estudos bíblicos

A rebeldia de Saul e a rejeição de Deus

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 6 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.

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Rei Saul. (Foto: Reprodução / Record TV)

Na Lição de hoje estudaremos sobre o declínio espiritual do primeiro rei de Israel, e quais as lições podemos extrair para que não tenhamos semelhante fim ao de Saul.

Veremos quão grave é desobedecer a Deus e esconder-se sob uma capa de falsa religiosidade. Com a Bíblia em mãos, iniciemos este estudo.

I. Definição de rebeldia

1. Conceito

Nos noticiários policiais, especialmente, usa-se muito a palavra “rebelião” para se falar da conduta de criminosos encarcerados. “Os presos estão em rebelião há quatro dias…”, ouvimos de quando em quando. Um conceito que nossos dicionaristas nos oferecem para rebelião é a decisão de não mais acatar ordens ou de não aceitar a autoridade de um poder constituído.

Quando falamos de “filhos rebeldes”, por exemplo, falamos de filhos que não se sujeitam aos seus pais nem honram a autoridade deles, antes vivem segundo suas próprias vontades e decisões.

2. Aspecto bíblico

O Dicionário Bíblico Wicliffe pontua que no Antigo Testamento “a rebelião fala de um retorno ou volta à velha vida de pecado e à adoração aos falsos deuses”[1]. Embora os primeiros erros do jovem rei Saul não incluíssem atos de idolatria, isto é, culto aos ídolos, sua transgressão ao expresso mandamento divino por meio do profeta Samuel o fizera semelhante aos que cometem tal pecado (1Sm 15.23). O rebelde que não se submete à autoridade ordenada por Deus é tão pecador quanto o idólatra!

Também o Dicionário Bíblico Ilustrado acrescenta que a rebelião é uma “conduta ou discurso incitando à revolta contra a autoridade constituída, ou outro representante do governo legítimo”[2]. De fato, não vemos em momento algum Saul usando de discursos para promover revolta contra Deus e distanciar o povo por ele liderado contra Iavé. Todavia, é a conduta reiteradamente desobediente do rei que promove essa rebelião. Diz o ditado que as palavras convencem, mas o exemplo arrasta! Para onde Saul esperava arrastar o povo, com seu exemplo de desobediência ao porta-voz do Senhor?

Um líder de má conduta certamente influenciará seus liderados para o mesmo comportamento reprovável. E isso, Deus jamais irá tolerar!

3. O cristão e a rebelião

O tempo inteiro o Novo Testamento ensina os cristãos a submissão, que é o oposto de rebelião. Submissão é sujeitar-se à autoridade e honrar a liderança que está posta. Submissão é a ética do evangelho!

As mulheres são chamadas à submissão aos seus maridos (Ef 5.22); os filhos são chamados à submissão aos pais (Ef 6.1,2); o povo é chamado à submissão aos governantes e demais autoridades (Rm 13.1; 1Pe 2.13); as ovelhas são chamadas à submissão aos seus pastores (Hb 13.17); os servos (ou empregados) são chamados a se sujeitarem aos seus senhores (ou patrões) (1Pe 2.18); somos chamados à submissão recíproca, tendo o outro sempre como superior à nós (Ef 5.21; Fp 2.3); a Igreja é chamada à submissão a Cristo (Ef 1.22; Tg 4.7). Até mesmo Cristo deu-nos exemplo de submissão ao Pai, mesmo em face da morte de cruz (Fp 2.8).

Todavia, aos que preferem rebelar-se, o Novo Testamento Também é claro quanto as consequências: correção de Deus (Hb 12.6; 1Co 11.32), perda de recompensas (2Co 5.10; 1Co 3.15), perda de comunhão (1Jo 1.7), remoção de uma posição útil (1Co 5.5; 11.30), e, não raro, até mesmo a morte (1Co 11.30).

