estudos bíblicos
Possessão demoníaca e a autoridade do nome de Jesus
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 4 do trimestre sobre “Batalha espiritual”
A lição desta semana trará um assunto importante dentro do grande tema batalha espiritual. De fato, lidar com a possessão demoníaca de alguém é envolver-se numa ferrenha batalha contra os poderes das trevas. Jesus e seus discípulos lutaram esta batalha várias vezes e não é diferente com a igreja hoje, visto que o diabo e seus asseclas não cessaram sua atuação maligna. Ser vencedor nesta batalha dependerá do poder de Cristo operando em nós, mas não sem aquelas condições que o Senhor exige para nos fazer vencedores: comunhão, oração e jejum.
I. A possessão maligna
No Antigo Testamento quase não vemos casos de possessão demoníaca, ao passo em que no Novo Testamento, com o ministério de Cristo e de seus apóstolos, esses casos são abundantes. E não é sem razão. O ministério de Jesus Cristo englobava pregação, ensino, cura, libertação, ressurreição e salvação. Após quatrocentos anos de silêncio profético, desde os dias de Malaquias, surge João Batista, cujo ministério teve curta duração, e logo em seguida vem Jesus (de fato, muito superior em poder e obras, como o próprio João admitia). Isaías prenunciando o advento do Messias diz que “ele foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca” (Is 53.2).
É indiscutível que o ministério de Cristo representou um grande avivamento espiritual especialmente para Israel, um “renovo” no meio de uma “terra seca”. Mas, como bem dizia o pregador norte-americano Jonathan Edwards, quando a obra de Deus é avivada o diabo também se desperta! O avivamento trazido por Jesus, que fora ungido pelo Espírito Santo (Lc 4.18,19), inquietou as hostes do mal, visto que até então o maligno valente guardava, armado, a sua casa, e em segurança mantinha tudo quanto tinha, quando então chegou o que é mais valente que ele para tomar-lhe a armadura e os despojos! (Lc 11.21,22)
Harmonização nas narrativas
Para estudo da nossa lição tomaremos aquele caso que é sem dúvidas o mais emblemático no que concerne à possessão demoníaca: o endemoniado [1] de Gadara. Sugerimos que seja feita a leitura desse episódio nos três evangelhos sinóticos (Mt 8.28-34; Mc 5.1-20; Lc 8.26-39), ainda que a narrativa de Marcos nos seja a preferida. A leitura comparativa ajudará a afugentar possíveis contradições nas narrativas bíblicas, bem como identificar detalhes desse evento que nos darão uma melhor compreensão tanto da ação dos espíritos maus como do maravilhoso poder de nosso Senhor. Uma primeira pergunta que surge dessa leitura comparada é: afinal, eram dois endemoniados, como diz Mateus, ou um endemoniado como registram Marcos e Lucas?
O Dr. Norman Geisler nos ajuda a resolver esta aparente contradição nos relatos dos evangelistas:
Há uma lei matemática fundamental que reconcilia essa aparente contradição – onde há dois, sempre há um. Não há exceções! Foram de fato dois endemoninhados que se aproximaram de Jesus. Talvez Marcos e Lucas tenham mencionado apenas um porque um deles tenha se feito notar mais, ou tenha se destacado por alguma razão. (…) Se Marcos e Lucas tivessem dito que havia apenas um, então isso seria uma contradição. Mas a palavra “apenas” não está no texto” [2]
Como seguiremos a narrativa de Marcos, focaremos também em apenas um dos homens possessos.
A opressão e o quadro estarrecedor
Não somos informados sobre como e o porquê de os demônios terem começado a agir na vida daquele homem. Gadara, como toda Decápolis, era uma região habitada tanto por judeus como por gentios pagãos e, no meio daquele sincretismo religioso, brechas estavam abertas para uma grande atividade maligna. A situação mental, física e social desse gadareno evidencia a grande ambição dos poderes das trevas, que é dominar, perverter e destruir o homem que uma vez foi feito hospedeiro dos demônios.
