opinião
O perigo do minimalismo moderno
Não vejo perspectiva a curto ou médio prazos para uma solução quanto a estas questões.
Minimalismos são perigosos. E que estamos vivendo em uma era de minimalismos, disto quase ninguém duvida. O minimalismo é uma espécie de “sinônimo inverso” do generalismo. E por que não chama-lo logo de “antônimo”? Porque há o mesmo conceito (não o contrário), mas, visto de forma inversa. Explico. Enquanto que, no passado, tendia-se a generalizar-se quase tudo, a generalização era, por sua vez, feita por questões ideológicas arraigadas, fossem falsas ou verdadeiras.
Estas questões ideológicas arraigadas propiciaram a própria civilização ocidental, que foi construída, por exemplo, acreditando que a “cultura europeia – a catalisadora da civilização ocidental – era superior”. Este generalismo era ele mesmo um agente impulsionador do pensamento europeu e, à época do Renascimento (século XV), foi uma das principais molas propulsoras para o desenvolvimento da cultura e arte europeias, a níveis nunca antes vistos. Isto permanece na Europa, nos séculos seguintes, mas produzindo uma outra espécie de generalismo, um inverso, cuja característica é minimalista.
O homem moderno (e aqui refiro-me mais especificamente ao ocidental) entrou numa era de subjetividade e subjetivismo, no século XIX, que o tem feito buscar respostas na menor partícula social que se conhece: o indivíduo. O individualismo é uma característica inegável do século XX, mas é ele próprio o reflexo do minimalismo ao qual estávamos destinados, por nossas escolhas. Não era mais a sociedade um paradigma a ser estabelecido como modelo para as demais, mas “eu” mesmo.
O “sujeito” exemplificado na própria ideia moderna do antropocentrismo dissolve-se na subjetividade de cada indivíduo, que passa a ser a célula social e existencial, o próprio motivo de ser da sociedade. É claro que temos nos movimentos comunista, nacional-socialista e social-democrata práticas que, apesar de início apresentarem-se conforme o ideal moderno da valorização do indivíduo, à medida em que tomaram o poder em diversos países, no século XX, revelaram-se mais massificadoras e alienantes do que qualquer outra coisa inventada. É o próprio paradoxo da modernidade.
Contudo, de um modo geral, a modernidade produziu, no Ocidente principalmente, o meio pelo qual a subjetividade extremada do homem pôde desenvolver-se como uma visão minimalista das coisas. Apesar de todo o esforço global para que o mundo tornasse-se menor, menores na verdade tornaram-se as ideias dos homens acerca do mundo. E isto se percebe bem no multiculturalismo atual: a relativização radical do estilo de vida de cada um, de cada cultura, faz com que intelectuais e pessoas estudadas, hoje, defendam o infanticídio de tribos indígenas, ou a mutilação genital feminina no Norte da África, ou o apedrejamento indiscriminado de jovens homossexuais no Irã ou Arábia Saudita, por restringirem quaisquer acontecimentos às respectivas culturas em que estão inseridos, negando até mesmo avanços extraordinários como uma “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que temos, hoje.
O minimalismo, não esqueçamos, foi a causa de nazistas, por exemplo, generalizarem ao inverso, ou seja, a partir da ideia de que “os judeus são uma raça inferior”, virem em cada judeu a expressão mesma da inferioridade da raça, sem abrir a possibilidade de que um único judeu revelasse-se superior ao próprios “arianos”– em conhecimento, ética, comportamento etc. -, posto que, como “teoria científica”, se houvesse um exemplo que a contradissesse, a mesma teria de ser abandonada.
Logo, julgar a priori o judeu como “inferior” era, pasme, um “princípio científico” aceito pelo reich alemão nazista; e não somente isto, mas endossado por escritores, filósofos, políticos e clérigos religiosos! E isto numa sociedade que, em fins da década de 30, era considerada a mais avançada tecnologicamente falando, em toda a Europa! Este é o poder do minimalismo: consegue produzir as mais hediondas classes de paradoxos.
Em termos religiosos, o minimalismo atingiu em cheio o cristianismo. Veja-se, por exemplo, a forma como se defende a Hermenêutica em nossa realidade. Enquanto grupos que defendem a supremacia absoluta da Escritura sobre qualquer outro princípio humanos, utilizam-se destes mesmos princípios para, através da Escritura, defenderem a si próprios como absolutos! O contrassenso contudo não para aí.
No meio evangelical surgem, num outro extremo, princípios cada vez mais minimalistas, os quais não se importam de, por sua vez, não terem absolutamente base alguma para suas práticas, importando apenas o resultado que parecem apresentar. O minimalismo está, portanto, em práticas religiosas, na falta plena de quaisquer liturgias de culto, em ações que beiram o animismo religioso, ou seja, as mais primitivas e rudimentares práticas de se atribuir o sobrenatural ao natural, tudo, é claro, sob nomenclaturas conhecidas, como “ungido”, “consagrado”, “dedicado”, “ato profético”, “amarração” e por aí vai.
Enquanto uns imaginam-se errônea e minimalisticamente como intelectuais (letrados apenas naquilo em que creem!), outros ufanam-se, vangloriam-se em não seguirem qualquer tipo de letra, ou seja, justamente por serem teologicamente iletrados!
Não vejo perspectiva a curto ou médio prazos para uma solução quanto a estas questões. Evitando cair no erro que combato, tento também não ser minimalista. Sei que há expoentes e, graças a Deus, crescentes, que lutam contra os minimalismos de nossa era, esforçando-se por serem e construírem grupos, comunidades e igrejas mais conscientes, sabedoras de seus limites e atentas àquilo que podem ser e fazer com relevância em meio a uma sociedade que teima em ter “respostas prontas” para tudo.
É por estes que também oro e peço a Deus que lhes dê cada vez mais desenvoltura para que, ao menos a longo prazo, trabalhem a profundidade necessária que a mensagem transformadora do Evangelho requer, bem como de toda a Escritura Sagrada, afim de que saiamos deste mar de águas rasas e ideias pré-fabricadas, aceitas sem critério, vividas sem profundidade e que contribuem para o declínio de nossa sociedade, pouco a pouco, até que se nos reste o mínimo ou nada.
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