado”, do “divino”, de “salvação”, de “Deus”, perpetraram os piores males, financiaram guerras ou causaram falências de sistemas financeiros inteiros, levando à ruína milhares de empresas e causando demissões de centenas de milhares de empregados.
São “pessoas respeitáveis” que vêm pedir seu voto, com ares de gestores bem-educados, mas que escondem alianças corruptas, cujo objetivo é garantir o cumprimento de seus próprios interesses. São “pessoas respeitáveis” que ditam também os trâmites religiosos no meio evangélico, como um clero sem Papas. Não são apenas lideranças pastorais e denominacionais, dentre os tais, querem transparecer virtude, fervor, conhecimento e espiritualidade; no entanto, são eivados de egocentrismo e egolatria, porque são egoístas: sua única finalidade não é o brilho de Cristo, senão o seu próprio, ainda que usem a pessoa e a palavra de Cristo para tal. Ao contrário dos pais de Chesterton, essas são pessoas respeitáveis, porém desonestas!
Findo este texto com só mais um exemplo. Nos dias de Jesus, líderes religiosos cultos, “pessoas respeitáveis” da sociedade, homens de aparente moral ilibada, defensores da ortodoxia, zelosos da lei, ardorosos acusadores dos gentios, homens de fé, professores e doutores, dentre outros, lhe disseram: “Tens demônio”, (Jo. 7:20, 8:48, 52)!!! Que Deus nos proporcione genuína humildade, verdadeira espiritualidade, liberdade que não dá ocasião à carne, fé sem religiosismo humano, graça que não se ufana, amor sem fingimento, uma intelectualidade que, para mais do que meras palavras, redunde fielmente para a glória de Deus.
Não nos esquecendo, contudo, de que o Senhor Jesus também foi um mestre dos paradoxos, tendo-os usado em várias ocasiões. E foi numa destas, alertando os discípulos sobre aquele tipo de “pessoas respeitáveis” e de tudo quanto valorizavam, gente de sua e de todas as épocas, que o Senhor nos ensinou, falando claramente aos que o ouviam e a partir destes, a nós; ainda que, a exemplo do que acontece hoje de forma generalizada, muitos não tenham entendido: “E todo aquele que por minha causa deixar irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos, terras ou casa receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna. Muitos dos primeiros serão os últimos e muitos dos últimos serão os primeiros”, Mt. 19:29-30.