estudos bíblicos

Conhecendo os dois livros de Samuel

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 1 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.

em

Profeta Samuel. (Foto: Reprodução / Record TV)

Chegamos a um novo trimestre, e agora nosso objeto de estudo serão os dois livros de Samuel.

Como ressalta o comentarista William MacDonald, milhões de crianças judias e cristãs têm-se encantado e edificado com as histórias de Samuel, Davi e Golias, Davi e Jônatas, a perseguição de Saul a Davi, a bondade de Davi para com Mefibosete e sua tristeza pela rebelião e morte de seu filho Absalão.

De fato, esses são assuntos corriqueiros nas aulas que os nossos pequeninos têm recebido na Escola Dominical. Agora, porém, é a vez das classes de adultos estudarem com profundidade a história e a teologia dos livros de Samuel.

Isto é, o que estes livros nos informam sobre a constituição da monarquia em Israel e sobre como Deus se revela em meio às conquistas e derrotas de seu povo.

Conclamo professores e alunos a lerem na íntegra os livros de 1 e 2 Samuel para que tenham uma visão panorâmica do conteúdo de ambos os livros, e estejam melhor preparados para os estudos deste trimestre.

I. O contexto histórico de 1 e 2 Samuel

1. A originalidade de Samuel

Payne esclarece para nós a constituição original dos dois livros de Samuel:

“No texto hebraico, os dois livros de Samuel eram apenas um. O Antigo Testamento em grego (tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego antes da era cristã [chamada de Septuaginta, e representada pelos algarismos romanos “LXX”]), considerava os livros de Samuel e Reis uma única obra histórica e a dividia em quatro seções, denominadas “Livros dos Reinos” (ou “Reinos”). A Bíblia em latim [versão Vulgata, de Jerônimo] manteve essa divisão, chamando as quatro seções de “Reis”. Desde o século XVI [época dos reformadores protestantes], a Bíblia Hebraica também divide o livro originário de Samuel em duas partes, que recebem o nome de primeiro e segundo livros de Samuel”. [1]

Assim, todas as versões do Antigo Testamento impressas seguem o mesmo padrão de dividir: 1 Samuel e 2 Samuel. É importante que o leitor leia sempre esses livros em conjunto, já que há uma continuidade entre eles.

2. Os personagens principais dos livros

Há personagens importantes nos livros de Samuel, cujas histórias inclusive são temas de canções e pregações populares, como Ana, a mulher estéril que em amargura suplicou insistentemente a Deus por um filho (1Sm 1-2); Eli, sacerdote que negligenciou os cuidados do culto ao Senhor, demonstrando frouxidão na sua liderança sobre os próprios filhos (1Sm 2-4); Jônatas, amigo leal de Davi, que ousou contrariar o próprio pai para defende-lo (1Sm 18-20); Abigail, “mulher inteligente e bonita”, mas esposa de um homem rude e mal (1Sm 25); Natã, profeta que repreendeu Davi no caso de seu adultério (2Sm 12); Mefibosete, deficiente das duas pernas, habitante de Lodebar, e a quem Davi deu o direito de sentar-se à mesa real (2Sm 9; 16); dentre outros nomes.

Todavia, são estes os três nomes e histórias que mais se sobressaem no conjunto da obra: Samuel, profeta chamado por Deus desde a infância, sacerdote do Senhor e o último os juízes de Israel; Saul, da tribo de Benjamim e que veio a ser o primeiro rei de Israel por escolha soberana de Deus, mas em resposta aos clamores soberbos do povo; e Davi, que embora não tendo sido o primeiro foi o mais destacado rei de Israel, com quem Deus firmou pacto de perpetuar seu reinado para sempre – o que de fato terá cumprimento escatológico em Jesus Cristo, “o filho de Davi” (Mt 1.1; 12.23; Ap 22.16).

3. O propósito dos livros

Cremos que o grande propósito sobre as narrativas de 1 e 2Samuel é demonstram a mão de Deus e seu governo soberano agindo em todos os acontecimentos, quer de sucesso, quer de fracasso do povo de Israel, além de ensinar-nos que a benção é condicionada à obediência. Nem mesmo a simbólica presença da arca de ouro ou o sacrifício de animais podem garantir por si só a prosperidade do povo, se este não demonstrar lealdade para com o Senhor e compromisso com a aliança firmada com Ele.

Nesse sentido, Payne destaca ainda que há uma mensagem de chamado ao arrependimento nos livros de Samuel[2], visto que o sofrimento costumeiramente visitava o povo de Deus em consequência de seus fracassos morais e espirituais. Igualmente, há um chamado à genuína fé, não nos símbolos religiosos, coisas ou pessoas, mas no próprio Deus, que é quem garante vitória ao seu povo.

