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opinião

Fé, coronavírus e o obscurantismo da ciência

A fé cega na ciência é tão obscurantista quanto a fé cega em qualquer outra coisa que não seja o Deus verdadeiro.

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Coronavírus. (CDC / Unsplash)

Parece que em tempos de pandemia colocamos todas as nossas apostas na mesa da ciência.  Como escrevo sobre teologia, política e cultura, existe muito pouco que posso dizer sobre os dados científicos da pandemia. Mas a teologia e a filosofia podem nos trazer luz sobre a visão que temos da ciência. E é a partir desta visão que se tem da ciência, e não de dados científicos propriamente que os governos hoje estão determinando a política pública na batalha do vírus.

Mas de que ciência estou falando? Será que a ciência que estabelece seus fatos lentamente através de estudos empíricos, que seguem métodos rigorosos debaixo de convenções internacionais pode providenciar resultados absolutos imediatamente? Que métodos chamados de “científicos” validam este estudo? Ou estamos falando de um conceito quase místico, e que chama para si o monopólio da razão? Para examinarmos que ciência é esta temos que questionar os axiomas ligados a ela.

A ciência como toda área do conhecimento humano é cercada de mitos, ou axiomas. São muitas as ideias que estão embutidas quando se fala em nome da ciência, ideias aceitas tacitamente e que nem pensamos em questionar. Quando alguém grita “é o lobo” de pé no altar da ciência se sustenta por uma série de mitos que não são necessariamente científicos.

Deixe-me explicar do que estou falando. Quando digo o céu é azul ou a água é líquida, estou declarando um truísmo. É fácil de verificar se estou falando a verdade, é óbvio para todos basta olhar para o céu, ou tocar na água.

Mas quando eu digo, a ciência tem a resposta para isto, estou me valendo de um axioma, ou seja, uma ideia construída em torno do valor absoluto que damos à chamada ciência.

Porque ninguém disseca esta construção, ela passa como tendo a validade de um truísmo. Mas não é. O construto que chamamos de “Ciência” com C maiúsculo é tão obscurantista quanto pode ser a religião que muitos gostam de atacar.

A voz da ciência hoje conta com noções mitológicas para afirmar seu lugar. Estes mitos se consolidaram ao longo de séculos de uma busca de uma racionalidade isolada de Deus e que pretende ser capaz de, pelo puro exercício racional, explicar todo o mundo que nos cerca. Nesta busca a humanidade se tornou presa de seu próprio orgulho.

O mito de que a natureza funciona através de leis independentes de Deus, num mundo autônomo, expressa pela famosa metáfora do relógio mecânico imaginada por Newton, sustenta a cisão entre a fé e a ciência. Neste modelo absolutamente materialista todos os mistérios do mundo que nos cerca são conhecíveis, basta empregarmos o método certo para descortiná-los. O problema é que este modelo que descreve o universo como um sistema mecânico já caducou faz tempo.

Em muitos campos do conhecimento, e a física é talvez a área em que mais claramente se percebe isto, a metáfora do relógio se provou falsa e incapaz de expressar realidades que os físicos descortinaram.

Matéria pode não ser matéria, o que se suponha ser movido por leis imutáveis, se revelou muito mais mutável e interativo do que se pensava. O modelo se tornou vítima de seu próprio discurso triunfalista. A física já abdicou da pretensão de explicar o universo, e agora trabalha fragmentada, em campos separados, livre da ilusão de que através de seu campo de conhecimento pode achar a resposta para o grande “porquê” do universo. Se limita a quantificar o “como.”

Li recentemente o livro do astrônomo Brian Keating “Perdendo o prêmio Nobel” onde ele descreve as manobras políticas e preconceitos que cercam as decisões sobre o prêmio e as certezas da ciência em geral.

A sobriedade de Keating em relação a seu campo de estudos, e sua capacidade de reconhecer suas limitações não é uma virtude tão comum a outros cientistas. Reconhecer que existe um mistério inerente à natureza é para muitos reconhecer a derrota.

Mas se enganam, se saber limitado faz parte da natureza do verdadeiro cientista. O ser humano não é infalível nem quando veste um jaleco. Existe muito pouco que podemos afirmar com certeza absoluta. Desconfie do “cientista” que te propõe certezas absolutas, que desdenha da fé, e que presume praticar uma espécie de racionalidade superior.

Outro mito é o da imparcialidade. Acreditamos que todo cientista trabalha pelo bem público e que que não trai seus princípios por ser homem da ciência. Ledo engano. Não podemos ignorar todos os interesses pessoais e políticos que dominam esta área de trabalho como qualquer outra.

Para mim o que torna um estudo científico mais confiável não é número de “peer reviews” que ele recebe, mas os critérios e a credibilidade do comitê ético supervisionando o estudo.

Um exemplo recente de “peer review” falho, foi o desastre causado pelo ex-médico Andrew Wakefield[1] que publicou um estudo falsificando resultados ligando a vacina MMR e o autismo. Mesmo depois de confessar Andrew ainda manteve seus seguidores criando uma onda mundial anti-vacina que está trazendo o sarampo e catapora de volta ao primeiro mundo com consequências sérias para algumas crianças.