Na segunda Carta a Timóteo, capítulo 3, o apóstolo Paulo previu pelo Espírito Santo que os “últimos dias” seriam marcados pela multiplicação de homens rebeldes, isto é, “desobedientes a pais e mães” (v. 2) e “obstinados” ou “precipitados” (v. 4, NVI). Esta última palavra, no texto grego é propetes, que pode ser traduzida por precipitado, apressado ou despreocupado. Neste sentido, o pastor e teólogo Fábio Henrique faz algumas colocações pertinentes ao nosso estudo sobre o declínio da liderança de Saul:

“Uma pessoa precipitada é uma pessoa temerária e imprudente, que age irrefletidamente obedecendo ao impulso do momento. Ela não pensa bem antes de agir apressadamente, e se atreve a correr riscos demasiados e desnecessários. Os inconsequentes são açoitados e não avaliam antecipadamente os efeitos dos seus atos. As pessoas precipitadas muitas vezes pecam pelo excesso de pragmatismo, por quererem agir rápido para resolver determinada situação. Essa impulsividade pode levar as pessoas a falarem, tomarem decisões ou fazerem coisas que posteriormente as levarão a lamentarem por terem agido inconsequentemente” [3]

Não se encaixam na conduta de Saul essas descrições acima? Lamentavelmente há não poucos crentes hoje, inclusive lideranças, comportando-se com esta mesma conduta precipitada, teimosa e rebelde, contrariando princípios da Palavra de Deus, desonrando autoridades eclesiásticas e satisfazendo a própria “soberba da vida” (1Jo 2.12).

II. A rebeldia de Saul

1. Não cumpria com a ordem divina

O declínio de Saul não demorou acontecer. Conforme registro do décimo terceiro capítulo de 1Samuel, o seu primeiro ato de desobediência ocorreu ainda no segundo ano de seu governo (v. 1), quando Saul não aguardou os sete dias ordenados pelo profeta Samuel, que viria até ele em Gilgal para oferecer sacrifícios a Deus antes da batalha contra os filisteus, além de dar ao rei conselhos e direções sobre a guerra (conf. 1Sm 10.8).

Saul, porém, parece não ter aprendido com sua primeira derrota pessoal e, mais à frente, comete outro ato de desobediência, quando no décimo quinto capítulo de 1Samuel, tendo recebido ordens para aniquilar totalmente os amalequitas (incluindo pessoas e animais), o monarca cumpre apenas parte da ordem, poupando ao rei Agague (talvez, como Payne pondera, visando alguma vantagem política, financeira e diplomática com outros grupos amalequitas[4]) e ainda permitindo ao povo poupar “o melhor das ovelhas e dos bois, os animais gordos, os cordeiros e tudo o mais que era de bom” (1Sm 15.9), sob o falso pretexto de “sacrificar ao SENHOR, o seu Deus” (v. 15).

É preciso lembrar aqui o que já dissemos em Lições passadas: Samuel, mais que conselheiro pessoal do rei Saul, era na verdade um profeta de Deus, isto é, um navi, termo em hebraico que geralmente é traduzido por porta-voz. Visto que portava a voz de Deus, isto é, falava o que Deus lhe dizia, as palavras de Samuel eram de igual valor à Lei de Moisés; tanto esta como aquelas eram tidas por “mandamento do Senhor” (1Sm 13.13) e “palavra do Senhor” (15.23,26). Desobedecer ao profeta de Deus era, portanto, desobedecer ao mandamento do Senhor!

O primeiro mandamento para Saul fora sobre paciência nas coisas de Deus; ele falhou. O segundo mandamento fora sobre zelo pela santidade de Deus (já que a aniquilação dos amalequitas representava um cuidado de Deus com o povo de Israel, para que este não viesse a se contaminar com os hediondos pecados daquele povo ímpio); nesse mandamento o monarca também falhou.

E não adiantaria Saul tentar justificar que sua “meia obediência” ao segundo mandamento devia-se ao fato do povo ter pego, como que à revelia, do despojo ovelhas e bois destinados à destruição para oferecer ao Senhor (15.21). Querer transferir a culpa para o povo só demonstrava o fracasso da liderança de Saul; e querer transformar o que estava destinado à destruição por mandamento divino em sacrifício religioso por deliberação humana era grave demonstração de insubmissão. Se de fato o povo queria sacrificar, então não passava de “sacrifícios de tolos”! (Ec 5.1).

Quem realmente quer honrar a Deus, deve fazer o que Ele manda, do jeito que Ele manda! A meia obediência é na verdade desobediência! Jesus é muito claro quando se dirige aos seus discípulos: “Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno” (Jo 15.14). O conselho de Maria aos serviçais da casa, em Caná da Galiléia, é muito oportuno para todos nós: “Façam tudo o que ele lhes mandar” (Jo 2.5). Faça tudo o que Jesus lhe mandar! Tudo!

2. Deus “se arrependeu” em relação a Saul

Aqui temos uma aparente contradição no texto bíblico. Examinemos.

