estudos bíblicos
Uma aliança superior
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 8 do trimestre sobre “A supremacia de Cristo”
Na Lição de hoje prosseguiremos nas comparações estabelecidas na carta aos Hebreus, agora entre a antiga e a nova aliança, aquela estabelecida em Moisés no Sinai, esta estabelecida em Cristo no Calvário.
Professores e alunos já devem ter percebido que alguns assuntos passam a ser reprisados nesta e nas Lições seguintes, sobretudo termos como: sacerdote, sacrifício, aliança, perfeito, eterno, etc.
É que o autor de Hebreus tencionava enfatizar a crença em Jesus Cristo, além de fundamentar bem a doutrina que ele está a destacar: o sacerdócio de Cristo. Algo importante a destacar desde já é que “a ‘teologia da nova aliança’ mais bem desenvolvida no NT encontra-se em Hebreus.
Na verdade, esse é um assunto ao qual o autor volta repetidamente, citando diretamente a passagem de Jeremias duas vezes.
O autor compara a velha e a nova alianças destacando a superioridade das promessas, sacrifícios, mediador, benção e herança inclusas nesta última” (1). Agora, como bem destaca P.R. Williamson, “a comparação entre as alianças em Hebreus é semelhante à de Paulo; não é comparação entre algo ruim e algo bom, mas entre algo bom e algo melhor ainda” (2).
Nosso estudo de hoje baseia-se no oitavo capítulo da carta aos Hebreus – capítulo esse que deve ser estudado minuciosamente por professores e alunos antes da aula, preferencialmente acompanhado de bons comentários bíblicos. Bom estudo!
I. UM SANTUÁRIO SUPERIOR
No início do oitavo capítulo de Hebreus, o autor já nos diz o resumo de seu ensino: “Ora, a suma do que temos dito é que temos um sumo sacerdote tal, que está assentado nos céus à destra do trono da Majestade, ministro do santuário e o verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, não o homem” (Hb 8.1,2). Perceba que ele diz: “a suma do que temos dito”, ou seja, o ponto principal, a questão mais importante do que se tem dito. Este ponto principal pode ser dividido em quatro tópicos:
- Temos um sumo sacerdote. Não deixamos de ter um mediador entre nós e Deus fazendo expiação e intercessão por nós; apenas temos agora o perfeito sumo sacerdote, o “grande sumo sacerdote” (4.14), que ofereceu de uma vez por todas o sacrifício de expiação e que oferece continuamente por nós rogos ao Pai. Jesus é este sumo sacerdote.
- Este sumo sacerdote está no céu, à destra da Majestade (o Pai). O lugar de Jesus à direita do Pai (lugar de honra e comando) já estava predito no Salmo messiânico que o autor da Carta aos Hebreus fez menção outrora. É o Salmo 110, onde está dito no primeiro verso: “Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo* dos teus pés”. Pela obediência ao Pai e pelo sacrifício completo que realizou, Jesus foi exaltado soberanamente e recebeu para si “um nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9). [*a palavra escabelo nada tem a ver com os cabelos ou pêlos dos pés. É antes uma referência a um banco de descanso para os pés usado quando a pessoa está sentada. O texto de Salmos 110.1 como Hebreus 1.13 ou 10.13 significa que os inimigos de Cristo serão “colocados debaixo dos pés dele”, ou seja, serão derrotados por ocasião de sua vitória final na consumação dos séculos]
- Este sumo sacerdote é ministro do santuário (celestial), que é o verdadeiro tabernáculo. No Sinai Deus revelou a Moisés o modelo do tabernáculo que ele deveria construir e lhe fez a advertência: “E me farão um santuário, e habitarei no meio deles. Conforme a tudo o que eu te mostrar para modelo do tabernáculo, e para modelo de todos os seus pertences, assim mesmo o fareis” (Ex 25.8,9). Naquele tabernáculo Deus se faria presente para receber o culto, as ofertas, os sacrifícios e se revelar a Moisés e ao povo. Seria um lugar sagrado, por isso “santuário”. Deveria ser tratado com reverência, de tal modo que somente os levitas poderiam trabalhar ali. Somente o sacerdote e sumo sacerdote podiam entrar no lugar Santo dentro do tabernáculo propriamente, e somente o sumo sacerdote podia entrar, uma vez por ano apenas, no Santo dos Santos onde ficava a arca da aliança – lugar este que por ser o mais santo representava o próprio céu onde Deus habita. Mas este tabernáculo terreno feito por mãos humana, era apenas um “exemplar [ou figura] e sombra das coisas celestiais” (Hb 8.5). Isso, evidentemente, não quer dizer que no céu existe um tabernáculo igual ao que foi construído por Moisés, com um altar para holocaustos, uma pia para lavatório, altar de incenso, candelabro e arca da aliança. Não! Quer dizer que estas coisas apenas são símbolos de coisas celestiais, especialmente do sacrifício de Cristo e da liberdade que agora desfrutamos para entrar na presença de Deus. O santuário de Moisés era apenas uma sombra, enquanto que o santuário celestial é a realidade. O culto levítico apenas apontava para a realidade que é Cristo. Nesse sentido, diz Gunnar Vingren: “Cristo não precisou, como o Sumo Sacerdote, se aproximar do santuário para apresentar um holocausto, já que ele próprio se transformou em holocausto. Tendo sido consagrado um santuário maior, Ele ofereceu, de uma só vez, o seu corpo e o seu sangue”. (3)
- O tabernáculo celestial foi fundado pelo próprio Deus. Por estar no céu e ser fundado pelo próprio Deus, este tabernáculo é eterno e indestrutível. Em Cristo temos a segurança de um sacerdócio elevado e permanente, que não dará lugar a outro pacto. Estamos na última e única aliança de Deus com os homens, o pacto da graça! Desviar-se de Cristo, é vaguear para sempre na escuridão.
