estudos bíblicos

Reforma Protestante: Causas e consequências

“Por isto, nem o papa é a cabeça, nem são os cardeais o corpo da igreja santa, católica e universal. Porque somente Cristo é a cabeça, e seus predestinados o corpo, e cada um membro deste corpo”. John Huss

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Em 31 de outubro de 2017 comemoramos os 500 anos da Reforma Protestante, um dos acontecimentos mais notáveis da História do Cristianismo, tanto no aspecto teológico, quanto no político.

Dividiremos a análise desse evento tão importante para o Cristianismo em 3 partes, cuja primeira passamos a explanar a seguir.

Tão importante quanto conhecer o teor da Reforma Protestante, é conhecermos o contexto histórico da época em que ela foi deflagrada. A Europa vivia tempos de profunda decadência espiritual, arraigada por uma Igreja corrupta e cuja liderança era devassa, pouco vocacionada e mais política do que religiosa.

É desta época a citação do colendo Prof.º Justo Gonzalez, respeitável historiador espanhol, que, ao retratar a situação eclesiástica da Espanha no final do séc. XV, teceu as seguintes palavras: “…Os filhos bastardos dos bispos se moviam no meio da nobreza, reclamando abertamente os sangue de que eram herdeiros. Até o digníssimo dom Pedro Gonzáles de Mendonza, que sucedeu a dom Alonso Carrillo como arcebispo de Toledo, tinha pelo menos dois filhos bastardos. (…) Se isso ocorria no alto clero, a situação não era melhor entre os padres paroquianos, muitos dos quais viviam publicamente com suas concubinas e filhos. E visto que tal situação não tinha a permanência do casamento, eram muitos os sacerdotes que tinham filhos de várias mulheres.” (GONZALEZ, 2011).

Não por surpresa, o papa do momento acima narrado, era o famoso Alexandre VI (Rodrigo Borja), considerado um dos papas mais corruptos da história do papado. Tinha várias amantes e filhos, reconhecidos e bastardos. Homem que se vendia facilmente, ora agradando à Isabel, a Católica – Rainha de Castela, ora se aliando à Franca, inimiga declarada de Isabel. Quem pagava mais, de pronto alcançava as graças do ambicioso papa.

Como forma de agradar a rainha de Castela, Isabel, nesse período foi concedido à coroa espanhola a autorização para que esta iniciasse a sanguinolenta inquisição católica, conhecida à época como inquisição espanhola. Nesse tempo, a criatividade dos “detentores do poder espiritual” para torturar era sem medida. Citarei, a título de informação, os 5 mais famosos meios de tortura utilizados pela Igreja Católica no período da inquisição:

Cadeira da Inquisição: tratava-se de uma cadeira de madeira maciça com cerca de 2.000 pregos e tiras de couro para amarrar o “herege”. Sentava-se o inquirido na cadeira, onde os 2.000 pregos perfuravam todo o corpo do acusado. Era comum, ainda, que os requintes de crueldade chegassem a tal ponto de os pregos serem esquentados para que os furos durassem mais tempo. Segue a foto desse cruel instrumento de tortura:

Berço de Judas: Tratava-se de uma pirâmide de madeira, na qual o “herege” era jogado nu, após ser suspenso por cordas, de modo que fosse empalado. Ocorria de duas formas, podendo o acusado ser lançado de uma vez, ou ser solto lentamente, de maneira que fosse rasgado da região do reto até à pélvica. Segue a imagem do berço de Judas, tão utilizado pela inquisição católica:

Caixão da Tortura: Tratava-se de uma gaiola de metal, na qual os acusados de blasfêmia eram suspensos em plena praça pública, lá ficando até morrer, e, então, acabavam por serem comidos por animais carniceiros. Segue a imagem do referido caixão:

Arranca Seios: Essa ferramenta era esquentada e utilizada para arrancar os seios de mulheres acusadas de aborto e adultério. Os seios eram arrancados e a vítima sangrava até a morte. Veja a imagem dessa ferramenta:

A pera: Essa ferramenta era utilizada no início das torturas. Ela era inserida na vagina das mulheres, ou na boca do torturado, e ia-se abrindo até dilacerar as mulheres, ou quebrar o maxilar do acusado. Veja a foto:

Essas ferramentas de tortura foram utilizadas no auge da Inquisição Católica, período imediatamente anterior à deflagração da Reforma Protestante. É de se admirar que os ferrenhos defensores do catolicismo romano critiquem o movimento reformista, o que, de certo modo, os torna silentes e tacitamente ratificadores das barbáries praticadas pela Igreja Católica.

Ainda quanto ao contexto teológico da época, cerca de 70 anos do evento das 95 teses, o que é pouquíssimo tempo do ponto de vista histórico, o papa Nicolau V, em 18 de junho de 1452, editara uma bula intitulada Bula Papal Dum Diversas, por meio da qual este outorgara ao rei Português Afonso V o poder de escravidão no norte da África. Era vastamente conhecido o interesse do monarca português de dominar a região norte da África. Para tanto, encontrou guarida na autoridade papal para escravizar aquela população local. Veja o que ela diz:

“(…) outorgamos por estes documentos presentes, com a nossa Autoridade Apostólica, permissão plena e livre para invadir, buscar, capturar e subjugar sarracenos e pagãos e outros infiéis e inimigos de Cristo onde quer que se encontrem, assim como os seus reinos, ducados, condados, principados, e outros bens […] e para reduzir as suas pessoas à escravidão perpétua.”

