estudos bíblicos

Vivendo em constante vigilância

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 12 do trimestre sobre “Batalha espiritual”

em

Lamparina. (Photo by Randy Fath on Unsplash)

Na Lição de hoje estudaremos um dos temas mais importantes no tocante à batalha espiritual: vigilância. Estamos falando de uma tática espiritual que todo soldado de Deus precisa adotar, para que não se faça alvo fácil de ataques, nem deixe perder aquilo que foi confiado a seus cuidados.

I. O significado de vigilância

1. Vigiar, estar alerta

No registro da exortação de Jesus para que seus discípulos vigiassem – “vigiai e orai” (Mt 26.40) – a palavra usada no texto grego é gregoreó, que segundo a renomada concordância de James Strong significa: (1) dar estrita atenção ou ser cauteloso e (2) tomar cuidado para que por causa de negligência e indolência nenhuma calamidade destrutiva repentinamente surpreenda alguém. São ao total 23 ocorrências [1] desta palavra no Novo Testamento, o que demonstra a importância dela para a conduta do cristão que almeja verdadeiramente viver em santidade e finalmente encontrar-se com seu Senhor.

Segundo Vine [2], o termo gregoreó contrasta com a falta de firmeza e a indiferença. Portanto, quem vigia precisa manter a postura firme, como um soldado designado para a guarda de uma fortaleza; precisa também levar em conta todo perigo em volta, observando atentamente tudo o que ocorre e precavendo-se de possíveis ataques, como vigias que fazem segurança de carros-fortes. O bem que preservamos é muito mais valioso que todo dinheiro do mundo, o que demanda de nós maior vigilância do que daqueles que guardam os tesouros terrenos que são perecíveis. “Guarda o bom depósito”, orienta Paulo ao jovem obreiro Timóteo (2Tm 1.14). John Stott interpreta essas palavras como um chamado à defesa e preservação do evangelho genuíno contra os hereges que estão prontos a corrompê-lo e desta forma roubar da igreja o inestimável tesouro que lhe foi confiado. Pastores e líderes em geral necessitam indispensavelmente de vigilância, e não serem indiferentes quanto às ameaças de falsos pregadores com seus falsos ensinos!

2. Vigiar, não dormir, cuidar

Outra palavra neotestamentária traduzida em nossa língua por “vigiar” é agrypneo, que é formada de outras duas palavras em grego: a (partícula negativa, semelhante ao nosso “não”) e hypnos, que tem a ideia de silêncio ou sono (Hipnos era o deus do sono na mitologia grega). De hypnos vêm termos conhecidos em nossa língua portuguesa, como hipnose, que é um estado de total passividade como no sono. Assim, agrypneo significa literalmente não entrar em sono ou apenas não dormir. Ninguém contrataria um vigia que dorme na hora do trabalho!

As únicas quatro ocorrências do verbo agrypneo no Novo Testamento são essas:

(1) Marcos 13.33 – o significado aqui é de não dormir nunca (no sentido de não ser displicente), mas manter a vigilância constante, visto que o retorno de Cristo pode se dar a qualquer momento e não devemos ser pegos de surpresa;

(2) Lucas 21.36 – tem o mesmo significado acima, mas enfatizando o livramento, mediante a vigilância, tanto do pecado que nos assedia como do juízo vindouro que cairá sobre o mundo;

(3) Efésios 6.18 – atrelada à perseverança e à oração, a vigilância aqui significa não ceder à preguiça ou desânimo (como os que dormem), mas orar e interceder com firmeza e constância. O contexto é da batalha espiritual contra principados e potestades do mal;

(4) Hebreus 13.17 – fala dos pastores que “velam” (ARC, ARA) ou “cuidam” (NVI, ALM21) das ovelhas. Ao contrário do mercenário, que é egoísta e avarento e que foge do redil ao ver se aproximar o lobo, deixando as ovelhas sozinhas (Jo 10.12), o verdadeiro pastor está atento aos perigos, vigiando suas ovelhas constantemente e cuidando delas. Cuida contra a imoralidade crescente; cuida contra as heresias que se disseminam lá fora; cuida contra ensinos nocivos que possam ser semeados na igreja; cuida para assegurar a comunhão dentro do rebanho, etc.

