opinião
O dia que a Terra (Brasil) parou
Enquanto escrevia este texto recebi a “boa notícia” da suspensão do bloqueio do WhatsApp que era para ser de 48 horas, e que tudo voltou ao “normal”.
Cristãos do mundo inteiro aguardam ou, pelo menos, já foram ensinados em suas igrejas sobre um momento ímpar na história que trará impactos significativos a toda humanidade e natureza existente. A impressão que temos é que no Brasil algo semelhante a isso, estranho e impactante tem ocorrido nas últimas horas, alterando substancialmente a rotina das pessoas, bem como os seus relacionamentos.
Alguns exemplos de casos extraordinários de que se tem notícia neste dia é o fato de filhos que há muito tempo nem ao menos cumprimentavam os seus pais, hoje tiveram uma conversa amigável e a oportunidade de ficar abraçados por um tempo sem interrupções; donas de casa que há tempos reclamavam do estado bagunçado em que suas casas se encontravam, hoje puderam deixá-las brilhando e perfumadas; mães que passavam seu tempo deitadas na cama ou sofá enquanto seus filhos eram cuidados por Deus, hoje vivenciaram momentos prazerosos com seus filhos no café da manhã, nas conversas e brincadeiras que antes não ocorriam.
Situações como estas se espalharam no Brasil todo. No âmbito profissional, trabalhadores tiveram a sua produtividade aumentada de forma extraordinária, os acidentes de trabalho diminuíram drasticamente e muitas pessoas descobriram outras pessoas (como elas) trabalhando juntas no mesmo departamento há anos.
O trânsito estava otimizado e fluía de forma impressionante. Quase não foram registrados acidentes fatais neste período.
Pessoas que reclamavam por não ter tempo para concluir as suas atividades diárias, conseguiram de modo, quase que miraculoso, concluí-las com folga em suas agendas, inclusive com tempo para convidar outros seres humanos, como elas, para tomar um sorvete na praça.
As pessoas que viviam em suas casas de cabeça baixa ou que andavam pelas ruas da mesma maneira, com os filhos fitos em seus smartphones, descobriram que não estavam sozinhas e que tinham um horizonte de oportunidades para conhecer outras pessoas e firmar laços de amizade e afeto. Casais que há muito não se olhavam nos olhos, hoje redescobriram o prazer da reciprocidade.
Ironias à parte, a esta altura talvez você tenha ideia de que fenômeno é este, que culminou na mudança drástica do comportamento da sociedade brasileira. De fato, não há nada relacionado com o acontecimento escatológico esperado pelos cristãos, antes fosse. O que ocorre é que a Justiça brasileira determinou o bloqueio do WhatsApp, aplicativo de mensagens por texto e voz utilizado e conhecido em todo o mundo. Não precisa explicar, não é?
O WhatsApp de todo não é um problema. Sua importância é notável e facilita a vida de milhões de pessoas no mundo. Fato irrevogável.
Entretanto, o acontecimento de hoje demonstra o estágio de fragilidade do ser humano, causado por ele próprio, que tem avançado em conhecimento e tecnologia, mas por outro lado tornou-se escravo ou refém delas. Na tentativa de obtenção de fama, poder ou até mesmo de facilitar a vida das pessoas o homem tem abandonado a sua natureza essencial para se adaptar as novas tendências que, mais o torna parte integrante de um sistema tecnológico, do que propriamente alguém que está no comando, fora deste sistema.
Como cristão creio na perniciosidade deste processo que, infelizmente, não possui retorno. O agravo disso reside no meio do povo que se diz cristão, mas que vive uma vida vazia e distante de Deus, substituindo as ações e os relacionamentos frutíferos com seus semelhantes por andarem segundo os padrões e anseios deste mundo, algemados a um sistema hedonista e de produção de status. Ou seja, se você não está conectado, como todos estão, você está fora da moda.
Esta superficialidade da vida cristã tem sido cada vez mais notória quando percebemos que a primeira preocupação ao acordarmos tem sido a verificação do “zap-zap”, ao invés de entrarmos em conexão com Deus dando graças por mais um dia que o sol brilhou sobre as nossas vidas. Não bastasse isso, passamos o dia todo perdendo um tempo grande e precioso com este aplicativo, em detrimento da nossa comunhão com Deus que talvez, a esta altura, já nem exista mais.
Neste contexto, muitos cristãos seguem acreditando que o simples fato de “baterem cartão” nos cultos de suas igrejas para receber suas bênçãos, os tornam merecedores de uma “salvação de faz de conta”. Seguem enganados, uma vez que não existem em suas vidas frutos dignos de arrependimento.
Que a multiforme graça de Deus nos leve a deixarmos aquilo que é periférico para mergulharmos no centro da Sua vontade com ações de justiça e de adoração verdadeiras. Que o anseio pela volta do nosso Salvador seja infinitamente maior do que o anseio pelo retorno do WhatsApp.
Enquanto escrevia este texto recebi a “boa notícia” da suspensão do bloqueio do WhatsApp que era para ser de 48 horas, e que tudo voltou ao “normal”. Com a relevância comercial e cultural que este aplicativo possui a nível mundial, dificilmente uma ordem da justiça brasileira como esta seria cumprida à rigor. Cá para nós, no mundo dos negócios, cujo deus é Mamom, o buraco é bem mais embaixo.
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