opinião
A armadilha semântica
Semântica é a parte da gramática que lida com o significado das palavras. Teoricamente, cada palavra é um símbolo que nos conduz à realidade por ela representada. Por exemplo, se eu leio em uma placa “banana” a combinação das letras simbolizam essa determinada fruta e eu esperarei encontrar essa fruta correspondente. Seria terrível se eu encontrasse limão ao invés de banana. A semântica lida com as palavras e seus significados, seus sentidos.
Essa não é uma questão sem importância. A confusão semântica pode ser mortal. Quem já ouviu a história daquela pessoa que bebeu soda cáustica porque no recipiente, isto é, na garrafa, estava escrito “água mineral”? O símbolo escrito “água mineral” não correspondia ao conteúdo e o resultado foi a morte.
Quando levamos essa questão para o campo do espiritual, e então lidamos com valores eternos, o engano semântico torna-se ainda mais perigoso, porque nesse caso as consequências também serão eternas. Em nossa cultura de pluralismo religioso, o engano semântico tem sido terrível. Porque temos inúmeros rótulos com o mesmo nome e conteúdos diversos.
Vamos pensar na palavra “Jesus”. A quem estamos nos referindo? Eu sei muito bem. Ao Filho de Deus, ao Verbo Eterno que se fez carne, morreu na cruz pelos nossos pecados, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está a direita do Pai, de onde virá julgar os vivos e os mortos. É o Jesus dos Evangelhos e das epístolas, o Jesus do Apocalipse, o Jesus predito pelos profetas bíblicos.
Entretanto, tenho em minhas mãos um livro. Ele se chama “Meu grande amor por Jesus me conduziu ao Islã”. A palavra é a mesma – Jesus. E o significado é o mesmo? Impossível. No Islã, é inaceitável dizer que Deus tem filhos, logo esse Jesus não é o Filho de Deus, título tão comum a ele no Novo Testamento. No Islã é dito que Jesus não morreu na cruz, enquanto isso é bem claro nos Evangelhos e nas epístolas. A grande mensagem do Evangelho é que esse Jesus ressuscitou, mas tal ideia também é rejeitada pelo Alcorão.
Logo, como o Jesus do Novo Testamento que é o Filho de Deus feito homem, que morreu na cruz por nossos pecado e ressuscitou ao terceiro dia pode ser o mesmo Jesus do Islã que não é Filho de Deus, não morreu na cruz e não ressuscitou? Seria o mesmo que chamar o sal de “açúcar” e tentar com ele adoçar o café. Impossível. Estamos falando de duas pessoas diferentes, ainda que se use o mesmo nome para se referir a elas.
Eis no que constitui a armadilha semântica. A mesma palavra se referindo a coisas bem distintas. Essa confusão não acontece só com o islamismo. O “Jesus” dos mórmons, o “Jesus” das Testemunhas de Jeová, o “Jesus” dos kardecistas, não apenas se distinguem entre si, mas também se distinguem do Jesus das Escrituras. Dessa forma, a palavra permanece a mesma, mas o conteúdo muda completamente. Bebe-se a água mineral confiando no rótulo e então se morre pela soda cáustica, verdadeiro conteúdo.
Como escreveu Francis Schaeffer:
(…) as pessoas em nossa cultura geralmente já estão no processo de se acostumarem a aceitar palavras e símbolos religiosos não definidos e sem conteúdo, sem qualquer controle histórico ou racional. Tais palavras são prontamente enchida com o conteúdo do momento. As palavras “Jesus” ou “Cristo” são as melhores à disposição do manipulador. O nome “Jesus Cristo” se tornou estandarte sem conteúdo que pode ser levado a qualquer direção para propósitos sociológicos.[1]
Podemos exemplificar claramente com a “Igreja Messiânica Mundial”. O termo “igreja” aqui utilizado, nada tem a ver com o conceito de “Igreja” do Novo Testamento. Não é uma referência ao Corpo de Cristo ou ao grupo histórico retratado na Bíblia e na história. Igualmente, o termo “messiânico”, não se refere ao Messias de Israel, predito no Antigo Testamento. É atribuído ao japonês Mokiti Okada, fundador desse grupo. Dessa forma, as palavras são esvaziadas de seu sentido original e histórico e embora o rótulo permaneça, o sentido é totalmente outro.
Assim, a armadilha semântica está pronta. As pessoas abraçam os símbolos porque o identificam com determinados conteúdos. E então os sorvem sem analisar. Bebem a soda cáustica tentando matar a sede e são envenenadas e perecem. Isso não acontece apenas com o nome de Jesus. Acontece com a palavra “Evangelho”, “Palavra de Deus”, “Igreja”, “Espírito Santo”, “salvação”. E muitos mordem as iscas, sendo fisgadas e levadas para bem longe do que esses termos realmente significam.
Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos e se apartem da simplicidade que há em Cristo. Porque, se alguém for pregar-vos outro Jesus que nós não temos pregado, ou se recebeis outro espírito que não recebestes, ou outro evangelho que não abraçastes, com razão o sofrereis. (2 Coríntios 11.3, 4)
Esta não é uma advertência sem importância. As pessoas devem ser alertadas para não beberem soda cáustica, mesmo que estejam em garrafas de água mineral. Não devem beber veneno, ainda que contenham rótulo de “suco”. Não devem abraçar falsos evangelhos e falsos cristos, mesmo que o rótulo seja “palavra de Deus” ou “Jesus”. As consequências serão eternamente mortais.
[1] SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. São Paulo: Refúgio e ABU, 1981.
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