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opinião

Iluminismo, neopentecostalismo e a verdade inconveniente das igrejas históricas

É preciso humildade e coragem para reconhecermos o quanto erramos e desviamo-nos do caminho proposto pelo Senhor Deus.

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Recentemente, um dos novos “paladinos” da ortodoxia evangelical nacional fez um vídeo, no qual jocosamente questiona se determinada igreja é mesmo uma “igreja” ou um “boteco”. Apesar de discordar bastante dos posicionamentos teológicos que ele defende, este texto não se constitui um ataque à sua pessoa. Longe disso.

Sei porém que a ideia por ele retratada neste e em outros vídeos é, infelizmente, a que está presente no status quo de grande parte do evangelicalismo brasileiro, que cansado do “circo” neopentecostal (que cresceu aqui como na África, deixando um rastro de escândalos e nutrindo-se da miséria social da América e do continente africano), abjeta e caricaturiza a História, dando “saltos” e fazendo ilações que são criadas para justificar a confusão evangelical em que hoje vivemos.

Por isso, e infelizmente, a VERDADE histórica não é bem a que está retratada em vídeos com mensagens clichês como o que me referi. Uma coisa é dizer que o neopentecostalismo é, em suma, um produto do iluminismo do século XVIII, porque ambos são “centrados no homem”. Outra coisa é provar.

Na verdade, o iluminismo e todas as filosofias que lhe são relacionadas nada têm a ver com o neopentecostalismo que vemos hoje. Aliás, se pudéssemos transportar um iluminista britânico ou continental do século XVIII para os dias de hoje, ele ficaria horrorizado com o que veria em relação principalmente aos neopentecostais. O iluminismo é o resultado direto de um crescente ceticismo filosófico que, não sem motivo, atingia em cheio muitas igrejas e denominações cristãs europeias já no século XVIII.

Apesar do fervor de movimentos evangelísticos e missionários do período, o que de fato se negligencia convenientemente em termos históricos é que as realidades de igrejas luteranas, calvinistas, anglicanas, metodistas, congregacionais históricas viram nascer em seu seio homens que não só influenciariam negativamente, em termos de fé, a história do pensamento, como eles próprios seriam vistos entre os principais proponentes dos valores que se veem hoje na Europa e até na América do Norte, tais como: aborto, a supervalorização da homoafetividade, o liberalismo teológico (que dessobrenaturalizou a Bíblia), etc.

O que SE TENTA repassar hoje, por pregadores e professores oriundos de algumas dessas linhas históricas e/ou reformadas, a uma geração inculta a incauta, é que houve um “salto mágico”, um pulo que liga histórica e coerentemente o iluminismo racionalista do século XVIII, o ceticismo e antropocentrismo do século XIX com o neopentecostalismo dos séculos XX e XXI, como se este último fosse uma consequência direta daqueles.

Não retiro de todo algumas implicações, mas, muito mais são os desdobramentos diretos entre o que aconteceu na Europa cristã, nos séculos XVII e XVIII, e a Igreja presente na Europa, neste período e na atualidade (que é majoritariamente a Igreja Reformada).

Se uma coisa nada tem a ver com a outra, então por que todos entendemos que o Evangelho está morto e enterrado na Europa? Onde estão as igrejas reformadas na Europa? Se seu discurso era o mesmo que está sendo reprisado no Brasil do século XXI, então porque os seus templos lá são atualmente restaurantes, boates, shoppings e até mesquitas? Onde está o fervor que os reformados clamam hoje, do Brasil, que não se vê nos países onde surgiram as igrejas reformadas? O que realmente aconteceu lá?

A resposta é mais complexa do que se pensa e poucas palavras, de modo sucinto, não fariam jus aos desdobramentos históricos sobre os quais estamos nos referindo aqui. Mas, o fato é que havia muitas pessoas – entre os cristãos protestantes – deístas, antisobrenaturalistas, filósofos racionalistas e céticos nos séculos XVIII e XIX, do que querem reconhecer os vibrantes defensores do pensamento reformado no século XXI, no Brasil. Não creio que seja só desconhecimento. Creio que há, sim, uma tentativa deliberada de se “jogar para debaixo do tapete” histórico uma verdade inconveniente, um problema que me parece que, se devidamente pensado, pode atingir a raiz mesmo da eclesiologia reformada: que o desdobramento NATURAL da práxis reformada, como cultivada nos séculos XVII, XVIII e XIX, levou ao esfriamento intelectual e experiencial da fé, tornando-a um apetrecho, um ornamento do qual a Igreja não pode se desfazer por completo (ainda), por que não se encontrou uma maneira adequada de se explicar como pode uma igreja existir sem sequer acreditar na existência de Deus!!