II. UM MINISTÉRIO SUPERIOR
– uma nova aliança, um serviço melhor
Em Hebreus 8.6 está dito que Cristo, nosso Sumo Sacerdote, “agora alcançou um ministério tanto mais excelente, quanto é mediador de um melhor concerto”. Duas palavras são chaves aqui: ministério e concerto. Por ministério (gr. leitourgia) entende-se o ofício de Jesus como Sumo Sacerdote; é o seu serviço religioso prestado para Deus e em nosso favor: com muito mais excelência Cristo realiza o seu serviço, que os sacerdotes da ordem levítica. Tanto seu sacrifício foi mais excelente, porque cumpriu com perfeição irretocável toda justiça de Deus, quanto suas orações hoje realizadas junto ao Pai em nosso favor são mais excelentes, já que se respaldam na doce fragrância de seu sangue oferecido na cruz e apresentando ao Pai no altar celestial. Por concerto (gr. diatheke) entende-se o grande acordo feito entre Deus e a humanidade baseado no sangue (agora, no sangue de Cristo) e toda a dispensação da graça com as bênçãos que são inerentes a ela. Este concerto firmado na Cruz não só é posterior ao concerto feito no Sinai como é melhor que o anterior, e é definitivo.
– uma nova aliança ou a velha condenação
O antigo concerto ou a antiga aliança já foi estabelecido com prazo de validade. Não objetivava durar para sempre, visto que por ele ninguém seria aperfeiçoado para chegar-se a Deus. O antigo concerto revela as falhas e a incapacidade humana, ao passo que o novo concerto revela a graça imensurável de Deus em Cristo que “é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus” (Hb 7.25). E ressalte-se ainda que se este novo concerto não fosse firmado entre Deus e os homens, estaríamos fatidicamente perdidos! Ou uma nova aliança se estabelecia ou estaríamos debaixo da velha condenação! Nas palavras de Jacó Armínio, “uma vez que o primeiro concerto havia sido enfraquecido, pelo pecado e pela carne, e não podia trazer justiça e vida, era necessário fazer outro concerto ou que fôssemos expulsos, para sempre, da presença de Deus”. (4)
– uma nova aliança. Por que nova?
Após a ceia pascoal, Jesus oferece aos seus discípulos uma nova refeição com caráter completamente espiritual e que viria a substituir entre os seus seguidores a ceia pascoal. Era o pão, símbolo de seu corpo a ser dilacerado na cruz, e o vinho, símbolo de seu sangue a ser vertido e oferecido ao Pai como oferta de propiciação em nosso favor. Sangue este que assegura a aceitação das orações de Cristo, realizadas hoje em seu ofício sacerdotal no Santo dos Santos. Ali, naquela noite de instituição da Ceia cristã, Jesus disse a seus discípulos: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós” (Lc 22.20). Jacó Armínio explica para nós com muita pertinência o caráter de novidade dessa aliança: “Pela intervenção, portanto, desse sangue, foi feito outro concerto, não mais um concerto de obras, mas pela fé, não de lei, mas de graça, e não antigo, mas novo – e novo, não porque fosse posterior ao primeiro, mas porque nunca seria revogado ou repelido, e porque a sua força e vigor deveriam ter uma duração perpétua”. (5)
III. UMA PROMESSA SUPERIOR
Deus já havia feito a grande promessa de estabelecer uma nova aliança, que removeria a anterior. O autor da Carta aos Hebreus (8.8-10) inclusive toma esta promessa registrada em Jeremias 31.31-34. O comentarista da nossa Lição, pastor José Gonçalves, apresenta-nos três características desta promessa da nova aliança:
- Natureza interior e espiritual – “porei as minhas leis no seu entendimento e em seu coração as escreverei”
No antigo pacto, não deixava de haver um certo elitismo no que diz respeito ao estudo e compreensão da lei: sacerdotes, escribas e intérpretes da lei. Jesus acusa, inclusive, muitos destes por estarem fechando aos homens o reino dos céus, nem entrando nem deixando os outros entrarem (Lc 11.52). No novo pacto, porém, o Pai oculta dos “sábios e entendidos” os seus mistérios, e revela-os aos pequeninos (Mt 11.25). Severino Pedro diz que “Os fiéis atualmente recebem em seus corações uma espécie de ‘unção especial’ [1Jo 2.27], como aquela que recebiam os sacerdotes, profetas e reis no Antigo Testamento, para ministrarem perante o Senhor, chamada de ‘unção do Santo’ (1Jo 2.20). Esta unção capacita cada crente a entender ‘…qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus’”. (6)
