opinião
Teo-boys: Os “influenciadores” modernosos que espancam o evangelho, mas de um jeito “meigo”
O que se busca é um “Jesus brother”.
Li, certa vez, uma reportagem do G1 na qual a jornalista Carol Prado, tratando de um cantor norte-americano da Geração Y ou Millennial (o rapper Post Malone), dizia que ele dava a sensação de pedir “um cafuné o tempo todo”, fazendo o estilo “eu sou como vocês, não sei como cheguei até aqui”.
De forma consciente ou não, a matéria apontava para alguns dos aspectos mais caros à pós-modernidade, relacionados a uma busca incessante por autenticidade, aceitação, entretenimento e horizontalidade nas relações pessoais, além de uma desconfiança quanto a sistemas vistos como fechados, distantes e impessoais.
Na hora, minha mente associou aquele cantor moderninho de rap domesticado a certos pregadores e “pastores” que atuam em nosso país como influenciadores digitais na linha da autoajuda – qualquer semelhança não será mera coincidência. Daí, não será difícil constatar que “teo-boys” é meu neologismo para designar jovens da Geração Y que manipulam a teologia cristã conforme sua agenda de valores.
Reparem nestes trechos da referida matéria:
“Seu estilo despretensioso, as roupas que parecem pijamas (o desta noite tinha estampas com referências ao Brasil), o sorriso fácil e as tatuagens meio adolescentes transformaram de uma hora para outra o cantor de 23 aninhos num ícone millennial”.
“O rapper lida com os fãs como se pedisse um cafuné o tempo todo. Por isso, muitos o veem como uma espécie de ursinho carinhoso do rap”.
“Se Post já ganhou a antipatia de alguns por dizer que o rap serve é para se divertir, para seus seguidores não importa. Eles só querem isso mesmo” [grifei].
Pensem agora nesta cena: num teatro lotado, luzes apagadas, um jovem de boa aparência, levemente vestido, iluminado na ribalta e seguido por uma multidão no Instagram diz, com voz doce e suave, as seguintes heresias retumbantes: “De Jesus, você é o centro”, e “Você é o ponto fraco de Deus”. Os recursos de oratória somam-se ao cenário “horizontal” e à produção de qualidade profissional para revestir as heresias com as roupas do aconchego e da simplicidade. Mas, tudo bem: eles só querem isso mesmo…
Esse público também se sente tocado, sensibilizado ou integrado com pregadores que, numa cenário de tipo stand up, dizem coisas como “Eu sou tão justo que não me sinto inferior a Deus” ou “Você tem o mesmo valor que Jesus”; e atende gostosamente a palestras do pretenso guia de pastores à moda coaching.
Pululam, nas redes sociais, críticas a essa geração de “ursinhos carinhosos” da teologia, e é melhor criticá-los do que cair em sua pregação.
No entanto, é preciso saber:
- por que eles fazem tanto sucesso;
- qual o contexto histórico e filosófico em que se inserem;
- como podemos alcançar os adolescentes e jovens sem veicular uma mensagem que não seja cristã.
Quanto ao contexto histórico e filosófico, já adiantei aqui que se trata da pós-modernidade, mas o líder de igreja e todos os interessados na saúde espiritual dos crentes brasileiros precisam buscar meios de conhecer a origem desse e de outros fenômenos tão vívidos em nossa realidade.
Ao longo da história da Igreja, diferentes movimentos surgiram em torno de dois eixos, que podemos chamar de autenticidade e tradição.
Na Idade Média, esses dois polos foram representados pelo monasticismo e pelo papismo – cristãos verdadeiros tiveram de aderir a um ou outro.
Petrobrussianos, henricianos, valdenses, franciscanos, morávios, pietistas, puritanos, evangélicos na Igreja Anglicana, menonitas, quacres, holiness, metodistas, pentecostais, diversos movimentos reformadores e/ou restauracionistas apareceram com uma ênfase na autenticidade cristã, e essa mesma busca pode explicar, ao menos parcialmente, a triste situação dos desigrejados, que, na procura por uma vida cristã verdadeira, não conseguem enxergar tal possibilidade nas estruturas eclesiásticas denominacionais ou, de qualquer modo, organizadas.
À medida que os movimentos reformadores e/ou restauracionistas dão origem a novas igrejas, e estas edificam suas tradições, torna-se possível um novo choque entre os entusiastas do passado e os contestadores do presente. Então, renova-se o conflito, que é (também, mas não só) um conflito de gerações.
Se, por um lado, jamais posso enxergar esses “teo-boys” como reformadores da Igreja ou legítimos representantes de um movimento de restauração, eu, por outro lado, vejo que eles estão “atacando” grandes contingentes de pessoas ávidas por encontrar sentido em suas vidas, justamente num mundo pós-moderno, que, por definição, rejeita a própria noção de significado ou a viabilidade de acessar qualquer sentido metafísico ou transcendente.
Por terem aprendido, na escola e, enfim, na cultura ocidental, que não existem “sistemas totalizantes” ou “metanarrativas”, esses crentes pós-modernos nem buscam mais uma teologia que responda às grandes questões do Universo e do Ser, mas se “contentam” com um afago, uma palavra amiga, uma oferta de pertencimento e conexão num mundo fragmentado e “sem sentido”, apenas para que sua existência caótica junte os cacos e prossiga somando momentos felizes (carpe diem).
Bem por isso, não é brincadeira afirmar que se trata de um Movimento do Jesus Adolescente: o que se busca é um Jesus brother, que se sente ao lado e chore junto, ainda que nem ele mesmo tenha respostas “totais” e “definitivas” – mas esse não é o Jesus revelado na Bíblia Sagrada.
Se conseguirmos fazer um bom diagnóstico, seguir-se-á a parte mais importante da tarefa: como alcançar essas vidas que hoje se sentem acolhidas pelo discurso dos teo-boys? Uma reação que me parece comum em instituições consolidadas é o reforço da identidade e da tradição, o que, penso eu, faz parte da solução. Entretanto, se somente reforçarmos a identidade e a tradição sem um correto entendimento do problema, seremos legalistas e tradicionalistas, e perderemos uma chance extraordinária de reformar a nós mesmos.