estudos bíblicos
O que é oferta pacífica na Bíblia?
Estudo bíblico sobre as ofertas pacíficas oferecidas no Antigo Testamento e sua ligação e aplicação para os cristãos nos dias atuais.
As ofertas de paz (hb. shelem) regulamentadas na Lei de Moisés, bem como a aplicação prática deste tema para nós cristãos, especialmente por uma perspectiva cristológica.
A excelência da oferta pacífica
Segundo a Bíblia de Estudo Pentecostal, o sacrifício pacífico era efetuado diante de Deus, no sentido do ofertante ter comunhão com Ele, expressar gratidão (Lv 7.11-15; 22.29) ou fazer um voto (7.16). Para o ofertante, envolvia um compromisso com o concerto (a Lei) e celebrava a paz e a reconciliação entre Deus e o adorador. [1]
O que eram estes sacrifícios?
As ofertas pacíficas ou sacrifícios pacíficos eram voluntários sacrifícios de sangue oferecidos a Deus (Lv 3.1,2). Diferentemente do holocausto que era totalmente queimado, nas ofertas de paz uma parte do sacrifício era comida pelo sacerdote (representando a aceitação de Deus) e a outra era comida pelos adoradores e seus convidados (sacerdotes não-oficiantes ou levitas e os pobres – Dt 12.18; 16.11).
Assim, como bem destacado pelo Dicionário Ilustrado da Bíblia [2], estas ofertas constituíam um grande e alegre banquete de comunhão no qual Deus era o anfitrião. Estes sacrifícios celebravam a cobertura do pecado, o perdão de Deus e a restauração de um relacionamento correto e significativo com Deus e a própria vida (Jz 20.26; 21.4)
Quais eram os tipos de ofertas pacíficas?
Havia três tipos de ofertas pacíficas:
- Ações de graças, que expressavam gratidão por uma benção recebida ainda que não solicitada. Neste caso, os judeus não ofereciam a Deus petições, mas orações, louvores e sacrifícios de gratidão pelo favor já recebido. O sangue animal, que sempre seria aspergido (Lv 7.14) e a carne do animal a ser comida eram sempre presentes nesses sacrifícios pacíficos, mas aqui destacam-se a presença de “bolos sem fermento e amassados com óleo, pães finos sem fermento e untados com óleo” (Lv 7.12, NVI).
- Votos, associados a uma promessa ou pedido feito a Deus e atendido. Não deixava de ser uma oferta de gratidão, mas enquanto na oferta de ações de graças a benção que se agradecia não fora pedida, mas dada espontaneamente pelo Senhor, na oferta como pagamento de voto, a gratidão era em virtude de uma oração respondida positivamente.
- Ofertas movidas, era a porção do sacrifício pacífico que pertencia aos sacerdotes. Era literalmente movida em direção ao santuário como sinal de sua dedicação a Deus e, a seguir, movida em direção ao ofertante ou sacerdote, indicando que o Senhor agora punha a dita oferta à disposição dele.
Qual o significado espiritual para a Igreja?
Por uma perspectiva tipológica, essas ofertas prenunciavam a paz e a comunhão que o crente tem com Deus e com os irmãos na fé, tendo por base a morte de Cristo na cruz (Cl 1.20; 1Jo 1.3). Prenunciavam ainda a nossa plena comunhão quando todos nos assentarmos com Deus no seu reino vindouro (Sl 22.26; Lc 14.15; Ap 19.6-10).
A oferta pacífica na história sagrada
O voto de Jacó
Na verdade, não vemos neste voto de Jacó os procedimentos regulares da Lei de Moisés (a ser, obviamente, instituída séculos depois), que falavam do oferecimento de um sacrifício animal para ser comido pelo ofertante (Lv 7.16-17). O que vemos neste caso é que a prática do voto precede a regulamentação mosaica, e que, a partir desta, o pagamento dos votos mediante sacrifício animal deve ser conforme prescrito na Lei.
Jacó não prometeu oferecer um animal ou comê-lo diante do Senhor, mas dedicar-se a si mesmo como um fiel adorador de Yavé: “…o SENHOR será o meu Deus” (Gn 28.20,21).
De fato até o fim de sua vida (Gn 49) vemos que Jacó foi um fiel servo do Senhor. Por tudo que Deus é, por tudo o que Ele nos tem feito, dediquemo-nos inteiramente a Ele, e jamais tenhamos outro deus além do Todo Poderoso, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó!
Este é o maior compromisso que devemos assumir na vida: adorarmos unicamente ao Criador dos céus e da terra e devotar-lhe todo nosso coração (Mt 22.36,37).
O voto de Ana
Embora as ofertas de Ana descritas em 1Sm 1.24,25 não tenham sido exatamente ofertas pacíficas como prescritas em Levítico, não deixavam de expressar gratidão pelo filho recebido pela mulher que até então fora estéril. A maior oferta de Ana não foram os bezerros, a farinha ou o vinho por ela e seu marido oferecidos, mas a dedicação integral do próprio filho Samuel ao Senhor!
Ou seja, ela prometeu dedicar ao Senhor a benção que o Senhor lhe concedesse, a saber um filho. É de todos nós conhecida a famosa declaração da irmã Ana: “Por este menino orava eu; e o Senhor atendeu à minha petição, que eu lhe tinha feito” (1Sm 1.27).
Dediquemo-nos a nós mesmos ao Senhor; dediquemos nosso casamento ao Senhor; dediquemos nossos filhos ao Senhor! Num mundo onde os descrentes oferecem seus filhos como ofertas à homossexualidade, à violência, aos vícios, à ideologia de gênero, à cultura irreverente e desregrada, ofertemos nossos filhos ao Senhor, a exemplo do que fez a irmã Ana. E ofertemos nosso próprio ser integralmente ao serviço do Senhor!
