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estudos bíblicos

Salvação e livre-arbítrio

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 8 do trimestre sobre “A obra da salvação”

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Dois caminhos. (Foto: Jens Lelie / Unsplash)

QUARTO: QUAL A DISTINÇÃO ENTRE A CONCEPÇÃO ARMINIANA E A CALVINISTA?

No estudo desta Lição sobre Salvação e Livre-arbítrio, um fator que é imprescindível no estabelecimento do livre-arbítrio e que não podemos esquecer no estudo e exposição desta lição é a graça de Deus, pois, como vimos acima, a livre decisão do homem por Cristo só é possível em consequência de uma antecedente ação da graça divina no coração do pecador. Falar de livre-arbítrio sem falar da graça de Deus é expor um ensino deficiente. O apóstolo Paulo é claro como a luz do sol: “Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus” (Rm 3.10,11). Jesus nos diz que “ninguém há bom, senão um, que é Deus” (Lc 18.19). Sobre nós, diz o Senhor: “vós, sendo maus…” (Mt 7.1). Não foi Adão quem buscou a Deus depois do pecado, mas Deus quem, por entre as árvores do Éden, buscou Adão perguntando-o: “Onde estás?” (Gn 3.8,9). Aliás, religião, que é re-ligare (ligar de novo), não é o homem buscando Deus, mas Deus buscando o homem. É a graça vindo primeiro, capacitando-nos a crer em Cristo, reconhecendo-o como nosso Salvador e Senhor. Como disse Jesus na casa de Zaquel, “o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19.10). O primeiro passo é de Deus, não nosso: “É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção” (1Co 1.30, NVI)

Sem uma ação preveniente (primeira, vindo anteriormente) da graça de Deus, o homem está totalmente alienado de Deus e só pode escolher uma coisa: pecar. Sem uma ação divina espiritual no coração do homem, o arbítrio do homem não é livre, mas cativo do pecado. Jesus diz que ele é “escravo do pecado”. Como cito em meu livro A Mensagem da Cruz: o amor que nos redimiu da ira, bem diz o hino antigo de Jair Pires:

“É uma folha seca caída no chão, Que vai para onde o vento levar,

Assim é a vida do homem sem Deus, Pobre miserável SÓ PENSA EM PECAR”

Nisso, arminianos e calvinistas estão de acordo. A diferença, que é crucial, pode ser resumida da seguinte forma:

  • CALVINISTAS: graça salvífica para alguns – os eleitos – e irresistível

A graça que liberta o arbítrio para o homem crer em Deus é enviada apenas aos que foram previamente determinados por Deus para serem salvos. A estes, quando a graça salvífica vem, ela age irresistivelmente, e com certeza absoluta esses predeterminados farão a escolha por Deus e serão inevitavelmente salvos. Eles podem até resistir por um tempo, mas final e certamente cederão a ela, já que antes de tomarem a decisão de aceitar a graça, pelo uso do arbítrio, Deus mudará seus corações, regenerando-os para que creiam (no calvinismo, a regeneração acontece antes da fé). Noutras palavras: a graça é apenas para os eleitos (eleitos incondicionalmente por Deus para receberem a fé e serem salvos). O resto do mundo continuará impossibilitado de aceitar a Cristo simplesmente porque não lhes foi dado esta graça salvífica, capacitadora (e irresistível). Aqueles que tiveram seu arbítrio liberto pela graça têm apenas uma opção: crer.