Em 1Samuel 15.29, quando repreende Saul pela desobediência no episódio da batalha contra os amalequitas, o profeta Samuel declara: “E também aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa

Porém, logo mais adiante, no versículo 35, quando o autor bíblico descreve o lamento do próprio Senhor pela reiterada desobediência do primeiro rei de Israel, o texto bíblico assim afirma: “…E o Senhor se arrependeu de haver posto a Saul rei sobre Israel”. Como explicar essa aparente contradição? Tomemos a explicação do comentarista William MacDonald, que diz:

“O primeiro [versículo] diz que Deus não muda de ideia nem se arrepende, enquanto o segundo diz que ele se arrependeu de haver constituído Saul rei. O versículo 29 descreve Deus em seu caráter essencial. Ele é imutável e inalterável. No versículo 35, a mudança na conduta de Saul exigiu uma mudança correspondente nos planos e propósitos de Deus para ele. Para se manter coerente com seus atributos, o Senhor deve abençoar a obediência e castigar a desobediência” [5].

Noutras palavras, Deus em seu caráter é imutável (“Eu, o Senhor, não mudo” – Ml 3.6); para sempre é e será Deus, santo, justo, verdadeiro… Porém, os planos e as direções de Deus para nós mudam, conforme a resposta que lhe damos. Foi o que aconteceu em relação à Saul: Deus se arrependeu, isto é, lamentou (o que demonstra tristeza) de tê-lo feito rei, mas não se arrependeria (não declinaria da decisão) de substitui-lo por outro rei melhor, como já havia predito (13.14).

3. A rebelião é como pecado de feitiçaria

Ao repreender Saul pela segunda vez, o profeta Samuel ainda explica a gravidade do pecado do rei: “Porque a rebelião é como o pecado da feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e o culto a ídolos do lar” (1Sm 15.23; NAA). O leitor pode se perguntar: mas o que isso quer dizer? Por que a comparação entre rebelião e feitiçaria, obstinação e idolatria? A explicação é simples e lógica.

Embora não esteja dito nada sobre as práticas pagãs dos amalequitas, é possível inferir por um estudo contextual daqueles antigos povos orientais, especialmente os que habitavam na região da antiga Canaã, que os amalequitas também eram praticantes de toda sorte de idolatria e feitiçaria (conf. Dt 18.9-12), além de serem um povo historicamente hostil aos hebreus (como se vê desde a saída do povo do Egito – Êx 17.8-14). Quando Deus ordenava a aniquilação de um povo, não permitindo que fossem poupadas sequer mulheres e crianças, nem mesmo animais, é porque este povo já havia chegado ao limite da tolerância divina no que concerne as suas práticas de violência, imoralidade e idolatria.

Pois bem, ao recusar cumprir cabalmente a ordem dada por Deus através de Samuel, Saul, um rei hebreu, estava se fazendo tão reprovável diante de Deus quanto o povo amalequita, praticante da idolatria e da feitiçaria. Se ele achava que podia se orgulhar de haver cumprido parte da missão, agora é em verdade repreendido por se fazer igual aos que ele deveria aniquilar. Noutras palavras, Samuel estava dizendo: Saul, tu és como um dos amalequitas; te fizestes para Deus tão abominável quanto eles!

É bom que sempre lembremos disso: se vivermos em desobediência diante de Deus, nossa capa de religiosidade não será suficiente para colocar-nos sob vantagem em relação aos idólatras e bruxos lá fora! Iguala-se aos adoradores de demônios todos os que professam serem crentes, mas vivem em rebeldia contra os mandamentos do Senhor.

III. Saul: um líder sem critérios

1. Não sabia esperar

A espera dos sete dias em Gilgal, antes de lançar-se à batalha contra os filisteus, fora o primeiro teste para Saul, no qual ele veio a falhar. Deveria esperar o profeta e sacerdote do Senhor, conforme fora advertido, mas receando ver o povo se dispersar por inteiro, precipitou-se e realizou os sacrifícios que Samuel faria, além de ameaçar partir pra guerra sem as devidas instruções que o profeta lhe traria.

Para provar a loucura de Saul, o texto informa: “Mal tinha ele acabado de oferecer o holocausto, eis que chegou Samuel” (13.10). O autor bíblico leva-nos à seguinte reflexão: se Saul tivesse esperado um pouco mais, além de ter confiado na palavra do porta-voz do Senhor, ele teria evitado sua própria derrocada. Ressalte-se que naquele episódio, o povo venceu a batalha contra os filisteus, pois o pecado de Saul afetou somente a ele mesmo. Israel venceu a guerra, mas Saul perdeu o reino! Que triste é quando a igreja avança, mas o pastor fica para trás!