Aliás, esta é a maior dedicação que um crente pode fazer: oferecer-se a si mesmo a Deus como sacrifício vivo, santo e agradável (Rm 12.1)
Ofertas pacíficas de Davi
Como bem colocado por Claudionor de Andrade, “na biografia de Davi, encontramos não um rei, em primeiro plano, mas um homem apaixonado pelo Senhor. Tem-se a impressão de que ele andava de sacrifício em sacrifício e de voto em voto” [3].
De fato, Davi era um homem do altar, do sacrifício e da adoração, como se pode ver, por exemplo, em Salmos de sua autoria (22.25; 56.12; 61.5,8).
Como nos dias de Davi, um coração sincero e quebrantado, e ainda louvores dos lábios de um crente que teme ao Senhor são as verdadeiras ofertas que agradam a Deus hoje.
A oferta pacífica na vida diária
Toda oferta cristã é uma oferta de paz
Visto que o único sacrifício ou oferta pelo pecado a partir de Cristo é o seu próprio sacrifício expiatório, que é a base de nossa adoração, e sem o qual nenhum ato de adoração pode ser oferecido a Deus, pode-se dizer que toda oferta voluntária que apresentamos a Deus hoje é uma oferta de paz, de gratidão ou comunhão.
De que modo apresentamos ofertas pacíficas hoje?
Beckwith resume muito bem a linguagem sacrificial aplicada ao cristianismo:
“os ‘sacrifícios espirituais’ dos cristãos (1Pe 2.5; cf. Rm 15.16) incluem atos de adoração, como louvor e oração (Hb 13.15; Ap 5.8; 8.3), mas também atos de testemunho e serviço, como evangelização, dádivas para o ministério e donativos para os pobres (Rm 15.16,17; Fp 4.18; Hb 13.16), e atitudes compreensivas e expressões de devoção, como fé (Fp 2.17), a consagração da vida à vontade de Deus (Rm 12.1) e a dedicação de vida por amor ao evangelho (Fp 2.17; 2Tm 4.6; Ap 6.9). Os sacerdotes que apresentam esses sacrifícios são os ofertantes, isto é, os cristãos […], e o santuário onde eles os apresentam não é o templo em Jerusalém, mas o céu, ao qual, depois de o véu se rasgar, quem está no Espírito já tem acesso (Jo 4.21-24; Hb 10.19-25)” [4]
Uma palavra importante sobre fazer voto (espiritual)
Sobretudo entre irmãos pentecostais ainda é comum a prática do voto – e, claro, não estamos nos referindo a questões políticas, mas de religião. Na intenção de alcançar de Deus uma benção especial, especialmente diante de uma situação muito difícil e que não pode ser resolvida por mero esforço humano, assumimos com Deus um compromisso de retribuir-lhe com algo que lhe possa ser agradável, caso Ele seja favorável a nós naquela demanda que lhe apresentamos.
Pois bem, embora alguns considerem a prática do voto uma barganha com Deus, um tipo de negociação espúria, na verdade não é assim, pois se o fosse, então também deveria ser considerado barganha todo voto feito por um servo ou serva do Senhor nos tempos bíblicos, como alguns que vimos nesse estudo.
Transcrevo abaixo as boas e pertinentes colocações do pastor Claudionor de Andrade sobre esta questão, inclusive com muito discernimento sobre a soberania de Deus acima dos anseios de nossa alma:
“Fazer votos ao Senhor não constitui pecado algum. Lembro-me de que, certa vez, minha mãe fez um voto a Deus em favor de meu irmãozinho, que se achava gravemente enfermo. Segundo os médicos, a broncopneumonia acabaria por matar o Eliseu; um bebê frágil, já moribundo. Mas, para a nossa surpresa, Jesus interveio eficazmente, trazendo-o de volta à casa.
Não podemos fazer do voto, porém, um aríete [máquina de guerra] contra a vontade divina. Quer Deus no atenda, quer não, continua a ser Deus. Além disso, o voto não pode contemplar o costumeiro e o ordinário de nossas obrigações junto ao Reino de Deus; antes, deve compreender o incomum e o extraordinário” [5]
Conclusão
Aplicando ao contexto cristão, vimos que há muitas formas pelas quais podemos oferecer a Deus sacrifícios de gratidão e comunhão por tudo o que Ele é e por tudo o que Ele nos tem feito e ainda fará.
Que possamos retirar de nossa boca palavras de queixas e murmurações, que possamos corrigir nosso proceder diário e reorientar as intenções de nosso coração, de modo que em tudo demonstremos gratidão ao Deus que nos ama, que nos salvou e que está preparando a eternidade de paz junto ao Príncipe da Paz (Is 9.6) para cada um de nós!
Como dizia Paulo, “assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele, enraizados e edificados nele, firmados na fé, como foram ensinados, transbordando de gratidão“ (Colossenses 2.6,7, NVI).
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Referências
[1] Bíblia de Estudo Pentecostal, nota de rodapé, pp. 187,8
[2] Dicionário Bíblico Ilustrado, Vida Nova, p. 1270
[3] Claudionor de Andrade. Adoração, santidade e serviço: princípios de Deus para a sua Igreja em Levítico; CPAD, p. 118
[4] R.T. Beckwith. Novo Dicionário de Teologia Bíblica (Alexander e Rosner, orgs.), Vida, p. 1151
[5] Claudionor de Andrade. Op. cit., p. 117