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opinião

A minha fé não precisa do carimbo da ciência

Não diabolizemos a ciência, nem a divinizemos.

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Microscópios. (Photo by Ousa Chea on Unsplash)

De forma recorrente vamos vendo na imprensa religiosa uma certa excitação, de cada vez que surge uma notícia que dá conta de novos achados arqueológicos, que parecem dar razão aos relatos históricos vertidos nos textos bíblicos.

O tom é sempre o mesmo: afinal a Bíblia tinha razão! Os crentes procuram assim encontrar em tais notícias um reforço positivo para a sua fé nas Escrituras.

Um dos perigos que daí decorrem é o de passarem a fazer uma leitura literalista da totalidade dos textos bíblicos, perdendo o discernimento hermenêutico que se impõe. Sabemos que a Bíblia não é um compêndio de História, apesar de conter livros históricos, em particular para dar conta do percurso do povo da Aliança. Sendo assim, para compreender o trajeto do Antigo Israel torna-se necessário lançar mão também de outras fontes documentais.

Também sabemos que não é um tratado de ciência, apesar de assinalar diversos conceitos de base científica muitos séculos antes de terem vindo a ser comprovados empiricamente. Todavia os textos escriturísticos devem ser lidos sempre à luz dos conhecimentos da época, pois foram escritos em primeira mão para as populações do tempo. Um dos exemplos mais flagrantes é o de se afirmar a dada altura que o sol parou, no relato de Josué: “E o sol se deteve” (Josué 10:13).

Os críticos aproveitam-se de elementos deste tipo para questionar a validade dos textos bíblicos e ainda mais a sua inspiração sobrenatural. Acontece que não faria qualquer sentido referir o fenômeno de outra forma, uma vez que se pensava à época que era o sol que girava à volta da terra. Quando os filhos são muito pequenos os pais falam com eles não com linguagem de gente crescida, mas tendo em conta o imaginário infantil, a sua curta experiência de vida e a inerente conceptualização do mundo à sua volta, de modo a que a comunicação seja recebida e entendida.

Mas o maior risco que vejo aqui é o de subverter a verdadeira natureza da fé. Vejamos. Se eu preciso da ciência para fundamentar a minha crença já estou a desvalorizar o papel da fé. Se eu passo a crer nas Escrituras e em Deus em função de determinados sinais arqueológicos que confirmam correspondentes relatos bíblicos, então não passo de um incrédulo. Se preciso que a ciência me diga que certa cidade relatada no Antigo Testamento existiu mesmo, para eu crer, ou que houve mesmo um dilúvio, ou que os hebreus passaram mesmo a seco do continente africano para a península do Sinai, então a minha fé está colocada na ciência e não em Deus e na Sua Palavra.

“Cri, por isso falei”, dizia o salmista (Salmo 116:10), celebrando a sua libertação. Mas a razão por que o salmista exerceu fé está explicada logo nas primeiras palavras do poema: “Amo ao Senhor” (verso 1). Quando amamos a Deus, cremos no que Ele diz. A Sua Palavra é luz que nos ilumina o caminho: “Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho” (Salmos 119:105).

A tendência para sobrevalorizar as descobertas científicas que vão ao encontro dos fundamentos de fé do cristão não podem substituir o exercício da fé – uma das três grandes virtudes teologais – sem a qual nem sequer é possível agradar a Deus, pois “é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11:6).

Provavelmente este evidente desvio da ortodoxia cristã é fruto do secularismo reinante e duma certa glorificação da ciência que impera no mundo ocidental desde a Modernidade. Mas para o fiel tanto a fé verdadeira como a verdadeira ciência são companheiras de jornada que não se guerreiam, nem se cruzam, nem se chocam, uma vez que, sendo de diferente natureza, trabalham em planos distintos.

Não diabolizemos a ciência, nem a divinizemos. Consideremo-la como ela é, uma expressão da multiforme graça de Deus dada aos homens, a fim de melhorar a nossa vida terrena, mas também um caminho – tal como a beleza e as artes – para glorificar o Deus que entretanto se revelou a nós, em Jesus Cristo, através das Escrituras.

Os primeiros cientistas europeus eram cristãos e tinham por motivação e como objectivo maior das suas investigações conhecer melhor os segredos da Criação (seres vivos, organismos, processos e sistemas), de modo a glorificar o Criador.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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