Mentalmente perturbado e fora de si (os demônios sequestraram-lhe o intelecto – v. 7), fisicamente machucado tanto pelos grilhões com que a segurança tentava detê-lo como pelas pedras com que se automutilava (vv. 3-5) e socialmente isolado e fora do convívio familiar (três vezes no texto de Marcos se faz referência aos túmulos como lugar de morada daquele homem – vs. 2,3,5), este endemoniado é a mais autêntica representação de uma vida oprimida e desgraçada. Embora nem toda perturbação mental, desejo suicida ou indisposição para a vida em sociedade sejam frutos de uma possessão demoníaca, é inequívoco que os homens possam fazer tais coisas sob influência de um demônio.
Em um longo artigo sobre possessão demoníaca, em sua famosa obra Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, o Dr. Russel Champlin [3] apresenta dezessete sinais ou características da possessão demoníaca. Destacamos oito destes sinais e acrescentaremos alguma explicação bíblica.
- Fenômenos psíquicos
No caso do endemoniado de Gadara vemos que ele não só tinha esporádicos ataques epiléticos, como o garoto que o pai levou até Jesus e que também tinha como causa a atividade demoníaca na mente (Mt 17.14), antes “vivia” (Mc 5.3) e “andava sempre, dia e noite” (Mc 5.5) naquela terrível situação de perturbação mental.
- Enfermidades
Nem toda enfermidade é causada por possessão demoníaca (certamente a maioria não tem essa causa), mas há situações específicas em que tratamento médico nenhum pode curar a doença, visto que são de procedência demoníaca (Mc 9.25).
- Crenças errôneas
O apóstolo Paulo falava de “espíritos enganadores” e “doutrinas de demônios” (1Tm 4.1). Antônio Gilberto explica: “Há demônios cuja atividade não é espalhar violência e outros males ostensivos, mas ocupar-se com o ensino maléfico, falso, errôneo, enganoso” [4]. Costumo dizer que esse tipo de demônio não se expulsa dizendo “sai, em nome de Jesus!”, mas pregando e ensinando corretamente a sã doutrina: “Está escrito! Está escrito!”.
- Agitação interior
Champlin explica: as pessoas influenciadas por demônios não desfrutam de paz. Antes, são assediadas por ansiedades, algumas delas absurdas, e outras exageradas.
- Malignidade de toda sorte
De quando em quando tomamos conhecimento de casos de pessoas que cometeram atos de brutalidade terríveis contra outras pessoas, vindo até mesmo a mata-las. Nem todo homicida age por possessão demoníaca, mas não nos esqueçamos que “o diabo foi homicida desde o princípio” (Jo 8.44). Há casos onde os demônios incorporam em pessoas de tal modo que fazem-nas terem prazer em cometer crimes hediondos e atos repugnantes até mesmo para os descrentes. Quem já assistiu jornais policiais sabe do que estou falando.
- Atitudes e atos antissociais
Está claro na passagem do endemoniado de Gadara que os espíritos malignos farão de tudo para remover o homem do convívio familiar, jogá-lo no lugar de clausura e reduzi-lo à figura de um animal! Não há “misericórdia”, “caridade” nem “compaixão” no dicionário dos anjos caídos.
- Contorções físicas
Este é um dos sinais imediatos mais frequentes em uma possessão demoníaca, ainda que nem sempre seja assim, pois como se pode inferir no caso da jovem escrava de Filipos (Atos 16.16-18) ela não estava se contorcendo ou estrebuchando no chão. Como diziam os pregadores de tempos atrás: “o diabo vem com sapatinho de lã…” Todavia, é comum, especialmente em manifestações demoníacas ocorridas em ambiente de culto, que os demônios incorporem e levem as pessoas a se contorcerem, revirarem os olhos e rangerem os dentes (apenas cuidemos para não dar crédito demasiado às apresentações teatrais que algumas igrejas realizam e ao show de possessão demoníaca a que se destinam alguns aclamados “cultos de libertação”. Ainda creio que o melhor culto de libertação seja a Escola Dominical: liberta da ignorância, da heresia, da mentira, da preguiça…).