Para saber das falhas do establishment médico em aceitar descobertas que salvam vidas você pode ler alguns livros interessantes sobre a descoberta das bactérias como causa de infecção, e a luta médica contra a febre puerperal.

O austríaco Ignaz Semmelweis tem o crédito da descoberta, mas antes dele muitos já haviam estudado e combatido a transmissão da infecção bacteriana no final do século XIX.

Mas em 1773 o médico inglês Charles White chegou às mesmas conclusões de Semmelweis e impôs regras de higienização para salvar pacientes. Foi ignorado pelos “peers.” Outro médico Alexander Gordon em 1795 também publicou a respeito. Nada mudou.

Na América, o pai do famoso jurista Oliver Wendell Holmes Jr., do mesmo nome, também tentou advertir a comunidade médica e criar uma política pública de higienização em 1843. Nada foi para frente.

Semmelweis começou sua pesquisa em 1847, e durante sua carreira implementou higienização obrigatória, salvando inúmeros pacientes. Mas, mesmo depois de sua morte em 1880, com todas as provas que coletou, a adesão às ideias de higienização obrigatória foi lenta e ainda custou muitas vidas por muitas décadas. A ciência médica não está imune à viagem de egos, burocracias, politicagens e cegueiras voluntárias não.

Outro mito é o da ciência que funciona independente do famigerado “capitalismo”. Só que, querido leitor, ciência não é produzida sem dinheiro. A cura para este vírus, as vacinas, os testes não virão de Cuba, da Coréia do Norte ou da Venezuela.

Dificilmente virá da China também que por mais progresso tecnológico que tenham por lá, não têm liberdade para trabalhar de maneira independente. Virá de países como os Estados Unidos, Alemanha, Israel, hoje líderes na pesquisa médica. Não porque seus pesquisadores são mais inteligentes, mas porque os laboratórios são livres para investir e para ganhar com suas pesquisas.

A ciência também não é apolítica. Se você pensa que é, dê só uma olhadinha na resposta em que o afamado médico secretário da saúde de Dória, que se opõe abertamente ao uso da cloroquina deu para Datena quando ele perguntou se Uip tinha tomado cloroquina para se recuperar. O médico dá um sorriso cínico e se nega a responder.

Por razões políticas, Uip se recusa a apoiar publicamente a medicação, se opondo ao presidente Bolsonaro, que desde o início do ano manifestou esperança nela. Mas quando precisou, provavelmente recorreu a ela.

A desonestidade pública não é exclusividade dos políticos. Cientistas supostamente imparciais podem ser tão desonestos quanto seus patronos, se servem de sua credibilidade quase que automática de “médico” para servir interesses pessoais e políticos. Não existe medicina isenta de interesses, assim como não existe política isenta.

Hoje em dia para “lacrar” em uma conversa e vencer um argumento leigo citam estudos científicos. Como a maioria nem lê, não sabe que muitos dos estudos disponíveis sobre o Covid-19 são meras resenhas do que se tem feito, ou das informações gerais.

O médico que se vale de um suposto estudo feito há dois meses ao invés de verificar os resultados empíricos vindos do tratamento feito às centenas de doentes nos hospitais não passa de um beato que reza num altar vazio, ou de um vendido à sua afiliação partidária. Se ele tem honestidade médica e intelectual ele sabe que a verdadeira ciência do vírus está sendo feita nos hospitais, como nos séculos 18 e 19. Preste atenção nela.

Conclusão, não se iluda, meu caro leitor. A fé cega na ciência é tão obscurantista quanto a fé cega em qualquer outra coisa que não seja o Deus verdadeiro.

E para terminar faço um apelo aos homens e mulheres de fé do país. Alguns pastores bem instruídos, do alto de uma arrogância racionalista que não se justificaria nem se eles trabalhassem no campo da ciência e fica muito mais feia ainda quando abraçada pelos que falam em nome da fé, se atrevem a desprezar oração, jejum e esperança religiosa.

Argumentam que oração não passa de superstição, e que a atitude da fé “racional” é simplesmente à obediência servil à quarentena sem questionamentos maiores, sem chamados à oração e à dependência de Divino, porque vírus é território da ciência e não da fé.

Como responder a esta provocação limpinha, e supostamente mais equilibrada do que os chamados à oração dos atabalhoados pentecostais, a grande maioria do nosso povo evangélico?

Uso uma frase do Rev. Tim Keller: “A verdadeira fé não se opõe à razão, mas se opõe às sentimentalidades e aparências…” – e acrescento do meu próprio teclado: e se opõe às ideologizações e politicagens estratégicas também.

[1] https://www.independent.co.uk/news/world/americas/andrew-wakefield-anti-vaxxer-trump-us-mmr-autism-link-lancet-fake-a8331826.html

Trabalhou como missionária na Amazônia e no Pacífico Sul. É Mestre em Divindade pela Universidade de Yale, Estados Unidos, e doutoranda em história e teologia política na Universidade de St. Andrews, Escócia. É autora dos livros Chamado Radical e Tem Alguém Aí Em Cima?, publicados pela Editora Ultimato. É casada com Reinaldo Ribeiro e mãe de três filhos.

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