Mas não é EXATAMENTE isso que muitos dos professores e escritores liberais de igrejas históricas têm propagado há séculos na Europa e nos EUA, ou seja, que “não há Deus”, que “a Bíblia é um grande mito”, que “não há milagres”, que “Jesus não ressuscitou”?

É claro que isto não é a “regra” das igrejas reformadas (pelo menos, não de muitas). Contudo, é a de muitas e históricas, e fugir da realidade é o mesmo que tentar fugir da consciência. É aceitar ou recusar algo por mera conveniência ou falta de acuidade, ou ainda por pura necessidade, sabendo-se no fim que a frieza espiritual que assolou e assola os continentes europeu e norte-americano inexoravelmente virá, e baterá na nossa porta – e creio que já o tem feito, e muito – e requererá uma posição firme, objetiva e não ambígua de nossa parte. E é por isso que discordo totalmente quando alguém diz ou sugere que a lástima do evangelicalismo raso com o qual lidamos hoje em dia é fruto do neopentecostalismo. Creio que os neopentecostais são o resultado de muitas coisas, mas não do iluminismo cético do século XVIII.

Um dos fatores que precisam ser REEXPLICADOS urgentemente à Igreja e que propiciaram inclusive esse desapego e abandono dos princípios bíblicos hoje, a uma geração que pode ter um amplo conhecimento das relações teológicas sobre vida e morte, pecado e redenção, etc., mas que em geral desconhece sua própria história, é que o ceticismo e antisobrenaturalismo secular estão INTIMAMENTE ASSOCIADOS ao antisobrenaturalismo e o ceticismo eclesiológico. E muito mais relacionados do que se imagina! Esta geração que se ufana de algum conhecimento, não percebeu que o seu em geral é raso, superficial e que tenta viver acusando os outros, sem perceber o rastro de confusões e apostasia que deixou no decorrer dos últimos séculos, o que nos trouxe exatamente a isto que vivemos hoje. Parece-me, guardadas as devidas proporções, com o exemplo de “socialistas” acusando os “comunistas” por estes (pasme) “nada terem a ver” com aqueles, como se uma coisa não tivesse vindo da outra. Pelo contrário, chegam a acusar o que lhes é oposto, o capitalismo (?!?!?!), pela derrocada do comunismo no mundo!

Um grito genuíno de zelo doutrinário e que apela a um retorno também genuíno às bases da Escritura deve vir de uma postura honesta em relação à História. Se há erros no evangelicalismo atual, principalmente nos movimentos de proeminência midiática, como o neopentecostalismo, suas raízes podem ser rastreadas principalmente do anti-intelectualismo que varreu boa parte da cristandade evangélica desde fins do século XIX e início do XX.

Associe-se a isto incoerência de mensagens efusivamente alegóricas e temos o pano de fundo causal imediato deste estranho movimento no ocidente. Contudo, a dívida de muitos movimentos e igrejas históricas e reformadas na Europa e na América do Norte é, de igual modo, alta! É deste reduto que surge o liberalismo teológico do século XIX, uma vez influenciado também por estranhas filosofias do século XVIII que, inegavelmente adentraram muitos seminários e faculdades de teologia, o que resultaria em um engessamento tamanho do evangelho, que hoje não nos admira que tenhamos visto, tristemente, o advento e a propagação de heresias e práxis antibíblicas, como as citadas neste texto, arvorando-se como bandeiras de igrejas e movimentos históricos, orgulhosos de sua relação direta com a Reforma prostestante. Se queremos a cura para a mazela evangelical que varre o ocidente, não podemos criar passados diferentes, fazermos ilações errôneas e convenientes e atirarmos em espantalhos argumentativos. É preciso humildade e coragem para reconhecermos o quanto erramos e desviamo-nos do caminho proposto pelo Senhor Deus.

Bacharel em Teologia e Filosofia. Pós-graduado em Gestão EaD e Teologia Bíblica. Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFPE. Doutor em Teologia pela FATEFAMA. Diretor-presidente do IALTH -Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades. Pastor da IEVCA - Igreja Evangélica Aliança. Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniela.

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