- Vozes
Como se vê no episódio de Gadara, os demônios falam e para isso usam o aparelho fonológico de seus hospedeiros, muitas vezes alterando a sua voz natural. O teólogo pentecostal Myer Pearlman destacou que “o indivíduo sob influência de um demônio não é senhor de si mesmo, pois o espírito mau fala por seus lábios ou o emudece à sua vontade” [5]. Creio que a maioria de nós, senão todos, já contemplamos estas cenas horrendas. E mais: não são raros os casos relatados por missionários em que até mesmo línguas estranhas são faladas pelos demônios, imitando o dom do Espírito Santo da glossolalia. Já dizia Paulo: “o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz” (2Co 11.14). Por esta razão, não devemos ficar impressionados e muito menos julgar apressadamente como “obra do Espírito” alguém que fala em outras línguas, especialmente se é alguém notavelmente descrente ou imoral. Podem ser espíritos enganadores agindo para ludibriar os crentes! Peçamos a Deus o “dom de discernir os espíritos” (1Co 12.10).
II. A legião demoníaca
Uma legião
Ao atravessar vinte quilômetros do mar da Galiléia desde Cafarnaum até as proximidades de Gadara (ou Gerasa), e após enfrentar a fúria dos ventos e do mar que quase fez naufragar o barco em que estava e certamente todos os demais que o acompanhavam, Jesus agora lida com uma nova tempestade, a tempestade demoníaca no interior de um homem. O texto de Marcos nos diz que os demônios (ou o porta-voz deles, já que fala no singular) rogavam a Jesus que não os atormentassem (v. 7), e a razão era que Jesus “lhe dizia: Sai deste homem, espírito imundo” (v. 8).
Há um detalhe aqui que quase sempre deixamos escapar: Jesus não ordenou apenas uma vez para que demônios saíssem daquele homem, mas aos menos algumas vezes Jesus repetiu a palavra de ordem, contra a qual os demônios protestavam. O exegeta Archibald Robertson explica que a expressão lhe dizia tratasse de um pretérito imperfeito progressivo [6], isto é, uma ação passada não concluída, mas repetida. Esse texto fala de uma verdadeira batalha espiritual contra os espíritos das trevas!
Não deve, então, causar-nos espanto que hoje os demônios insistam em ficar no seu hospedeiro, quando ordenamos no nome de Jesus que saiam. Não raro, o trabalho de expulsão de um demônio (ou de demônios) é demorado e exaustivo, demandando maior perseverança e resistência dos crentes que expulsam os demônios do que deles mesmos. Embora os demônios sejam as potestades do ar, William MacDonald [7] pontua que os demônios evitam o estado desincorporado e que eles querem a todo custo morar nos seres humanos (certamente não porque os demônios sejam feitos de água e gostem do líquido encontrado no corpo humano, como um pregador pentecostal muito popular andou dizendo por aí, o que é uma falácia!).
Diante do protesto dos demônios, Jesus então pergunta sobre a identidade deles, para qual a resposta foi: “Legião é o meu nome, porque somos muitos” (v. 9). A palavra legião no texto grego (legeon) somente ocorre no episódio do endemoniado gadareno (Mc 5.9,15; Lc 8.30) e no Getsêmani, quando Jesus fala que o Pai poderia lhe dispor doze legiões de anjos, se ele assim o pedisse (Mt 26.53). Porém, legião não era o nome próprio dos demônios, mas a forma como eles eram chamados em virtude de serem muitos. Isso remete-nos à legião de soldados romanos nos dias de Cristo, cujo número variava de acordo com os tempos (geralmente entre três mil e seis mil soldados, divididos em dez coortes). Observemos que foram quase dois mil porcos o total de animais precipitados no mar quando foram possuídos pelos espíritos que saíram do homem (v. 13). Isso leva-nos a crer que, ainda que não precisemos o número de modo exato, havia milhares de demônios no corpo daquele homem! Jesus, porém, a todos venceu, e venceria o inferno inteiro se estivesse no corpo do pobre infeliz.
