estudos bíblicos

O que é ética cristã?

Conceito e fundamentos da ética cristã.

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Mulher com as mãos em oração em cima da Bíblia. (Foto: Envato / halfpoint)

Falar de ética cristã não é fácil, nem tão simples quanto gostaríamos. O assunto é vasto, dialoga com muitas áreas do saber, e demanda muita pesquisa por parte do ensinador da Palavra de Deus.

Só na obra Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, do Dr. Russel Norman Champlin (ed. Hagnos), a conceituação do verbete ÉTICA (em suas diversas ramificações) ocupa quase 34 longas páginas!

Há fortes e variadas implicações filosóficas e teológicas na abordagem deste assunto, mas as nossas aulas dominicais exigem que sejamos menos técnicos e prolixos, e mais práticos e concisos na abordagem desse assunto, para que não imponhamos prejuízo ao entendimento de nossos alunos, cuja formação secular e bíblica é tão variada. Discussões mais técnicas deixamos para ambientes de ensino técnico, como as faculdades ou seminários.

Não podemos também nos esquecer que precisamos falar de ética numa perspectiva cristã, objetivando alcançar não apenas a mente de nossos alunos, transmitindo informação e promovendo discussão, mas, muito mais que isso, levarmos nossos alunos à reflexão, e à uma tomada de postura ética que seja bíblica e cristã no enfrentamento da inversão de valores morais como percebemos na sociedade em que vivemos.

Como dizia o pedagogo Howard Hendricks, “ensinando para transformar vidas”!

Conceito de ética cristã

O pastor e teólogo assembleiano Claudionor de Andrade, em seu livro As novas fronteiras da Ética Cristã (CPAD), apresenta-nos dois conceitos básicos de ética:

Ética (secular)

“conjunto de normas e preceitos valorativos, cuja missão é orientar o indivíduo, em particular, e a sociedade, como um todo, a trabalhar pelo bem comum” (1). Andrade faz, contudo, a ressalva de que “no âmbito das academias, porém, a ética adquire algumas conotações bastante deletérias”. Entretanto, para fins pedagógicos, nos contentaremos com o conceito apresentado acima, apenas acrescentando o étimo da palavra ética: no grego, ética é “ethos”, que significa “costume”, “disposição”, “hábito”. Assim, o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano define ética com brevidade: a ciência da conduta (2).

Como é impossível falar de ética e não falar de moral, visto que ambos os conceitos são intimamente correlatos, precisamos aqui também conceituar moral. Moral, do latim morales, refere-se, segundo o comentarista da nossa Lição, o Dr. Douglas Baptista, “ao comportamento das pessoas e às reações dos indivíduos que compõem uma sociedade em relação às regras estabelecidas pela ética” (3). Poderíamos dizer que Ética (com inicial maiúscula) é a ciência que estuda o comportamento humano ideal; ética (com inicial minúscula) corresponde ao próprio comportamento ideal em sociedade; e moral corresponde à reação individual de cada membro da sociedade em relação ao que está como padrão ideal. Os que seguem os valores éticos da sociedade são considerados sujeitos morais, ao passo que aqueles que vivem de modo transgressor aos padrões éticos são chamados de imorais.

Ética cristã

“é a ciência que tem por objetivo orientar não apenas o cristão, mas também o não cristão, quanto às reivindicações da Bíblia Sagrada acerca de sua conduta pessoal, familiar e publicar” (4). Champlin diz que “A ética cristã normal e ortodoxa é uma forma de ética absoluta”, cujo pressuposto básico “é que os princípios morais alicerçam-se sobre padrões imutáveis, que não se alteram em face de situações ou de indivíduos” (5).

Mas os valores absolutos da ética cristã são absolutos porque repousam sobre a revelação de Deus nas Escrituras Sagradas. “Portanto, a ética cristã não se modifica e nem se relativiza. Desse modo, a ética cristã não pode ser desassociada da moral e dos bons costumes preconizados nas doutrinas bíblicas”, conclui o comentarista Douglas Baptista (6).

A ética cristã, portanto, é sujeita às doutrinas bíblicas, jamais o inverso. O decano da educação cristã no Brasil, Pr. Antônio Gilberto, é incisivo: “A doutrina bíblica gera bons costumes, mas bons costumes não geram boa doutrina. Igrejas há que têm um somatório imenso de bons costumes, mas quase nada de doutrina. Seus membros naufragam com facilidade por não terem o lastro espiritual da Palavra” (7).

Concluo este tópico com três princípios elementares da ética cristã:

Primeiro, a ética cristã é UNIVERSAL, ou seja, os valores que ela apregoa são válidos para todos os homens em todo mundo; segundo, a ética cristã é SUPRACULTURAL, isto é, está acima das culturas locais, podendo até mesmo ajustá-las ou transformá-las, para que elas se adequem aos valores cristãos (por exemplo, culturas onde a idolatria, poligamia, pedofilia ou violência contra a mulher são praticados e algumas vezes até reconhecidos e assegurados por políticas ou costumes locais); por último, a ética cristã é ATEMPORAL, ou seja, não tem prazo de validade.

