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estudos bíblicos

O que é expiação ilimitada?

O que a Bíblia diz sobre a expiação ilimitada de Jesus Cristo sob a visão arminiana e o que diz a tradição monergista.

em

Jesus na Cruz em The Bible (Divulgação)

Vimos no artigo anterior, uma exposição a respeito da doutrina da eleição. Nela, pudemos constatar que, as posições arminiana e calvinista, diferem-se drasticamente nos conceitos dos decretos de Deus e da predestinação.

Para os calvinistas, Deus elegeu aqueles que serão salvos, antes da criação (supralapsarianismo) ou depois da queda do homem (infralapsarianismo). Os arminianos, entretanto, creem numa eleição corporativa, isto é, Deus escolheu e predestinou a Igreja e não os indivíduos. Trata-se de uma eleição com base em Sua presciência, ao passo que, para os calvinistas, com base em Sua Soberania.

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A discussão (não no sentido pejorativo da palavra), agora é outra: por quem Jesus morreu? Teria o nosso Redentor morrido apenas por aqueles que Ele escolheu desde a eternidade? Ou teria Cristo morrido por toda a humanidade, dando assim, a oportunidade de salvação a todo aquele que crer?

Se Ele morreu por toda a humanidade, quais seriam os efeitos dessa obra? Todos seriam salvos ou há condições? Nosso objetivo é analisar calmamente, embora não exaustivamente, a doutrina da expiação, de modo que essas perguntas e outras que surgirem no decorrer das análises, sejam respondidas à luz das Escrituras.

Artigo II – Remonstrância

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“Que, em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que obteve para todos, por sua morte na cruz, reconciliação e remissão dos pecados; contudo, de tal modo que ninguém é participante desta remissão senão os crentes.”

O que é expiação

Antes de mais nada, é interessante definirmos “expiação”. Erickson definiu-a como sendo um “aspecto da obra de Cristo, e particularmente sua morte, que torna possível a restauração da comunhão entre indivíduos que creem em Deus”, além de se referir ao “cancelamento do pecado”.[1]

Rigsby diz que, a palavra expiar e seus derivados vêm de kipper (hb.), cujo significado é cobrir ou limpar. Já nos textos neotestamentários, a palavra “expiação” praticamente não aparece nas versões em português, senão em algumas versões católicas, na ARC, na ACF e na Bíblia Literal do Texto Tradicional Anotada de 2009.[2] Na maioria das vezes, as palavras gregas são derivações de hilaskomai e normalmente elas são traduzidas por “sacrifício”, “propiciação”, “propiciatório” e “reconciliação”.[3]

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Pecota acrescenta, ainda, que o grupo de palavras – tanto hebraicas, quanto gregas – para expiação, possui o sentido de “aplacar”, “pacificar”, “conciliar” ou “encobrir com um preço”, a fim de remover o pecado ou a ofensa da presença de alguém.[4]

O teólogo metodista do século XIX, Richard Watson, definiu expiação como sendo a “satisfação oferecida à justiça divina por meio da morte de Cristo pela humanidade, em virtude do qual todos os verdadeiros penitentes que creem em Cristo são pessoalmente reconciliados com Deus, livrados de toda pena dos seus pecados e feitos merecedores da vida eterna”.[5]

Falando sobre a universalidade do sacrifício de Cristo, Thomas Summers, outro teólogo metodista do final do século XIX, disse que expiação “é aquela satisfação feita para com Deus pelos pecados de toda humanidade, quer seja pelo pecado original ou pelos pecados atuais, pela mediação de Cristo e, especialmente pela Sua paixão e morte, de maneira que o perdão é gratuito a todos”.[6]

Arminianos e Calvinistas concordam com a ideia da depravação total e que, portanto, éramos por natureza filhos da ira (Ef 2.3), não havendo um justo sequer (Rm 3.10,11).[7] Sendo assim, somente o sacrifício de Cristo poderia abrandar ou aplacar a ira de Deus, reconciliando o Criador com a criatura.  Desta forma, podemos concluir, como afirma Rigsby, que “a ideia que está por trás da palavra expiar é reconciliar”, pois “sem uma ação expiatória, a raça humana está separada de Deus”.[8]

Pelo menos nisso gozamos de unanimidade! A questão divergente entre os sistemas monergista e sinergista, no tocante à expiação, está na abrangência desta.