É inegável, portanto, que os livros de Samuel são muito mais que um apanhado da história do estabelecimento da monarquia; são palavras de Deus para nos ensinar sobre a importância da obediência, fé e fidelidade ao Senhor, mesmo que em tempos de crise moral e espiritual. “Tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito” (Rm 15.4).

II. Autoria e data

1. Título e autor

O nome Samuel, que aparece no título, refere-se à primeira personagem de mais destaque que aparece nos livros. Entretanto, não é ponto pacífico entre os estudiosos se o profeta Samuel foi de fato autor desta obra. A tradição judaica aposta que sim, entretanto, é certeza que ao menos grande parte destes livros não foi escrito por ele, já que remetem a fatos sobre sua morte e outros eventos posteriores.

Para MacDonald há pelo menos duas sugestões razoáveis para a autoria destes livros: (1) talvez um dos jovens profetas que estudavam sob a tutela de Samuel tenha escrito o livro e incorporado os textos de seu mestre; (2) é possível também que Abiatar os tenha escrito, visto que era sacerdote habituado a manter registros precisos, e acompanhou de perto a carreira de Davi, chegando a passar um tempo com ele no exílio. Mas ainda que estas sugestões de MacDonald sejam plausíveis, permanece o que dissemos antes: alguns textos como 1Samuel 9.9 e 2Samuel 13.18 sugerem que ao menos boa parte destes livros foi escrita muito depois dos fatos, por alguém que tomou conhecimento por transmissão oral ou por investigação em documentos arquivados.

A despeito de ser impossível para nós concluirmos quem é o autor humano destes livros, estamos convictos quanto à autoridade que eles gozam entre os livros sagrados, devido a inspiração divina que repousou sobre o(s) autor(es) humanos para redigi-los, bem como na maravilhosa preservação dos livros que garantiu-nos acesso a eles. “Toda a Escritura é divinamente inspirada” (2Tm 3.16).

2. A data dos livros

Visto que desconhecemos o autor humano, é impossível afirmarmos a data em que foi escrito. Mas é possível calcular a data aproximada dos eventos que estão registrados nos livros de 1 e 2Samuel: entre os anos 1000 (século X) e 900 (século IX) antes de Cristo.

Estes são os períodos que os estudiosos costumam datar a vida de Davi e Salomão, os mais proeminentes reis de Israel (embora o reinado de Salomão, filho de Davi, seja de fato abordado nos livros dos Reis e das Crônicas).

III. A teologia nos livros de Samuel

1. Profecias cumpridas

Os livros de Samuel registram muitas profecias e seus respectivos cumprimentos, o que demonstra a presença, o governo e a fidelidade do Senhor com sua palavra. Em Samuel, Deus é o Deus que se revela e que intervém na história, quer para abençoar, quer para julgar.

Destacamos a profecia de um profeta anônimo contra a família do sacerdote Eli (1Sm 2) e a predição quanto ao bem-sucedido reino de Davi (2Sm 7). Entretanto, chamo a atenção para as profecias do próprio Samuel, de quem o texto bíblico de modo vibrante declara: “Samuel crescia, e o SENHOR estava com ele e não deixou que nenhuma de suas palavras caísse por terra” (1Sm 3.19). Isso demonstra como o ministério profético de Samuel foi não só inspirado como também aprovado por Deus!

2. Em busca de um rei

A instituição da monarquia será melhor estudada na Lição 5. Portanto, não vamos nos delongar aqui. Dizemos, porém, introdutoriamente, que a grande tragédia do povo de Israel não foi ter pedido um governante político, sob o qual estivessem centralizados os poderes de uma monarquia. Isto já estava previsto no Pentateuco de Moisés, conforme Deutoronômio 17 (especialmente vers. 14).

O querer igualar-se a outras nações pagãs, a desconfiança quanto ao poder de Deus para guiar seu povo nas guerras, e a rejeição à liderança de Samuel é que são o efeito cumulativo que caracteriza a atitude reprovável do povo de Israel ao pedir insistentemente por um rei. O povo queria um rei com destreza militar, pois seria mais cômodo confiar nele do que submeter-se à Deus pela fé obediente para viver suas provisões e vitórias. Queriam confiar na “força” e não no Espírito do Senhor (Zc 4.6); fizeram da carne o seu braço, confiando no homem e não em Deus (Jr 17.5). Saul foi uma resposta de Deus para este povo, demonstrando que não um rei habilidoso na guerra, mas Deus é quem garante vitória ao seu povo!