Expulsar e não dialogar
Já dissemos em estudo anterior que algumas igrejas neopentecostais criaram a prática de fazer talk-show, um verdadeiro programa de entrevistas com demônios! E ainda dizem estarem respaldados biblicamente neste texto. Todavia, apenas duas razões existem para este caso específico em que Jesus pergunta o nome do demônio (note que isto é pouco demais para se dizer que Jesus fez uma entrevista ou estabeleceu um diálogo com os demônios):
- Jesus perguntou o nome do demônio (sim, cremos que demônios têm nomes) pelo fato de que havia uma persistência em ficar no hospedeiro, o que não era comum no ministério de Jesus, já que sob a primeira palavra de ordem os demônios se evadiam. Isto, portanto, demonstra que foi uma exceção e não uma regra ou prática usual de Jesus ficar perguntando nome de demônios, e menos ainda estabelecendo diálogo com eles!
- Saber que está diante de uma legião, isto é, muitos demônios, atenderá ao propósito de Jesus demonstrar aos seus discípulos e a todos os gadarenos que o Filho de Deus tem poder não apenas sobre um ou apenas sobre os mais fracos, mas sobre todos, incluindo os mais poderosos seres das trevas! Como é confortador sabermos que nosso Senhor é maior, bem maior que todos os principados e potestades do mal! Se o anjo dos dias de Daniel não conseguiu sozinho vencer o “príncipe da Pérsia” que fazia oposição ao povo de Deus, e necessitou da ajuda do arcanjo Miguel para poder subjuga-lo (Dn 10.12,13), nosso Cristo sozinho pode impor fuga às legiões de demônios! Cantemos: “Quão grande é o meu Deus…”
III. O poder de Jesus
Os demônios sabem quem é Jesus
Não é estranho que os demônios conheçam e reconheçam Jesus, o Filho de Deus, afinal, como nos ensina o apóstolo Paulo: “nele [em Jesus] foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele” (Cl 1.16).
Quando criados como anjos de luz, em seu antigo domicílio celestial, estes seres espirituais conheceram seu Criador e certamente o cultuaram por algum período de tempo até que vieram a se precipitar, seguindo o seu grande líder, satanás. Por isso, podiam dizer: “Bem sei quem és: o Santo de Deus” (Mc 1.24) ou chama-lo de “Jesus, Filho do Deus Altíssimo” (Mc 5.7). Quem dera aqueles homens que hoje recusam o testemunho dos pregadores do Evangelho ao menos ouvissem o testemunho dos próprios demônios sobre a pessoa bendita de Jesus, o Santo Filho do Deus Altíssimo!
A soberania de Jesus
É indubitável que Jesus é soberano sobre toda a criação, incluindo sobre as potestades do mal (que ninguém pense que os demônios estão sob um governo paralelo sobre o qual Cristo não tem nenhuma ingerência!). De tal modo isto é verdade que sabendo da ameaça que a presença de Jesus constituía para eles no território gadareno, os demônios movem o moço possuído até a presença de Jesus, fazendo-o ajoelhar-se para clamar: “Conjuro-te por Deus que não me atormentes” (v. 7; Lc 8.28). Eles apelam solenemente com juramento a Jesus (teriam os demônios prometido bom comportamento dali em diante?) para que “não os enviasse para fora daquela província” (v. 10) – o que pode significar que haviam muitos hospedeiros desejados naquela região; ou ainda, conforme Lucas, os demônios “pediram a Jesus que não os mandasse para o abismo” (Lc 8.31) – o que demonstra como os próprios demônios temem o abismo e são resignados quanto a serem jogados no lugar de tormento.
Enquanto muitos homens incrédulos hoje fazem piada com a realidade do inferno, enquanto muitos desviados do evangelho ignoram o perigo que estão correndo longe de Cristo, e enquanto muitos crentes em pecado não fazem questão da “severidade de Deus” (Rm 11.22) e do lago que arde em fogo e enxofre (Ap 21.8) e onde haverá só choro e ranger de dentes (Mt 24.51), os demônios creem e estremecem diante dessa realidade! (Tg 2.19) Eles suplicam insistentemente a Jesus que não os lancem no abismo! De fato, Jesus tinha poder para manda-los naquele exato momento para “os quintos dos infernos”, mas ainda não era o tempo. Um dia isso acontecerá, é certo! (Ap 20.10; Mt 25.41).
