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O professor da Escola Dominical e o hábito de leitura

Quem lê bem, pensa bem, escreve bem e se comunica bem.

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Lendo a Bíblia. (Photo by Kiwihug on aUnsplash)

“O que tem lhe prejudicado excessivamente nos últimos tempos e, temo que seja o mesmo atualmente, é a carência de leitura. Eu raramente conheci um pregador que lesse tão pouco. E talvez por negligenciar a leitura, você tenha perdido o gosto por ela. Por esta razão, o seu talento na pregação não se desenvolve. Você é apenas o mesmo de há sete anos. É vigoroso, mas não é profundo; há pouca variedade; não há sequência de argumentos. Só a leitura pode suprir esta deficiência, juntamente com a meditação e a oração diária”.

O parágrafo que você acabou de ler é um trecho de uma carta enviada por John Wesley a seu amigo pregador John Trembath, em 17 de agosto de 1760.

Como é fácil perceber, Wesley está exortando seu amigo à prática regular de leitura para que possa desenvolver-se com profundidade no “ministério da palavra” (At 6.4). Estou convicto de que passados quase 260 anos, estas recomendações do John Wesley continuam muito válidas, não só para pregadores, mas igualmente para pastores e professores de Escola Dominical.

É óbvio que a excelência do ministério de ensino não depende apenas do nosso gosto pela leitura, e Wesley faz questão de ressaltar: “…juntamente com a meditação e a oração diária”. Todavia, é fato que sem o hábito de leitura, um pregador ou ensinador sofrerá semelhantes deficiências do irmão Trembath: superficialidade na ministração e falta de argumentação sólida.

Ou seja, será um pregador ou mestre superficial, desinteressante, irrelevante, apenas reprodutor de coisas óbvias e muitas vezes enfadonho em sua apresentação, sem produzir novo e profundo aprendizado naqueles que ouvem. Há muitas igrejas penando nas mãos de pastores sem conteúdo, e classes de Escola Dominical definhando por causa de professores sem conteúdo relevante (ainda que tendo ótimas Lições bíblicas em suas mãos).

Você certamente já ouviu alguém dizer assim em tom de repreensão: “Meu negócio é a Bíblia! Eu lá quero saber de outros livros!”. Já ouvi muita gente falar isso com ares de piedade, mas na verdade sobejava arrogância! É muito bom que estimemos a Palavra de Deus e saibamos reconhecer a autoridade absoluta que ela tem acima de toda e qualquer produção literária e teológica.

Entretanto, é estupidez reduzir o conhecimento de mundo, da história, da pedagogia, da teologia, da ciência, etc. à Bíblia apenas. Se o conhecimento se reduzisse apenas à Bíblia, ninguém precisava ir pra escola ou fazer curso técnico nem faculdade, e menos ainda escrever manuais para uso de ferramentas, montagem de móveis e aparelhos tecnológicos, nem sequer bula de remédios! Ler a Bíblia nos bastaria! Mas é insensatez, e não espiritualidade admirável, pensar dessa maneira.

Vejamos o apóstolo Paulo, a quem todos estimamos pelas edificantes cartas que ele escreveu sob inspiração do Espírito de Deus. Será que Paulo era um homem que não gostava de ler? Será que Paulo bateria nos joelhos hoje e diria com ares de soberba: “meu negócio é joelhogia!”? Paulo, de fato, era um homem que orava muito (como se pode perceber em todas as suas cartas), mas era igualmente um pregador instruído e estudioso da boa literatura disponível em seu tempo, por isso tinha uma mente tão aguçada capaz de escrever e ensinar sobre doutrinas importantíssimas da fé cristã, além de estar em condições de debater com as maiores autoridades filosóficas ou religiosas de sua época, levando-as ao conhecimento verdadeiro sobre a pessoa de Jesus Cristo.

Paulo, enquanto esperava no “corredor da morte” a sua execução, tendo já completado a sua carreira, escreveu em sua última carta ao seu amigo Timóteo: “…Traze os meus livros, especialmente os pergaminhos” (2Tm 4.13). Sabe o que é interessante? Paulo já estava velho (lá perto dos 70 anos, segundo a tradição cristã), já tinha completando sua missão como apóstolo, e já estava perto de morrer, como ele mesmo disse a Timóteo (v. 6).

A sentença de Roma contra ele já estava sendo preparada e a espada de Nero já estava afiada para a degola de Paulo. Agora, pergunto: o que fazia um homem nestas condições ainda querer estar perto de seus livros? Penso que o velho apóstolo queria dar sua última lição ao jovem obreiro Timóteo, e também a nós: “NUNCA É TARDE PARA APRENDER!”.

Amado professor da EBD (ou pastor, ou pregador), comece a tomar gosto pela leitura, se queres ser um “obreiro aprovado, que não tem de que se envergonhar e que maneja bem a Palavra da verdade” (2Tm 2.15).

Constrói tua biblioteca particular e exercita-te na prática saudável da leitura diária, ainda que começando aos poucos, afinal, como dizia A.W. Tozer, o segredo não é ler muito, mas ler bem. Mas vai tomando gosto, começando por desenvolver o hábito de ler a Bíblia toda dentro de um ano (há ótimos planos de leitura disponíveis na internet para ajudar). Repita isso todos os anos até morrer ou ser arrebatado, o que vier primeiro!

Em paralelo à leitura da Bíblia, leia também livros devocionais, de espiritualidade cristã (sobre oração, vida com Deus, avivamento, etc.); e aos poucos vá acrescentando em seu leque de leituras livros mais exigentes aos olhos e à mente: livros sobre doutrinas bíblicas, teologias sistemáticas, história da igreja, ética cristã, apologética, comentários bíblicos (estes são importantíssimos para melhor compreensão e exposição dos textos bíblicos), e não se esqueça de dedicar-se também à leitura de livros sobre Escola Dominical, pedagogia, didática, métodos de ensino, etc., para que você faça leituras direcionadas para melhorar seu trabalho enquanto professor.

Comece do mais simples para o mais complexo. Se for pela ordem inversa, com certeza perderá o interesse pela leitura. Por amor à sua alma e a dos crentes que lhe ouvem, busque a excelência no ensino da Palavra de Deus! Não queira ser melhor que ninguém, mas busque ser o melhor que você puder ser de si mesmo! Não para exibir-se, mas para servir melhor aos que se alimentam da Palavra em suas pregações ou aulas.

Como disse Salomão, “Os lábios dos sábios derramam o conhecimento” (Pv 15.7). Não queres ser assim?

A propósito, se você chegou até aqui na leitura deste artigo, já é um bom sinal. Lamentavelmente, muita gente não tem paciência nem pra ler duas páginas de um livro ou dez parágrafos de um artigo na internet.

Preferem encher a cabeça com o entretenimento vazio da TV ou das redes sociais, nas quais muitas pessoas gastam horas a fio de suas vidas, desperdiçando preciosas oportunidades para crescimento intelectual e espiritual! Entretanto, não deve ser assim entre os que receberam de Deus o precioso dom para ensinar.

Quem lê bem, pensa bem, escreve bem e se comunica bem. Sendo assim, “persiste em ler” (1Tm 4.13).

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