A justificativa à época era que os pagãos não tinham alma, vez que estas pairavam por sobre suas cabeças. Assim, por não terem alma, não eram filhos de Deus, o que chancelava a sua escravidão livre e deliberada. E ainda há incautos que insistem em arrazoar que a instituição Igreja Católica Apostólica Romana corresponde ao corpo místico de Cristo, esquecendo-se, ou fazendo questão de olvidar, que a Igreja de Cristo são as pessoas que o tem como Senhor e Salvador, e não uma instituição governada por homens, sejam quais forem eles. Como apregoa as Escrituras: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” At 2:21

Ademais, as imposições e opressões protagonizadas pelo alto e baixo clero eram como uma moenda psicológica ante uma população majoritariamente pouco instruída e que carregava séculos de tradição supersticiosa gerada pelas ameaças de inferno por parte do pouco confiável clero católico.

Para entender o porquê de a população em geral ter pouco ou quase nenhum conhecimento bíblico, faz-se necessário viajar para quase 4 séculos antes da Reforma Protestante, em que o Papa Inocêncio III, em 12 de julho de 1199, na carta denominada “Cum ex iniuncto” aos habitantes de Metz, proíbe a leitura da Bíblia por parte dos leigos, ou seja, de todo aquele que não fosse sacerdote. Confira:

“O nosso venerável irmão, o bispo de Metz, nos fez saber com suas cartas que, seja na diocese, seja na cidade de Metz, uma considerável multidão de leigos e de mulheres, de certo modo atraída pelo desejo das Escrituras, fez traduzir em língua francesa os Evangelhos, as cartas de Paulo, o Saltério, os “Moralia in Iob”, de Gregório Magno e diversos outros livros; … assim, porém, aconteceu que em assembleias secretas os leigos e as mulheres presumem arrotar entre si tais coisas e pregar uns aos outros, e nem aceitam a companhia daqueles que não se associam a tais coisas (…) Também se o desejo de entender as divinas Escrituras e o zelo de exortar em conformidade com estas não mereça repreensão, mas antes, recomendação, tais porém parecem merecer censura, porque celebram pequenas reuniões próprias, usurpam para si o ofício da pregação. (…) Os abscônditos mistérios da fé não devem, porém, ser colocados à disposição de todos sem distinção, dado que não podem ser compreendidos de modo indistinto por todos, mas somente por aqueles que podem acolhê-los com uma inteligência crente. (…) Por isso, naquele tempo foi corretamente estabelecido na lei divina que o animal que tivesse tocado o monte Sinai fosse apedrejado, para que evidentemente um simples qualquer ou alguém sem instrução não presuma penetrar na sublimidade da sagrada Escritura ou pregá-la a outros. (…) Sendo pois na Igreja a categoria dos doutores de certo modo singular, não deve qualquer um de modo indistinto reivindicar para si o encargo da pregação.”

Essa carta papal simplesmente dizia que os leigos eram incapazes de conhecer as verdades de Deus nas Escrituras, devendo isto ficar a cargo, exclusivamente, do clero. Ora, o povo sequer podia ler a Bíblia, como então contestaria as heresias e mazelas praticadas por muitos dogmas instituídos pela Igreja dominante da época? O Catolicismo Romano já estava tão apartado do verdadeiro evangelho que desconsiderava que o princípio da sabedoria é o temor do Senhor, e que o Espírito Santo fala e instrui no mais íntimo de um coração temente a Deus.

Todavia, como Deus tem controle de todas as coisas, Martinho Lutero era monge e professor de Teologia, motivo pelo qual teve acesso às Escrituras Sagradas, inclusive nas línguas originais. E esse foi o evento mais marcante na vida de Lutero: poder conhecer verdadeiramente a vontade e a Palavra de Deus, percebendo que muitos dos dogmas pregados e vividos naquele momento eram meios de manipulação do povo, que em nada tinham afinidade com a mensagem de Cristo.

É bem verdade que Lutero não queria criar uma nova religião, mas corrigir as práticas heréticas do catolicismo romano. Nesse sentido, era comum à época a realização de um debate em praça pública sempre que houvesse uma divergência teológica sobre determinado ponto, de modo que o povo pudesse conhecer as duas posições divergentes. Nesse prisma, Lutero desafia o papa Leão X a um debate em praça pública para dirimir as controvérsias levantadas. Obviamente, o papa não compareceu, o que levou Lutero, no dia 31 de outubro de 1517, a afixar, na porta da Igreja de Wittenberg, suas 95 teses que combatiam as heresias dominantes, estas que iam de encontro à Palavra de Deus, contrariando o que Jesus ensinou, criando dogmas humanos eivados de pecados, sede de poder e deterioração do clero, além de impedir os pequeninos de verdadeiramente conhecerem a Deus. Estava oficialmente deflagrada a Reforma Protestante. Continuamos no próximo artigo…

Que Deus te abençoe grandemente, em nome de Jesus!

Referências:
GONZALEZ, Justo L.. Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Sonhos Frustrados. Vol 5;
GONZALEZ, Justo L.. Uma História Ilustrada do Cristianismo: A Era dos Reformadores. Vol 6.

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