Para os calvinistas, ou melhor dizendo, para os calvinistas de cinco pontos,[9] a expiação é de alcance limitado, isto é, somente para os que foram predestinados para a salvação. Para os arminianos, é de caráter ilimitado, ou seja, Jesus morreu por toda a humanidade. É bom que entendamos o que se expressa em cada teologia no tocante a tal abrangência. Vejamos a seguir:

Expiação limitada na tradição monergista

A posição calvinista sobre a expiação limitada está delineada na Confissão de fé de Westminster:

“O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça do Pai e para todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.”[11]

E no Catecismo de Heidelberg:

“Por que Cristo devia sofrer a morte? Porque a justiça e a verdade de Deus exigiam a morte do Filho de Deus; não houve outro meio de pagar nossos pecados.”[12]

Podemos citar, ainda, o Cânone de Dort, o qual descreve em seu segundo capítulo, nove artigos sobre a “morte de Cristo e a redenção humana através dela”. O primeiro artigo mostra que Deus não é apenas misericordioso, mas também “supremamente justo”, sendo que sua justiça requer “que os pecados que cometemos contra sua infinita majestade sejam punidos com punições tanto temporais quanto eternas”.

Não há possibilidade de escapar do juízo de Deus a menos que lhe seja dada uma satisfação (expiação). Sendo assim, o segundo artigo mostra que, essa satisfação só é dada através de Cristo.

“A morte do Filho de Deus”, diz o terceiro artigo, “é sacrifício único e inteiramente completo, e satisfação pelos pecados; é de valor e merecimento infinitos, mais que suficiente para reconciliar os pecados de todo o mundo.” Embora pareça pender para a expiação ilimitada, o quarto artigo continua o raciocínio do valor do sacrifício de Cristo, como sendo infinito, em virtude da natureza de quem era sacrificado: o Cristo unigênito de Deus – de mesma natureza e essência eterna e infinita com o Pai e o Espírito Santo – e verdadeira e perfeitamente homem, o qual sem pecado, morreu por nossos pecados.

O quinto artigo resvala a eleição condicional, quando diz que, “é promessa do evangelho que todo aquele que crer no Cristo crucificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta promessa, juntamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho”.

É, porém, a partir do sexto artigo que vemos mais claramente as ideias predestinistas. É tratado aqui do problema da responsabilidade do homem. Verdadeiramente, o calvinismo não nega este fato, porém, o trata de uma forma maquiada, pois o próprio artigo propõe que o não arrependimento dos descrentes não se trata de insuficiência ou deficiência do sacrifício de Cristo, mas da própria falta dos ímpios,[13] pois, conforme trata o sétimo artigo, somente eleitos desde a eternidade é que recebem o dom da fé. Ora, se Deus decretou desde a eternidade a reprovação daqueles, não seria a responsabilidade divina ao invés de humana? Não foi Deus quem escolheu a quem daria a fé e a quem não daria?

Neste ponto consigo compreender o questionamento de John Wesley: “qual seria o pronunciamento da humanidade (…) a respeito daquele que, sendo capaz de livrar milhões da morte apenas com um sopro de sua boca, se recusasse a salvar mais do que um dentre cem e dissesse: ‘Eu não faço porque não o quero’? Como exaltarmos a misericórdia de Deus se lhe atribuímos tal procedimento?”.[14]

O oitavo artigo propõe explicar a eficácia do sacrifício de Cristo:

“Porque este foi o plano soberano e o mui gracioso desejo e intenção de Deus o Pai: que a eficácia vivificante e salvífica da preciosa morte de seu Filho operasse em todos os escolhidos, de modo que pudesse conceder-lhes fé justificadora e por meio dela os guiasse infalivelmente à salvação. Em outras palavras, foi vontade de Deus que Cristo através do sangue na cruz (pelo qual ele confirmou a nova aliança) deveria efetivamente redimir de todos os povos, tribos, nações, e línguas todos aqueles, e somente aqueles, que foram escolhidos desde a eternidade para salvação e que foram dados a ele pelo Pai…”

O capítulo termina com a consumação do plano de Deus, que não pôde, não pode e nunca poderá ser frustrado. O plano, segundo o último artigo, provém “do eterno amor de Deus por seus escolhidos”, mas é difícil enxergar tal amor com as lentes arminianas, pois o critério dessa eleição vai de encontro com o caráter amoroso de Deus. Se admitirmos essa eleição incondicional, teremos de admiti-la como uma acepção soberana de Deus das pessoas.