  • ARMINIANISMO: graça salvífica para todos

A graça salvadora é estendida a todos os homens, persuadindo-os com sinceridade ao arrependimento (Is 45.22; At 17.30), já que Deus quer salvar de fato a todos os homens (1Tm 2.4,6), pois Ele amou o mundo (Jo 3.16), deu Cristo em resgate por todos (Is 53.6; 2Co 5.14,15; 1Tm 2.6; Hb 2.9) e a graça se há manifestado salvadora a todos os homens (Tt 2.11). A hermenêutica arminiana não aceita que tantas vezes a expressão bíblica “todos os homens” seja interpretado como “alguns homens” ou “todos os tipos de homens”, nem que o termo “mundo” (especialmente em João 3.16 e 1Jo 4.14) seja interpretado como apenas “os eleitos incondicionalmente”. Nem tolera também que Deus esteja com sinceridade oferecendo a salvação a todos os pecadores em todo mundo, e ordenando a tosos eles que se arrependam, sem ter de fato um interesse na salvação de todos eles, já que escolheu incondicionalmente aqueles que irão irresistivelmente crer. Nas palavras do teólogo Armínio: “Quem quer que Deus chame, ele o faz com sinceridade,   com uma vontade desejosa de seu arrependimento e salvação”; e ainda: “Se a promessa [da salvação] não se refere a todos a quem a ordem de crer é dada, nesse caso a ordem é injusta, vã, e inútil” (11). No entendimento arminiano, quando esta graça age na mente e no coração do pecador (por diversos meios: pregação, louvor, oração, literatura bíblica, sonho, etc.), ela capacita o pecador a tomar uma decisão por Cristo, que até então lhe era impossível. Todavia, esta graça não é uma força onipotente contra a qual o homem não possa resistir. Ela é uma ação bondosa do Espírito Santo, ela é mansa e suave. Como diz o belíssimo hino de Will Lamartine Thompson: “Manso e suave é Cristo chamando, chama por ti e por mim. Eis que ele às portas espera velando, vela por ti e por mim”. A graça preveniente age com brandura, não consumando a salvação até que o pecador, agora capacitado, tome livremente a decisão em seu coração, dando o consentimento de sua vontade, por Cristo Jesus. Todavia, como Adão cujo arbítrio era livre, o pecador com seu arbítrio liberto poderá escolher a Cristo ou poderá escolher pecar (na verdade, continuar no pecado). É aí que entra a livre decisão humana, ou, como chamamos popularmente, o livre-arbítrio. Um vívido exemplo do livre-arbítrio (ou do arbítrio liberto) está na declaração de Jesus sobre Jerusalém: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram” (Mt 23.37). Como bem disse John Wesley, Jesus não estava chorando lágrimas de crocodilo aqui! (12) Ele de fato queria salvar o seu povo, pois “ele veio para o que era seu” Todavia, “os seus não o receberam” (Jo 1.11). Jesus de fato quis, e para isso deu a sua graça: encarnou, pregou, curou, perdoou, suportou a incredulidade dos judeus… Mas “vocês não quiseram”!

  • A SALVAÇÃO É DA GRAÇA, MAS EXIGE A FÉ

As palavras de Irineu, teólogo do segundo século, são propícias aqui:

“‘Quantas vezes quis reunir os teus filhos e não quiseste’ [Mateus 23.37], ilustram bem a antiga lei da liberdade do homem, porque Deus o fez livre desde o início, com a sua vontade e a sua alma para consentir aos desejos de Deus sem ser coagido por ele. Deus não faz violência, e o bom conselho o assiste sempre, e por isso dá o bom conselho a todos, mas também dá ao homem o poder de escolha, como o dera aos anjos, que são seres racionais, para que os que obedecem recebam justamente o bem, dado por Deus e guardado para eles, enquanto os desobedientes serão justamente frustrados neste bem e sofrerão o castigo merecido. Pois Deus, na sua bondade, lhes dera o bem, mas eles não o guardaram com diligência e não o julgaram precioso e até desprezaram a excelência da sua bondade. Abandonando e recusando o bem incorrerão no justo juízo de Deus, como o testemunha o apóstolo Paulo na carta aos Romanos, quando diz: ‘Será que desprezas a riqueza de sua bondade, da paciência e da generosidade, desconhecendo que a bondade de Deus te convida à conversão? Pela teimosia e dureza de coração amontoas ira contra ti mesmo para o dia da ira e da revelação do julgamento de Deus’