Aquilo que o Evangelho apresenta como regra de fé e prática deve ser obedecido em todo mundo e em todo tempo.

A ética cristã traz os marcos antigos que não podem ser removidos! (Pv 22.28; 2Ts 3.6)

Fundamentos da ética cristã

Como já dissemos no primeiro tópico, o principal fundamento da ética cristã é a Palavra de Deus, a Bíblia sagrada. Neste sentido, é preciso considerar que a Bíblia é a Palavra inspirada, inerrante e infalível de Deus! Romper com estes pressupostos – como fizeram os teólogos liberais e/ou ecumênicos – é romper também a noção dos valores absolutos esposados na Bíblia Sagrada.

Ou seja, recusar que a Bíblia é a Palavra de Deus inerrante é recusar que ela tenha a última palavra em matéria de conduta moral para o ser humano. Mas a Bíblia é a nossa regra de fé e prática – Sola Scriptura!

Como está bem colocado no corpo da nossa Lição (CPAD), os fundamentos bíblicos da ética cristã perpassam desde o Decálogo (Os Dez Mandamentos), pelo sermão do monte de Jesus, pelos ensinos paulinos, até as epístolas gerais do Novo Testamento.

Visto que a Bíblia nos revela o caráter de Deus e conclama-nos a imitá-lo (Ef 5.1), precisamos voltar-nos para as páginas do livro sagrado se quisermos saber que maneira de proceder é adequada ou não ao cristão.

A Bíblia é o nosso ponto de referência para distinguirmos o certo e o errado! O que convém e o que não convém! (1Co 10.23) E assim separarmos o santo do profano (Lv 10.10). Alan Pallister destaca: “uma ética fundamentada na Lei de Deus e no ensino de Cristo é manifestamente uma opção melhor e mais racional, do que uma ética que pretende se fundamentar no iluminismo ou em filosofias mais recentes” (8).

Agora, como bem salienta o pastor Claudionor de Andrade, embora a Bíblia tenha a supremacia em matéria de ética cristã, não descartamos um apoio secundário em outras fontes legítimas.

Andrade destaca, além da Bíblia, o papel da tradição eclesiástica, das leis humanas e dos bons costumes, sendo que todas estas outras fontes de conhecimento e orientação só estão legitimadas enquanto em consonância com a Palavra de Deus.

Sobretudo por razões apologéticas, ou seja, na defesa da fé e dos valores cristãos, precisamos nos munir de múltiplos conhecimentos para darmos a razão de nossa fé aos que nos inquirirem sobre questões éticas. Andrade explica:

“Não basta dizer, por exemplo, que o aborto é uma prática condenável. É necessário que nos especializemos no assunto, visando conhecer-lhe todas as implicações. Dessa forma, teremos um firme embasamento para justificar as demandas da Palavra de Deus quanto à santidade da vida humana. (…) Se não formos razoáveis e lógicos, jamais seremos ouvidos por um mundo relativizado, incrédulo, exigente e inamistoso” (9).

Assim sendo, é bom que sejamos tradicionais sem ser tradicionalistas; legais sem ser legalistas. Tanto a tradição da igreja histórica, especialmente via Credos religiosos, como as leis seculares, especialmente naquilo que pretende assegurar o direito e a proteção aos bons costumes, podem ser apoios para o cristão explicar e aplicar os valores da Palavra de Deus em nossos dias.

Há muitos questionamentos feitos pelo homem moderno cujas respostas não estão dadas direta e objetivamente na Bíblia, mas a partir do bom senso e de uma apreciação razoável da opinião de homens e mulheres de Deus que viveram no passado além de um profundo conhecimento das leis e dos costumes de um povo, podemos apresentar soluções adequadas aos dilemas da sociedade.

Por exemplo, a Bíblia não diz nada sobre pesquisa com células tronco, nem sobre pleitos eleitorais, nem sobre ideologia de gênero ou sobre o consumo de drogas.

Mas certamente o conhecimento dos princípios e doutrinas bíblicas, aliado a uma leitura profunda destas demandas da sociedade em nosso tempo, poderão munir o cristão para “responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15).

Chamados a viver eticamente

Nossa primeira Lição deste trimestre tem como texto bíblico de base os versículos 1 a 13 do décimo capítulo da primeira carta de Paulo aos Coríntios. Neste trecho bíblico, o apóstolo Paulo ressalta a morte de milhares de judeus no deserto durante a fuga do Egito em virtude dos muitos pecados praticados de modo contumaz por aquela geração incorrigível. Paulo destaca os seguintes pecados: cobiça (v.6), idolatria (v. 7), prostituição (v. 8), tentar a Cristo (v. 9), e murmuração (v. 10). O que merece destaque é que aquela trágica experiência da geração desobediente de Israel está posta para nós “em figura” (v. 6),  ou “como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (v. 11). Ou seja, o que Israel padeceu por não viver a ética estabelecida por Deus é um aviso de Deus para nós hoje que, a exemplo deles, padeceremos se não atentarmos para os valores do Reino de Deus.