Compreendendo a Expiação Limitada

Sproul disse que “há muita confusão sobre o que a doutrina da expiação limitada realmente ensina”.[15] Talvez, a pergunta correta para compreendermos tal doutrina, não seja “por quem Jesus morreu?”, mas “por quê?”. Berkhof comenta que, a expiação foi destinada a cumprir três propósitos, a saber: “a afetar a relação de Deus com o pecador, o estado e a condição de Cristo como o Autor Mediatário da salvação, e o estado e a condição do pecador”.[16]

Com referência a Deus, não no sentido de sua natureza ou atributos, visto que é imutável, mas na relação de Deus com as criaturas. Sua ira foi aplacada. Sobre isso, Berkhof diz que “a expiação não deve ser entendida como a causa motora do amor de Deus, pois já foi uma expressão do seu amor”. Com respeito a Cristo, a expiação assegurou “multiforme recompensa”. Foi “constituído Espírito vivificante, fonte inexaurível de todas as bênçãos da salvação para os pecadores”. E, finalmente, no tocante aos homens, a expiação não apenas tornou a salvação possível, mas garantida “àqueles para os quais estava destinada”.

Todavia, preciso discordar dele, pois a sequencia dos decretos de Deus, segundo a ótica calvinista, faz do plano da redenção o cumprimento de um elo predeterminado de uma corrente de eventos. Não consigo visualizar um plano de amor, mas um ato mecanicista e deliberadamente soberano. Para que essa “lógica irresistível” – como diz Sproul, fazendo alusão a Lutero – faça sentido, é preciso que aceitemos que Deus tenha premeditado (predestinação) a queda de Adão, ao invés de tê-la previsto (presciência), o que inevitavelmente tornaria Deus o autor do mal.

Referências

[1] ERICKSON, Millard. Dicionário Popular de Teologia. 2011, Mundo Cristão, p. 77.
[2] Na versão da CNBB encontramos em Rm 3.25; Hb 2.17; 9.5; 13.11 e em 1 Jo 2.2; 4.10; Na ARC (Almeida Revista e Corrigida), bem como na ACF (Almeida Corrigida Fiel), encontramos apenas em Hb 2.17; Finalmente, na versão da Bíblia literal do Texto Tradicional Anotada de 2009, encontramos somente em Rm 5.11.
[3] RIGSBY, Richard. A Expiação. In: DOCKERY, David S.. Manual Bíblico Vida Nova. 2010, Vida Nova, p. 823.
[4] PECOTA, Daniel. B.. A Obra Salvífica de Cristo. In: Teologia Sistemática. HORTON, Stanley M. (org.). 1996, CPAD, pp. 352,353.
[5] WATSON, Richard. Atonement. In: _____. A Biblical and Theological Dictionary. 1832, John Mason, p. 116.
[6] SUMMERS, Thomas Osmond. A Complete Body of Wesleyan Arminian Divinity. 1888, Publishing House of the Methodist Episcopal Church, p. 258,259.
[7] A doutrina da Depravação Total ainda será abordada no nosso terceiro artigo. Os conceitos são idênticos, mas alguns calvinistas acusam injustamente os arminianos de crerem numa Depravação Parcial, o que está mais para o semi-pelagianismo, conforme teremos a oportunidade de abordar.
[8] RISGBY, Richard. Op. Cit., p 823.
[9] A abrangência da expiação divide a opinião nos círculos calvinistas. Alguns deles não aceitam a limitação do derramamento do Sangue de Cristo e negam o ponto da expiação limitada. Eles são chamados de calvinistas de quatro pontos e apelidados por alguns calvinistas de “calvinistas de Natal”, em função do trocadilho “Noel” (no L), do inglês, que quer dizer “sem o L” (o L do Limited Atonement – Expiação Limitada). Podemos citar como calvinistas de 4 pontos, Richard Baxter, Moyse Amyraut, John Davenant, Norman Geisler, Charles C. Ryrie e Lewis Sperry Chafer, dentre outros.
[10] Preferi utilizar a expressão “tradição monergista” porque acho injusto chamar o calvinismo de tradição reformada. Os arminianos creem nos mesmos princípios da Reforma Protestante (os 5 solas) e integram, sem sombra de dúvidas, a tradição reformada.
[11] Confissão de Fé de Westminster. 2011, Cultura Cristã, cap. VIII, parágrafo V.
[12] Catecismo de Heidelberg. Pergunta e Resposta 40.
[13] Vale a pena ressaltar que, não queremos com isso, criar uma teologia centrada no homem e nem mesmo coloca-lo como merecedor de alguma coisa. A não aceitação do Evangelho por parte dos ímpios é uma prova empírica de que, a graça pode ser resistida e, por isso mesmo é que Deus mantém a punição eterna a estes.
[14] BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert. E. (org.). Coletânea da Teologia de João Wesley. 1995, Colégio Episcopal, p. 47.
[15] SPROUL, R. C.. The Truth of the Cross. 2007, Reformation Trust Publishing, p. 142.
[16] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2012, Cultura Cristã, p. 361.

Ministro ordenado da Igreja do Nazareno. Doutorando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em teologia pela Faculdade Batista do Paraná, graduado em teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil e em administração de empresas pela Universidade Castelo Branco.

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