3. Os alicerces da dinastia davídica

Ao passo em que Saul não deixou herdeiros no trono (seu filho Jônatas morreu na mesma batalha), em Davi vemos uma dinastia ser estabelecida, conforme pacto que Deus fizeram com ele, devido sua fidelidade, apesar de imperfeições.

As palavras do profeta Natã, inspiradas por Deus para Davi, foram: “a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será firme para sempre” (2Sm 7.16). Embora os descendentes de Davi tenham fracassado, e o domínio político tenha sido entregue aos estrangeiros, esta promessa tem seu cumprimento espiritual e terá seu cumprimento literal pleno em Jesus, o filho de Davi, e no povo da nova aliança. Como aponta Eugene Merril,

“por meio da casa real de Davi, no devido tempo, seu maior Filho, Jesus Cristo, se tornou encarnado. Cristo reinou [espiritualmente] com perfeição em sua vida, em sua morte e ressurreição, proveu o modo pelo qual todos os que creem podem reinar com ele e por meio dele (2Sm 7.12-16; Sl 89.36-37; Is 9.7)”. [4]

IV. Samuel: o divisor de águas

1. Um momento de crise espiritual

Os relatos dos livros de Samuel são a sequência do livro de Juízes. O próprio Samuel, como já dissemos, foi o último dos juízes, que foram líderes sobre o povo de Israel entre o fim da liderança de Josué, sucessor de Moisés, e o primeiro monarca, Saul. O Novo Dicionário de Teologia Bíblica nos traz sucinta visão do quadro político, social e espiritual predominante como pano de fundo nos livros de Samuel:

“O livro de Juízes termina com confusão em Israel: embora os israelitas vivessem na terra prometida por Deus aos patriarcas, a manutenção da terra é ameaçada pelos filisteus, que são só os últimos de uma série de inimigos estrangeiros mandados como forma de juízo contra a infidelidade de Israel. Em certo sentido, a situação no início de 1Samuel não mudou: os filisteus continuam ameaçando (cap. 4), e a liderança corrompida dos filhos de Eli mantém a anarquia moral do período anterior. Contudo, as narrativas de Ana e Samuel (caps. 1-3) marcam um novo começo para Israel”. [3]

A angústia de espírito e as orações suplicantes de Ana no começo de 1Samuel, bem como a resposta que obteve do Senhor e sua firme decisão de consagrar seu filho ao serviço religioso são, portanto, reveladores quanto ao papel da família, especialmente de uma mãe temente a Deus na boa direção não só de um filho, mas na influência sobre os destinos uma nação! Se as mães cristãs do Brasil entenderem o quanto elas podem fazer, a exemplo da irmã Ana, para atirar seus filhos como flechas na direção da vida de pureza e piedade, não demorará muito para vermos uma nação abalada pelo poder de Deus, cheia de filhos abençoados e santos!

2. O líder Samuel

A liderança de Samuel será melhor estudada nas duas Lições seguintes e para não sermos redundantes, apenas antecipamos que Samuel, cujo nome significa “Deus ouve” (já que ele fora de fato resposta de oração para Ana, a esposa estéril de Elcana – 1Sm 1.20,27), representava uma esperança de avivamento espiritual, para um povo que, desde os leigos ao clero, estava entregue ao desregramento moral e espiritual.

“Antes que a lâmpada de Deus se apagasse” (1Sm 3.3b) é uma possível alusão não só ao candelabro do tabernáculo, perto do qual Samuel dormia, mas também uma referência ao total afastamento do Senhor de diante do povo corrompido. Antes do último lampejo desta divino sobre o povo, Deus revelou-se ao menino Samuel!

Conclusão

O governo divino em mãos humanas – este é o grande tema deste trimestre, e que tomará os livros de 1 e 2Samuel como base de estudos. Sem dúvida, teremos Lições relevantes para todos os crentes sobre fé e fidelidade a Deus, mas especialmente para as lideranças a quem foram confiados os cuidados com o povo do Senhor. Teremos muitas histórias bíblicas pela frente nas quais nos inspirar para uma vida de compromisso com Deus!

_____________

Referências

[1] D.F. Payne em Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, p. 451
[2] op. cit., p. 452
[3] P. E. Satterthwaite em Novo Dicionário de Teologia Bíblica, Vida, p. 257
[4] Eugene Merril, citado por William MacDonald em Comentário Bíblico Popular – Velho Testamento, Mundo Cristão, p. 199

Trending

Sair da versão mobile