Cobiça

A ética cristã ao mesmo tempo em que reprova a cobiça às posses alheias (Ex 20.17; Rm 13.9), também defende a proteção ao bem alheio (Dt 19.14); ao mesmo tempo em que condena a cobiça do que é mau, ordena a busca do que é bom (3Jo 11).

Idolatria

A ética cristã não suporta a visão religiosa pluralista, nem pactua com o ecumenismo.

A teoria de que “tudo é Deus” (panteísmo), “todos os caminhos levam a Deus” (politeísmo) ou que “somos todos irmãos” (ecumenismo) deve ser rechaçada, visto que somente Deus é digno de ser adorado, e que Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida, excluindo qualquer possibilidade do homem chegar-se a Deus por outros meios (Jo 14.6; At 4.12).

Idolatria foi um dos pecados mais recorrentes no antigo Israel, e a razão de muitas vezes ter sido punido por Deus, inclusive com o exílio e e constantes invasões estrangeiras.

Prostituição

A ética cristã é inimiga das relações sexuais libertinas, que não se limitam ao leito conjugal que deve ser honrado. “Os que se dão a prostituição, Deus os julgará” (Hb 13.4).

Visto que vivemos dias semelhantes aos de Noé e de Ló (Lc 17.26-28), em que os clamores pela liberação sexual se multiplicam em toda terra, e práticas perversas têm sido cada vez mais frequentes (bestialismo, homossexualismo, pedofilia, etc.), a igreja precisa erguer a voz e levantar a bandeira dos bons costumes judaico-cristãos: virgindade até o casamento, pureza entre solteiros, respeito ao corpo como templo e morada do Espírito, casamento heterossexual e monogâmico.

A Igreja deve ser o sal que preserva da corrupção e traz o bom sabor, e também deve ser a luz que dissipa as trevas da imoralidade! (Mt 5.13,14)

Tentar a Cristo

O que significa tentar a Deus ou tentar a Cristo? O Dr. Anthony D’Palma responde com clareza: “‘Tentar o Senhor’ é experimentar até que ponto se pode abusar da paciência de Deus antes de incorrer em seu julgamento (Dt 6.16)” (10).

Abusar da paciência de Deus revela uma falta de temor no coração do homem, mas a ética cristã é justamente pautada pelo temor e a reverência a Deus! Logo, são imorais aqueles que vivem tentando ao Senhor com seus pecados reiterados e a obstinação do coração.

Murmuração

Como pontua o pastor Douglas Baptista, “o significado [de murmuração] aqui se refere à falta de ética que provoca maledicência, inveja e calúnias contra o próximo, e ainda provoca a ira de Deus” (11).

A ética cristã rege que sejamos agradecidos a Deus em toda e qualquer situação (Cl 3.15; 1Ts 5.18), e que não falemos mal de nosso próximo (Tg 4.11).

Logo, mal utilizar a língua para “incendiar um bosque” (Tg 3.5) é ferir ao mesmo tempo os dois mandamentos em que se resume toda a Lei: amar a Deus e ao próximo (Lc 10.27).

Que nossas palavras sejam sempre agradáveis, nunca usando de ira e maldizer, dando glórias a Deus em toda situação e comunicando palavras de vida aos que nos ouvirem (Sl 19.14; Cl 4.6).

REFERÊNCIAS
(1) Claudionor de Andrade. As novas fronteiras da ética cristã, CPAD, p. 10
(2) Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia, 5 ed. vers. e ampl., Martins Fontes, p. 380
(3) Douglas Baptista. Valores cristãos: enfrentando as questões morais de nosso tempo, CPAD, p. 6
(4) Claudionor de Andrade, Op. cit., p. 15
(5) R.N. Champlin. Dicionário de Bíblia, Teologia e Filosofia, vol. 2, Hagnos, p. 574
(6) Douglas Baptista, Op. cit., p. 7
(7) Antônio Gilberto. Manual da Escola Dominical, 3 ed., CPAD, p. 93
(8) Alan Pallister. Ética Cristã hoje: vivendo um Cristianismo coerente em uma sociedade em mudança rápida, Shedd Publicações, p. 14
(9) Claudionor de Andrade, Op. cit., p. 16
(10) Anthony D’Palma em Comentário bíblico pentecostal (French Arrington e Roger Stronstad, eds.), 4 ed., CPAD, p. 995
(11) Douglas Baptista, Op. cit., p. 16

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