A libertação do oprimido
Jesus consentiu que os demônios saíssem para a manada de porcos que andava pastando nas proximidades (vs. 11-13). Realmente os demônios têm preferência pelo estado incorporado, nem que seja no corpo animal! Jesus já havia ensinado que “quando um espírito imundo sai de um homem, anda por lugares áridos, procurando repouso; e, não o achando, diz: voltarei para minha casa, donde saí” (Lc 11.24). O Espírito Santo e os espíritos imundos almejam fazer morada no corpo humano; aquele por necessidade nossa, estes por necessidade deles (“procurando descanso”, disse Jesus).
O corpo humano será habitado por um ou por outro, nunca pelos dois ao mesmo tempo, pois onde o Espírito Santo habita ele preenche todos os espaços, nada deixando para os espíritos imundos se acomodarem! O corpo do crente é templo, isto é, lugar sagrado do Espírito de Deus! (1Co 6.19,20).
A cena do antes e do depois do moço liberto por Jesus é mesmo maravilhosa:
ANTES DA LIBERTAÇÃO | DEPOIS DA LIBERTAÇÃO |
“tinha sua morada nos sepulcros”
(Mc 5.3) |
Jesus o manda de volta “para a sua casa, para os seus parentes” (v. 19). Jesus o devolveu à sua família, donde o maligno o havia sequestrado |
“há muito tempo não se vestia”
(Lc 8.27) |
É encontrado aos pés de Jesus e “vestido” (Mc 5.15). Jesus lhe devolveu a dignidade que os demônios haviam roubado |
“Andava sempre, de dia e de noite”
(Mc 5.5) |
É encontrado junto de Jesus e “assentado” (Mc 5.15). Jesus lhe devolveu a paz de espírito e quietude que os demônios haviam tirado |
“gritando por entre os túmulos e pelos montes, ferindo-se com pedras”
(Mc 5.5) |
É encontrado junto de Jesus “em perfeito juízo” (Mc 5.15). Jesus lhe devolveu a sanidade da mente que até então estava totalmente pervertida. |
“ninguém podia prendê-lo, nem mesmo com correntes” (Mc 5.3) | Não precisa mais de correntes, pois “se o Filho vos libertar verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36). |
Todos sabemos, porém, que nem toda libertação representa uma conversão, isto é, mudança no coração. Muitas pessoas são libertas da possessão demoníaca, mas continuam resistentes quanto a entregarem-se à Cristo pela fé e o servirem de todo coração. Todavia, com certa razoabilidade podemos concluir que este moço gadareno experimentou mais que uma libertação, ele experimentou a salvação da alma! Isto porque ele logo demonstra os frutos imediatos de uma salvação genuína:
- Ficou junto de Jesus após a libertação (Mc 5.15; Lc 8.35: “… aos pés de Jesus…”)
- Enquanto seus conterrâneos recusaram a presença de Jesus, ele “pediu com insistência que Jesus o deixasse ficar com ele” (Mc 5.18)
- Obedeceu a Jesus quando mandou que ele voltasse para casa (Mc 5.20)
- Não temeu às ameaças quanto a se tornar uma testemunha de Jesus em sua cidade, e mais que isso, ele levou por toda a Decápolis (isto é, pelas dez cidades vizinhas) o relato do maravilhoso poder e amor de Jesus (Mc 5.20).
Embora novo convertido e sem um vasto conhecimento religioso (mas cremos que no ato de assentar-se aos pés de Jesus ele deve ter recebido ali rapidamente um discipulado intensivo da parte do Mestre dos mestres), aquele homem sai a anunciar o nome e as obras de Jesus. Ele realmente não precisaria dizer muita coisa nem contra-argumentar com ninguém, pois bastaria que ele se apresentasse, se identificasse, mostrasse as cicatrizes das correntes que carregou por muito tempo e, quando lhe perguntassem quem o ajudou, ele enfatica e alegremente responderia: foi Jesus, o Filho de Deus! Assim, “todos se admiravam” (Mc 5.20).