3. Vigiar e estar sóbrio

Há uma correlação entre os termos vigiar e estar sóbrio no Novo Testamento. Ser sóbrio é estar calmo, sereno de espírito, sob moderação, tendo o controle de suas emoções e vontades. É o contrário de embriagado, descontrolado ou estar fora de si. Você confiaria a vigilância de sua casa a um homem bêbado? Você confiaria a guarda de seus filhos a um homem ou mulher descontrolados? Você confiaria a guarda de um bem nas mãos de uma pessoa que parece sofrer distúrbios mentais? O bom vigia não se embriaga, não vive se entorpecendo com drogas, nem toma para si qualquer coisa que possa interferir em sua visão e clara percepção das coisas! O bom vigia tem bom discernimento.

Em razão dessa ligação entre vigilância e sobriedade é que Paulo e Pedro escrevem:

“Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios” (1Ts 5.6)

“Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1Pe 5.8)

Há muita coisa secular querendo nos entorpecer ou embriagar, desde as bebidas alcoólicas e drogas diversas aos entorpecentes morais como a fama, o apetite sexual desordenado, o dinheiro, o excesso de entretenimento (especialmente entretenimento digital – computador, celular, TV, etc.). Se não buscarmos no Espírito o fruto chamado “domínio próprio”, “moderação” ou “temperança” (Gl 5.22) poderemos ser sugados por estas coisas, nos tornamos viciados nelas e acabar tendo nossos sentidos drasticamente reduzidos e nossa percepção espiritual embaçada. Sejamos sóbrios, caros irmãos!

II. Jesus no Getsêmani

1. Getsêmani

O poeta Emílio Conde compôs alguns dos mais belos hinos do famoso hinário pentecostal brasileiro, a Harpa Cristã. Dentre eles, este que fala dos momentos em que Jesus, sozinho, orava ao Pai instantes antes de sua prisão:

No jardim Jesus Cristo clamava
Quando os ímpios O foram prender
E falando co’o Pai suplicava
Pelo cálice que ia beber
[3]

Era no Getsêmani que ele estava, onde foram travadas as maiores batalhas de Jesus em seu ministério antes de ir à cruz. Boyer comenta que “A intercessão desta noite influenciou o céu, a terra e o inferno para todo o sempre”. De fato, ali foi o lugar da grande decisão quanto a beber todo o cálice ou não beber.

Após a ceia, ele chama seus discípulos com ele (com exceção de Judas Iscariotes, que já havia se retirado para a traição), deixa oito deles na entrada do lugar e leva outros três consigo para dentro do Getsêmani. Todavia, também destes três Jesus toma certa distância – “E, indo um pouco adiante…” (Mt 26.39) – e, sozinho, passa a agonizar em oração diante do Pai.

Aos discípulos foi dada a ordem: “ficai aqui e vigiai comigo” (v. 38). Há momentos de orar, e há momentos de vigiar – essa era a hora dos discípulos vigiarem tanto seu próprio temperamento, devido o que estava prestes para acontecer, quanto vigiarem também o ambiente, garantido que o Senhor pudesse dedicar-se à oração, sem interrupções desnecessárias. Infelizmente, como constatou o Senhor (vv. 40-45), os discípulos não mantiveram a posição vigilante e entregaram-se ao sono.

2. A angústia de Jesus

Mateus registra que Jesus “começou a entristecer-se e a angustiar-se” (Mt 26.37), mas Lucas escreve em cores mais vibrantes a agonia de Jesus: “E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra” (Lc 22.44, ARA). Não é possível ser dogmático quanto ao que o médico Lucas está realmente dizendo aqui, mas Keener dá-nos duas possibilidades de interpretação:

Alguns textos antigos relatam o fenômeno raro de suar sangue; a expressão de Lucas talvez se refira, de fato, a esse fenômeno (ocasionalmente associado, hoje, a situações de estresse extremo), ou talvez signifique apenas que Jesus está suando profusamente e o suor goteja como se fosse sangue. [4]

Seja como for, tamanha era a angústia de nosso Senhor! Mas qual a razão de tamanha tristeza e dor?

3. O cálice

Como bem colocado no comentário da Lição por Esequias Soares, “o seu pavor não era a morte, mas o ser separado do Pai ao assumir os pecados de toda a humanidade (2Co 5.21)”. De fato, é aqui onde muitos caem no engano de pensar que como homem Jesus temeu a morte e por isso rogou insistentemente ao Pai para livrar-se dela, se isso fosse possível. Entretanto, mesmo em sua humanidade Jesus não temia a morte, e há razões óbvias para isso: ele veio consciente de que deveria morrer – esta era a sua grande missão; ele mesmo exortou seus discípulos para que não temessem os que matam o corpo. O cálice que ele pede ao Pai que passe dele, se lhe for possível, é o cálice da ira pelo qual o Pai viraria o rosto de seu Filho, quando nele pesassem os pecados do mundo inteiro! “Deus meu! Deus meu! Por que me abandonastes?” (Mt 27.46) – era esse abandono, ainda que temporário, que o Filho não queria sofrer.

