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opinião

O espírito de classe média nas igrejas cristãs brasileiras

O culto e a liturgia destas igrejas, bem como a sua teologia foram adaptadas ao consumismo do nosso tempo.

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Em tempos onde a crescente concessão de créditos, entre outros fatores, fez com que a sociedade brasileira experimentasse um maior poder de compra (com a elevação dos preços de forma geral) alargando ou dando uma nova cara à classe média brasileira, muitas igrejas também experimentaram algo parecido em sua forma de ser e de atuar enquanto instituição religiosa.

O culto e a liturgia destas igrejas, bem como a sua teologia foram adaptadas ao consumismo do nosso tempo. A igreja e sua vida relacional foram moldadas a partir dos conceitos da nova classe média que emergiu nos últimos dez anos. Prova disso são os custos elevados para manter altos padrões de conforto e para a participação dos mais variados programas da igreja, como: acampamentos, retiros de casais, congressos, assembleias, etc.

O espírito de classe média que tem rondado as igrejas neste tempo transformou muitas delas em locais, onde a maioria de seus membros possui o mesmo perfil socioeconômico, ou seja, condições financeiras e aspectos sociais dentro de uma faixa aceitável a todos da comunidade. De certo modo isso é confortável a todos, pois facilita as relações entre os irmãos que em tese possuem os mesmos assuntos e anseios em relação à ostentação das “bênçãos” que têm recebido de Deus.

Por outro lado, comunidades cristãs com alta diversidade socioeconômica entre seus integrantes, acabam por criar segregações e constrangimentos por parte dos membros que não possuem recursos financeiros suficientes para a participação dos programas da igreja que exigem certo investimento. Logo, apenas “a elite” participa dos eventos mais caros e o restante dos irmãos fica chupando os dedos.

De certo modo, estas diferenças e desigualdades entre as pessoas de uma comunidade cristã são chamadas de estratificação social. A priori não há problemas nesta estratificação, uma vez que num país como o Brasil a desigualdade social é um câncer alimentado pela alta disparidade na distribuição de renda. A igreja não é do mundo, mas está inserida nele e isto implica que as pessoas estejam expostas e imersas neste contexto socioeconômico.

Algumas igrejas do nosso tempo, por conta de fatores estranhos a Palavra de Deus, tem focado no atendimento de determinadas fatias econômicas da sociedade, criando um modus operandi que nada tem a ver com a propagação do Evangelho. Pelo contrário, preocupam-se mais com a satisfação do ego de pessoas, cujos valores cristãos saíram de cena para dar lugar ao “hedonismo gospel”.

Prova disso é a ação do espírito de classe média nestas igrejas, presente nos discursos da liderança e da membresia em geral, onde são evocados elementos de natureza materialista nas pregações, nos ensinos ou numa simples conversa de gabinete. Basta notar os assuntos geralmente relacionados aos aspectos materiais, como: as viagens e aquisições feitas, os negócios fechados, o último perfume importado, as roupas e acessórios da moda, “o bolso que coça” pela última caminhonete SUV, o púlpito de acrílico que deve ser trocado por um de mármore, e por aí vai.

Todavia, uma solução (ainda que utópica) para este problema reside no fato de a igreja incorporar, por meio do altruísmo, elementos como “diakonia e koinonia”, ou seja, serviço e comunhão, presentes na Palavra de Deus para que estas diferenças socioeconômicas sejam minimizadas resultando no bem comum.

Isso de longe significa algum apelo ao comunismo de Marx e Engels[1] ou qualquer viés político-ideológico, a fim de tirar dos mais ricos e sustentar os mais pobres de forma irresponsável e perene, mas tentar encontrar meios simples e práticos para reduzir a segregação econômica no seio da comunidade.

No que se refere à diakonia, a comunidade cristã de hoje, guardadas as devidas proporções, pode e deve aplicar o seu coração a mesma experiência de serviço que a igreja primitiva teve. Na prática podemos mencionar o uso das entradas de dízimos e ofertas para o investimento em vidas suprindo as necessidades dos mais carentes, criando oficinas de aprendizado profissional ou departamentos de assistência social que funcionem de verdade, e não apenas para o mero controle e distribuição de cestas básicas e de roupas, como se isso já fosse “o suprassumo da caridade”.

Ainda sobre o uso dos dízimos e ofertas, uma boa forma de servir a comunidade seria destinar parte destas entradas para a diminuição dos altos custos dos eventos e programas da agenda anual, facilitando a participação e a edificação de todos os integrantes da igreja.

Em relação à koinonia, fica claro que a igreja cristã primitiva percebia a necessidade entre seus irmãos por meio da comunhão e se aplicava em suprir esta demanda, não por imposição ou autoritarismo da liderança, mas por um espírito voluntário pronto a obedecer a Deus e a amar o seu próximo. Por meio da comunhão entre irmãos é possível que se encontrem meios para que o irmão que passa por dificuldades, sobretudo financeiras, seja assistido inicialmente até que possua autonomia para caminhar com as próprias pernas.

Por fim, outra saída seria a mudança de mentalidade no desenvolvimento dos cultos e liturgias, uma vez que estes têm se tornado mais atrativos por seus elementos estéticos (ornamentação luxuosa, confortos de primeira classe, conceitos de business, etc.), do que propriamente pela natureza e essência bíblicas (ensino da Palavra, relacionamentos fraternos, pregação do Evangelho, etc.) características dos grandes avivamentos da história cristã. Infelizmente, o culto tem deixado de ser para Cristo e passado a ser um “entretenimento em nome de Jesus”.

Oremos para que este espírito de classe média, que tem tornado crentes em consumidores irresponsáveis e igrejas em varejistas da religião, seja banido do nosso meio pelo poder do Espírito Santo, dando lugar a pureza bíblica e a relevância da igreja na sociedade por meio do poder transformador do Evangelho.

[1] Karl Marx e Friedrich Engels, pais do Socialismo Cientifico ou Marxismo.

Apologista cristão por vocação. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Filosofia também pela PUC-Campinas-SP e em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP.

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