IV. Os porqueiros
Não demorou para que os donos da manada de porcos precipitada no mar aparecessem para fazer queixa a Jesus. A cidade inteira se alvoroçou com aquele episódio (Mc 5.14-16), e, cheios de injustificado medo, “começaram a pedir com insistência que Jesus se retirasse da terra deles” (v. 17). Vejamos os três pedidos insistentes deste texto:
- Os demônios pediram para não sair da província, nem irem para o abismo, mas para entrarem nos porcos;
- Os gadarenos pediram para Jesus sair de suas cidades;
- O gadareno liberto pediu a Jesus para ir com ele.
É fácil ver qual desses três é o mais absurdo dos pedidos! Os gadarenos, ao menos a princípio, não deram a devida importância à libertação daquele seu conterrâneo, que há tanto tempo estava dominado por espíritos imundos, separado da família, causando despesas à segurança pública e impondo medo e perigo aos demais cidadãos, devido seu estado de perturbação mental. Os cuidados deles eram na verdade em assegurar a manutenção da economia através da criação de porcos! William MacDonald é expressivo quanto ao pedido dos gadarenos para que Jesus se retirasse (como se ele, e não os demônios que permaneceram na província, fosse o problema):
Para eles, Cristo era um convidado que dava muita despesa! Multidões incontáveis ainda desejam que Cristo esteja longe deles por medo de que sua comunhão possa causar algumas perdas sociais, financeiras ou pessoais. Com o objetivo de salvar suas possessões, perdem suas almas [8]
Nas palavras de Robertson, “no confronto entre negócio e bem-estar espiritual, os negócios vêm em primeiro lugar” [9]. Até hoje, os homens preferem continuar ganhando o mundo inteiro, mas perdendo suas almas. Preferem os porcos ao invés de Cristo! Não se dão conta de que ao recusarem a Cristo estão recusando ao único cujo Nome que pode livrá-los das mazelas dos demônios que afligem a sociedade com toda sorte de perturbação, doença, vícios e destruição! Como dizia o cantor Luiz de Carvalho,
Quem tem Jesus, tem tudo,
Quem não tem, não tem nada.
Conclusão
Possessão demoníaca é uma realidade. Os que nunca presenciaram certamente já ouviram falar. Até mesmo as redes sociais na internet estão aí não raro exibindo vídeos de possessões demoníacas. O cinema tem abusado de histórias ou estórias de possessões e o mercado do terror tem se demonstrado lucrativo. Todavia, nenhum genuíno servo do Senhor, que está em comunhão com Cristo, precisa temer ao rugido de satanás (1Pe 5.8), pois o Leão da tribo de Judá está do nosso lado! (Ap 5.5). O sangue de Jesus tem poder que afugenta o poder dos demônios! Como dizia Myer Pearlman, cujas palavras tomo para conclusão desse estudo, “esse poder [dos demônios], para aqueles que são fiéis a Cristo, é reduzido a nada por intermédio da redenção que ele consumou” [10]. Amém!
__________
Referências
[1] Segundo os dicionários de língua portuguesa Houaiss (2009) e Aulete (2011), tanto a grafia endemoniado quanto endemoninhado estão corretas, embora esta última seja mais usual. Por uma mera questão de economia, dou preferência ao uso da primeira forma.
[2] Norman Geisler. Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia, Mundo Cristão, p. 346
[3] R.N. Champlin. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, vol. 5, Hagnos, pp. 337-342
[4] Antônio Gilberto. Manual da Escola Dominical, ed. comemorativa, CPAD, p.93
[5] Myer Pearlman. Conhecendo as doutrinas da Bíblia, 3° ed., Vida, pp. 97,8
[6] A.T. Robertson. Comentário Mateus e Marcos à luz do Novo Testamento Grego, CPAD, p. 399
[7] William MacDonald. Comentário Bíblico Populr – Novo Testamento, Mundo Cristão, p. 37
[8] Macdonald. Op. cit., pp. 120,1
[9] Robertson. Op. cit., p. 400
[10] Pearlman. Op. cit., p. 97
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