(…)

E todas as outras coisas que mostram o livre-arbítrio do homem e que Deus o instrui com o seu conselho, exortando-nos à submissão a ele, precavendo-nos da incredulidade, mas sem nos obrigar com a violência. É possível também não seguir o Evangelho, se alguém assim quiser, contudo não é conveniente. A desobediência a Deus e a recusa do bem estão em poder do homem, mas comportam prejuízo e castigo não indiferentes. Por isso Paulo diz: ‘Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém’, indicando a liberdade do homem pela qual tudo lhe é lícito, pois Deus não o obriga e mostrando ‘o que não convém’ para que não abusemos da liberdade a fim de encobrir a malícia: isto não convém.

(…)

Se não dependesse de nós o fazer e o não fazer, por qual motivo o Apóstolo, e bem antes dele o Senhor, nos aconselhariam a fazer algumas coisas e a nos abster de outras? Sendo, porém, o homem livre na sua vontade, desde o princípio, e livre é Deus, à semelhança do qual foi feito, foi-lhe dado, desde sempre, o conselho de se ater ao bem, o que se realiza pela obediência a Deus” (13)

Finalizo nas palavras de Orígenes, um dos Pais gregos, no século III, que assim resumiu a crença geral da igreja em seus dias: “Está definido na pregação da Igreja que toda alma racional possui vontade e livre-arbítrio” (14). Como vimos porém, desde o início, este arbítrio é “o sujeito da graça” (Armínio).

Pela graça somos salvos! Mas, “por meio da fé” (Ef 2.8). Cremos no Sola Gratia, tanto quanto no Sola Fide. A salvação da graça que se concretiza por meio da fé, não é uma elaboração humana – “isto não vem de vós” – mas de Deus. Deus é quem determinou salvar gratuitamente com a condição da fé. É Deus quem diz: “quem crê, será salvo; quem não crê, já está condenado” (Jo 3.16,17). Ou o homem consente com a graça e lhe dá livre-curso, para ser salvo; ou o homem resiste à graça, negando-lhe livre-curso, para ser condenado.

Ao final desse estudo (foi longo pra você? [risos]), convido você a ler ainda outro artigo que lhe será de grande valor para o estudo desta Lição, e está disponível aqui no Gospel Prime: Assembleianos creem em Predestinação?

E convido você também a curtir e acompanhar as publicações da página Teologia Arminiana e Pentecostal no Facebook, onde este e outros assuntos são tratados periodicamente.

No mais, “seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15)

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REFERÊNCIAS

(1) Jacó Armínio. As Obras de Armínio, vol. 2, CPAD, p. 178
(2) Jacó Armínio. Op. cit., vol. 1, p. 537
(3) Jacó Armínio. op. cit., vol. 1, pp. 473,5
(4) Jacó Armínio. Op. cit., vol. 2, p. 432
(5) Jacó Armínio. Op. cit., vol. 1, p. 209
(6) Jacó Armínio. Op. cit.,, vol. 3, p. 473
(7) Jacó Armínio. Op. cit., vol. 3, pp. 475-6
(8) Roger Olson. Teologia Arminiana – mitos e realidades, Reflexão, p. 125
(9) Roger Olson. Op. cit., p. 126
(10) Keith Stanglin e Thomas McCall. Jacó Armínio: teólogo da graça, Reflexão, p. 72
(11) Jacó Armínio. Op. cit., vol. 3, pp. 312,3
(12) John Wesley. Sermão Graça Livre. Impresso em Bristol, 1740.
(13) Irineu, Contra as Heresias, pp. 499,501,502, Paulos
(14) Orígenes. De Principiis, livro IV

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Casado, bacharel em teologia (Livre), evangelista da igreja Assembleia de Deus em Campina Grande-PB, administrador da página EBD Inteligente no Facebook e autor de quatro livros.

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