Orlando Boyer comenta essa passagem com muita clareza e explica-nos:

A minha alma está profundamente triste (Mc 14.34): A morte de Jesus na cruz não lhe foi imprevista. Anunciada desde o Éden, proclamada pelos profetas, prefigurada no Velho Testamento, estava constantemente perante Ele. E Ele mesmo a revelou aos discípulos desde o tempo que resolveu firmemente ir a Jerusalém, Mt 20.17-19. Anunciou-a simbolicamente quando nesta mesma noite, instituiu Sua Ceia. Mas foi sempre com toda a calma. Parece que este maior grau de tristeza que começou a sentir em Getsêmani, como jamais antes, foi por causa do peso do pecado do mundo que começou a levar. Não pode chegar a ter contato com a culpa e iniquidade da humanidade sem Sua alma pura sentir uma “tristeza mortal”. São somente os cegos de espírito que não sentem o grande horror com o pensamento de ficarem separados de Deus, Mc 15.34. [5]

Há em nós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus? Há em nós tamanho anseio e zelo pela presença do Pai? Ou para nós tanto faz ficarmos longe de sua presença? No Getsâmani, Jesus nos convida: “ficai aqui e vigiai comigo”. Deus no dê este mesmo sentimento de profundo desejo pela comunhão perene com o nosso Pai!

III. Exortação à vigilância

1. No contexto escatológico

Como comentado no primeiro tópico, nos textos de Marcos 13.33 e Lucas 21.36 temos a exortação de Jesus para vigilância, tendo em vista sua vinda iminente (pode se dar a qualquer instante) e das recompensas que cada um receberá, bem ou mal, conforme suas obras. O texto de Apocalipse 16.15 é um alerta: “Eis que venho como ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia, e guarda as suas roupas, para que não ande nu, e não se vejam as suas vergonhas”.

Jesus, desde o sermão do monte, ensinava que somente os limpos de coração verão a Deus (Mt 5.8), e é uma verdade axiomática das Escrituras que sem santificação ninguém verá o Senhor (Hb 12.14). Portanto, os que vivem a bendita esperança do arrebatamento da Igreja precisam manter uma posição firme até que ele volte! Não podemos cair no sono da indolência (que não sente dor, que não reage), antes devemos estar acordados, atentos ao “pecado que tão de perto nos rodeia” (Hb 12.1), e, na torre de vigia, termos cuidado de nós mesmos para não cairmos em tentações (Gl 6.1).

2. Na vida cristã

O Salmo 141, de Davi, é um texto belíssimo sobre os cuidados que um servo do Senhor precisa ter em sua vida diária. Todavia, como ele não pode de si mesmo vencer as tentações e ter garantia de vitória contra o mal, pede humildemente o auxílio divino:

“SENHOR, a ti clamo, escuta-me; inclina os teus ouvidos à minha voz, quando a ti clamar. Suba a minha oração perante a tua face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde. Põe, ó Senhor, uma guarda à minha boca; guarda a porta dos meus lábios. Não inclines o meu coração a coisas más, a praticar obras más, com aqueles que praticam a iniquidade; e não coma das suas delícias” (vv. 1-4)

Precisamos vigiar nossa mente para que não se transforme em ninho de impurezas; precisamos vigiar nosso coração para que os desejos e as emoções não se entreguem ao que é ilícito e indecente; precisamos vigiar nossas mãos para que a violência e a maldade não se apropriem delas; precisamos vigiar nossos lábios para que em todo tempo nossas palavras sejam temperadas com sal, agradáveis aos que ouvem (Cl 4.6); precisamos vigiar nossos pés para que nossos caminhos sejam sempre aprovados pelo Senhor!

Cônjuges devem vigiar seu casamento (sem ciúme doentio, mas com aquele mesmo zelo que Cristo tem pela Igreja, sua Noiva amada); pais devem vigiar seus filhos (veja-se a maldade multiplicando entre os adolescentes e jovens, muitos influenciados por jogos digitais saturados de violência, ocultismo e outros males); e pastores devem vigiar seu rebanho (não no sentido de intrometer-se em questões de foro íntimo de cada membro, mas no sentido de acompanhar o desenvolvimento espiritual e moral das suas ovelhas).