- Natureza individual e universal
Williamson destaca em Novo Dicionário de Teologia Bíblica, que a “nova aliança” á tanto nacional quanto internacional. Este autor observa que “o alcance dessa nova aliança transcende claramente as fronteiras nacionais e territoriais (…) se estenderá até os confins da terra, abrangendo finalmente todas as nações (Is 42.6; 49.6; 55.3-5; 56.4-8; 66.18-24)” (7). Os vinte e quatro anciãos do Apocalipse cantavam ao Cordeiro um cântico que demonstra a universalidade da nova aliança estabelecida no sangue de Cristo: “Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue nos compraste para Deus de toda a tribo, e língua, e povo, e nação; e para o nosso Deus nos fizeste reis e sacerdotes; e reinaremos sobre a terra” (Ap 5.9,10). Como já foi bem colocado pelo autor da Carta aos Hebreus, Jesus provou a morte por todos (2.9).
- Natureza relacional – “eu lhes serei por Deus e eles me serão por povo”
O véu se rasgou, Cristo abriu para nós um novo e vivo caminho. Que benção é para nós podermos desfrutar todos de um relacionamento com Deus que não fora vivido em tempos outrora! Uma grande aplicação prática desta Lição, como ressalta A. W. Tozer, é que “Todo cristão pode relacionar-se com o Senhor e encontrar-se com Ele; ter acesso ao Santíssimo Lugar e, com o coração, poder encontrar, conhecer e sentir a presença dEle de um modo maravilhoso, mas do que qualquer homem ou mulher seria capaz de experimentar nesse mundo”. (8)
CONCLUSÃO
Pelo sangue de Cristo vertido na cruz fomos ingressados pela fé num novo pacto de Deus com a humanidade, o pacto da graça. Neste pacto da graça, todos os que cremos fomos iluminados (já não reinam mais as trevas em nós), temos provado o dom celestial (a salvação nos foi trazida ao coração), provado a boa palavra de Deus (a fome de nossa alma está saciada e as impurezas do coração removidas), experimentado os poderes da era vindoura (grandiosos sinais e maravilhas) e ainda temos, especialmente, sido feitos participantes do Espírito Santo (o maravilhoso sinergismo espiritual).
Na nova aliança, temos um sacrifício já efetuado com perfeição – tetelestai: está consumado (Jo 19.30) – que é poderoso para propiciar não só os pecados dos que já creram, mas do mundo inteiro (1Jo 2.1,2). Na nova aliança, temos junto ao trono do Pai um fiel sumo sacerdote que intercede por nós, “não com angústia de espírito (…) como se estivesse caído de joelhos diante do Pai, mas na confiança do derramamento do seu próprio sangue” (como dizia Armínio) (9).
No céu, Cristo não sofre mais como no Getsêmani; no céu, Cristo não sua mais como que gotas de sangue; no céu Cristo nunca é visto de joelhos, mas sempre de pé (para receber as almas de seus fiéis, como Estevão – At 7.56) ou assentado à destra da Majestade (Hb 8.1). As orações dele, por nós, nunca são rejeitadas, e o que quer que pedirmos, no seu nome (em comunhão com ele e em submissão a ele), será, em virtude dessa intercessão de Cristo, ouvido e atendido.
Em face de tão grande privilégio, não nos convém perseverar nesta fé e render a Deus gratidão jubilosa pelo seu grande amor, com que nos fez participantes desta maravilhosa nova aliança?
REFERÊNCIAS
(1) P.R. Williamson. Novo dicionário de teologia bíblica. Vida, p. 584
(2) P.R. Williamson. Op. cit. Grifo meu
(3) Gunnar Vingren. O tabernáculo e suas lições por Gunnar Vingren. CPAD, p. 73
(4) Jacó Armínio. As Obras de Armínio, vol. 1, CPAD, p. 45
(5) Jacó Armínio. Op. cit., p. 46
(6) Severino Pedro da Silva. Epístola aos Hebreus, CPAD, p. 147
(7) P.R. Williamson. Op. cit., p. 581
(8) A.W. Tozer, Experimentando a presença de Deus: ensinamentos da carta aos Hebreus, Graça editorial, p. 101
(9) Jacó Armínio. Op. cit., p. 43