É possível afirmar que ansiedade, medo e pressa ofuscaram o discernimento de Saul, levando a pecar contra Deus. Charles Ryre comenta que Saul “preferiu adotar a ética situacional em vez da ética bíblica”[6]. É trágico quando crentes desobedecem as ordens de autoridades colocadas por Deus, ou mesmo da própria Palavra escrita, ignoram o “tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3.1) e saem a proceder imprudentemente na vida, tomando decisões baseadas em emoções, ao invés da razão. O preço a se pagar é caro e as consequências por vezes são desastrosas e irremediáveis!

Quantos que agora vivem a penar crises financeiras porque se precipitaram em dívidas? E outros que vivem agora a mendigar um emprego, porque outrora pediram demissão do trabalho em que estavam por não suportar algumas agruras? Não poucas mulheres lamentam o casamento infeliz que carregam, porque não souberam outrora avaliar o “príncipe encantado” para além da aparência e das palavras delicadas.

2. Saul: o rei rejeitado

Ninguém é insubstituível! Saul é uma grande prova disso. Embora tendo sido escolhido por Deus, ungido pelo profeta Samuel e possuído pelo Espírito Santo que o capacitou para a missão, além de ter galgado importantes vitórias sobre os inimigos do povo de Israel, Saul “apartou-se do Deus vivo” (Hb 3.12) e excluiu a si mesmo da graça de Deus que o separara para o reino.

Visto que Saul rejeitou obedecer a Deus, Deus recusou firmar sua dinastia no trono, o que deveria acontecer naturalmente já que se tratava de uma monarquia, governo que é passado de pai para filho. Veja quantas vezes Deus fala da rejeição de Saul:

Primeira vez: “Mas agora o seu reinado não subsistirá…” (1Sm 13.14)

Segunda vez: “…Por você ter rejeitado a palavra do Senhor, também ele o rejeitou como rei” (1Sm 15.23)

Terceira vez: “Até quando você [Samuel] terá pena de Saul, se eu o rejeitei como rei de Israel?…” (1Sm 16.1). Nesse último versículo vê-se que nem mesmo o sentimento de compaixão do profeta Samuel pode impedir a rejeição do reino de Saul por parte de Deus.

Em lugar de Saul, Deus já tinha escolhido “um homem segundo o seu coração e já lhe ordenou que seja príncipe sobre o seu povo” (13.14), e este homem era o moço Davi, filho de Jessé, o belemita (1Sm 16.1-13; Sl 89.20).

Ninguém se engane: Deus não tem compromisso com quem não tem compromisso com ele. A benção de Deus é condicional à fé, à perseverança e ao temor demonstrados dia a dia. Se o justo recua de sua posição, Deus não tem prazer nele (Hb 10.38). Não basta começar, precisamos continuar e “completar a carreira” (2Tm 4.7), dando em nosso coração livre curso à graça de Deus para que o seu poder opere em nós a formação do caráter de Cristo, “Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4.13).

Conclusão

Saul não estava predestinado à derrota; ele que traçou o seu próprio caminho. As tentações de Saul não eram maiores que a graça de Deus que repousava sobre ele; ele que recusou a operação da graça, preferindo confiar em seu próprio coração. O problema de Saul não foi falta de investimento divino, nem de orientação pastoral, mas os próprios deleites que guerreavam em sua mente (Tg 4.1), e sobre os quais Saul não demonstrou domínio próprio. Saul foi vítima de si mesmo, ele se autossabotou! E isto está tão provado que sua morte foi finalmente provocada por ele mesmo, quando cometeu suicídio (1Sm 31.4). Triste fim para o primeiro rei de Israel. Vigiemos nossa conduta, e investiguemos nosso coração para ver se de fato estamos sendo guiados por Cristo ou pela nossa própria concupiscência!

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Referências
[1] Dicionário Bíblico Wycliffe, CPAD, p. 1653
[2] Dicionário Bíblico Ilustrado, Vida Nova, p. 1210
[3] Fábio Henrique Tavares de Oliveira. Depravação total: um retrato da natureza humana com base em II Timóteo 3.1-5, Reflexão, p. 109
[4] D.F. Payne, em Comentário Bíblico Nova Vida, Nova Vida, p. 475
[5] William MacDonald. Comentário Bíblico Popular – Velho Testamento, Mundo Cristão, pp. 207,8
[6] Charles Ryre. Bíblia de Estudo Anotada Expandida, nota de rodapé 1Sm 13.8-9.

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