Temos três razões para a vigilância constante:

(1) “o diabo anda em nosso derredor, buscando a quem possa tragar” (1Pe 5.8)
(2) “o pecado tão de perto nos rodeia” (Hb 12.1)
(3) “a carne é fraca” (Mt 26.41)

3. Vigiar e orar

Assim como vigilância e sobriedade, vigilância e oração também constitui um par inseparável! “Vigiai e orai”, exorta Jesus aos seus discípulos (Mt 26.41). Há os que observam muito e oram pouco – tornam-se juízes de todas as situações e de todas as pessoas, mas fracassam na comunhão com Deus; por outro lado, há os que oram muito, mas estão sempre dando lugar ao pecado e fracassando tão logo ponham-se de pé, devido não guardarem vigilância. Se em nossa vida vigilância e oração forem um dueto, que maravilhosa canção será nossa conduta diária para Deus!

4. O espírito e a carne

Infelizmente os discípulos de Jesus não conseguiram vigiar, isto é, manterem-se acordados e atentos nem por uma hora sequer enquanto estavam no Getsêmani (Mt 26.40). Na verdade, Jesus bem poderia perguntar a muitos de nós hoje que tão facilmente nos acomodamos ao ativismo profissional ou ao entretenimento que a TV e a Internet proporcionam: “nem uma hora pudeste vigiar comigo?”. Alguns se escusam na “falta de tempo” para orar, ler a Bíblia, louvar ao Senhor e dedicarem-se exclusivamente à adoração por algumas horas do dia. Mas quantas horas mais Deus precisaria nos dar além das 24 horas diárias para que nos dedicássemos à oração, ao estudo da Palavra e ao louvor ao Seu nome? Será que nos falta tempo ou falta, em verdade, disciplina e correta mordomia do tempo? Deus irá cobrar o tempo que desperdiçamos com futilidades…

Jesus diz que é preciso vigiar e orar para que não entremos em tentação, pois “o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26.41). Que querem estas últimas palavras dizer é motivo de divergência entre os expositores bíblicos. Entendo que em face do contexto, Jesus está dizendo que há sempre uma boa vontade para fazer o que é certo, mas a carne (isto é, o corpo, e não carne no sentido teológico como referindo-se à inclinação carnal, pecaminosa) é fraca. Ou seja, Jesus está fazendo uma constatação que muitos de nós também já fizemos: queremos passar vigílias com Deus, mas o corpo quer dormir; queremos jejuar, mas o corpo pede por comida; queremos realizar propósitos espirituais, mas o corpo entrega-se ao enfado. Que fazer? Não desistir, nem se entregar à indisciplina. Vigiai e orai! Afinal, “o reino de Deus é tomado a força” (Lc 16.16).

Temos disciplina pra todas as questões seculares (estudo, trabalhos, lazer, etc.), mas fracassaremos na disciplina quanto às coisas espirituais? Vigiai e orai! Necessitamos mais da presença de Deus do que dos diplomas, do salário ou das férias! Então, não sejamos descuidados quanto à nossa vida espiritual. Ponderemos em nossa coração a exortação paulina: “Tu pois, sofre as aflições, como bom soldado de Jesus Cristo. Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (2Tm 2.3,4), e ainda esta também: “Se sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará” (v. 12).

Conclusão

Há muitas figuras usadas na Bíblia para ilustrar o caráter, a conduta e o trabalho do cristão: o atleta, o agricultor, o pescador, o soldado, o mensageiro, etc. Hoje aprendemos que a figura do vigia ou guarda é igualmente apropriada para descrever a postura atenta e prudente que deve ser adotada pelo cristão. Somos sentinelas de Deus neste mundo! Não deixemos as trevas pegar-nos de surpresa, não ignoremos os ardis de satanás, nem negligenciemos o cuidado com nossa própria natureza humana. Ajude-nos Deus a colocar em prática tudo o que aprendemos. “Guarda o que tens para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3.11)

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Notas e referências

[1] Embora a Lição diga 22 vezes, são, na verdade, 23 vezes ao total a ocorrência do verbo gregoreó no Novo Testamento
[2] Dicionário Bíblico Vine, CPAD, p. 1059
[3] Harpa Cristão, 296, 1° estrofe
[4] Craig Keener. Comentário histórico-cultural da Bíblia Novo Testamento, Vida Nova, p. 280
[5] Orlando Boyer. Espada Cortante 2, CPAD, p. 186

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