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opinião

Uma distopia do mundo pentecostal

Movimento heterodoxo com “sotaque de esquerda”

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Fogo e gelo. (Foto: Iván Tamás por Pixabay)

Já começo pedindo licença ao estimado leitor para empregar aqui o termo “distopia”, pouco comum ao nosso cotidiano, mas muito significativo. “Distopia” vem do grego e quer dizer “lugar ruim” (sua semelhante “utopia” significa “lugar nenhum”).

As distopias, que são relevantes no cinema e na literatura, apresentam um futuro sombrio, apocalíptico, totalitário, e exibem geralmente a potencialização de características contemporâneas a quem as imagina, soando às vezes como espécie de vaticínio.

Tenho pensado sobre o futuro do pentecostalismo, sobre que tipo de semente temos lançado, sobre o que temos feito da herança que nos deixaram os nossos pais na fé. Atenho-me às igrejas do pentecostalismo clássico brasileiro, e mais precisamente à Assembleia de Deus, em que nasci e fui ordenado pastor-evangelista.

Nossos líderes antigos têm sido recolhidos à glória, nossas maiores referências históricas, morais e doutrinárias têm conhecido o caminho para o estado intermediário, e meu coração treme quando penso no futuro que nossas mãos erigem em nossos dias.

Mentes mais confortáveis podem ufanar-se ou contentar-se com memórias de tempos pretéritos, ante a ilusão de que o futuro tende a ser uma reprodução tranquila do que passou – mas não é bem assim! Precisamos sempre retornar aos princípios, revisitar as antigas lições – não necessariamente os costumes sociais, mas os princípios da Palavra de Deus -, lembrando que a tendência humana se inclina ao erro, o que só pode ser corrigido pela iluminação do Espírito sobre a leitura atenta da Bíblia Sagrada, individual e coletivamente.

Dito isso, o que me preocupa neste momento é a infiltração – sorrateira, mas sistemática – de um esquerdismo teológico no meio pentecostal-assembleiano, por meio da ação de pessoas que se utilizam de sua posição de destaque para tentar sequestrar a , a identidade, a doutrina e a teologia pentecostal para um terreno supostamente fervoroso e espiritual, mas que é, isto sim, caudatário de uma visão de mundo “progressista”, existencialista, criticista e pós-moderna, uma visão de mundo ressentida, revisionista, que manipula o conceito de experiência como se fosse balizada em cânones pneumatológicos, enquanto mergulha em teorias nas quais a experiência é basicamente um conceito fundamental de um cristianismo existencialista e esquerdista.

Misturando teorias literárias desconstrucionistas, ferramentas do método histórico-crítico e predileção pelo método pós-moderno, esse movimento cria uma “hermenêutica pentecostal” centrada no leitor, a qual deixa os limites da ciência hermenêutica e passa a ser, de fato, uma epistemologia, ou seja, uma teorização sobre a (im)possibilidade do conhecimento e sobre os critérios para acessá-lo, quando deveríamos saber que a hermenêutica bíblica tem por objeto a busca do significado do texto por meio da aferição de pressupostos válidos, métodos adequados e regras consentâneas com a Bíblia.

Mais do que isso, esse movimento heterodoxo traz para dentro do mundo pentecostal um “sotaque de esquerda”, um tipo de shibboleth de difícil percepção a quem não está com os ouvidos minimamente treinados para reconhecer a diferença entre pentecostalismo e experiencialismo ou cristianismo existencialista.

O ressentimento está presente na maneira como esses próceres veem a história da Igreja, os concílios eclesiásticos, a Reforma Protestante, as estruturas eclesiásticas, a doutrina oficial, as confissões de fé, a teologia sistemática, o ministério pastoral exclusivamente masculino – eles são a esquerda teológica, espécie de homólogos evangélicos dos “padres de passeata”, para recordar a expressão-síntese cunhada por Nelson Rodrigues.

Esses teólogos, estudiosos e militantes liberais ou pós-modernistas estão infiltrados em igrejas pentecostais, salas de aula de cursos teológicos e púlpitos pentecostais, de onde destilam sua dúvida, seu subjetivismo, sua desconfiança, seu ressentimento, suas conclusões extraídas de livros redigidos por autores distantes da fé cristã, ao mesmo tempo em que se consideram na vanguarda da Igreja porque “pentecostais” e desprezam séculos de Cristianismo Histórico e Ortodoxo para defender a ideia de um movimento pentecostal de resistência, arredio e sectário.

Esses intelectuais ou pseudo-intelectuais ufanam-se de não serem racionalistas, modernistas ou naturalistas como o Homem Moderno, mas são semelhantemente subjetivistas, embora tenham substituído o subjetivismo da Razão pelo subjetivismo da experiência – conceito este que lhes serve como “chave” para atrair fãs que pensam assim advogar a teologia pentecostal, enquanto sucumbem paulatinamente sob o ar tóxico de uma teologia incompatível com os fundamentos da própria fé.

Alertados acerca desse quadro, alguns dizem: “Impossível o liberalismo crescer no meio pentecostal – conhecemos o Espírito, temos experiência com Deus!”. Somente não dou risada ao ouvir isto porque a vontade que tenho é de chorar. Quem pensa uma coisa dessas nunca deve ter ouvido falar do que ocorreu com luteranos e metodistas desde que passaram a abrir espaço à teologia liberal, além de outras confissões evangélicas.

Teremos a coragem de dizer que somente os grupos pentecostais conhecem o Espírito? Nascer de novo e ser santificado não são experiências com o Espírito? Os avivamentos anteriores ao Movimento Pentecostal não merecem tal designação? As Missões Modernas não tiveram lugar entre protestantes não pentecostais? Os derramamentos pentecostais do início do Séc. XX não se deram (também) sobre crentes oriundos de igrejas históricas?

Que tipo de pentecostalismo é esse, que parece mais uma dissidência do que uma parte do Cristianismo Histórico e Ortodoxo, o qual vai dar lá na Cruz, passando, no curso dos anos, por diversos movimentos cristãos, a exemplo dos valdendes, petrobrussianos, hussitas, puritanos, pietistas, morávios, metodistas e holiness?

Se não cuidarmos, o que é hoje ensinado em certas academias “pentecostais” será, num futuro não muito distante, o pão cotidiano de muitas igrejas pelo Brasil, desde que o Movimento Pentecostal seja revisado em sua história, cosmovisão e teologia como um grupo social de resistência, marginal, proletário e feminino, avesso ao Protestantismo Histórico, munido de uma teologia existencialista e mística, num abraço insano entre “pentecostais” academicistas embevecidos pela própria voz e profetisas do pseudopentecostalismo elevadas à condição de pastoras empoderadas.

É provável que isto não se dê de forma generalizada, mas que seja suficiente para dividir as igrejas pentecostais e, além disso, forjar uma cultura falsamente pentecostal, baseada numa atitude “do contra”, materialista, existencialista e sectária.

A possibilidade de esse veneno se espalhar mostra-se mais evidente a todo momento em que deparo com a adesão serelepe e absorta de quem, diante da ameaça, revela não saber discernir entre a mão direita e a esquerda, mas sabe correr efusivamente para abraçar ideias que contrariam as bases da fé cristã, e que dizem respeito aos grandes temas da revelação, da inspiração e da canonicidade.

Cabe, pois, indagar: quem não consegue enxergar um palmo adiante do nariz saberá discernir quando surgirem os frutos podres que hoje ajudam a semear?

Ministro do Evangelho (ofício de evangelista), da Assembleia de Deus em Salvador/BA. Co-pastor da sede da Assembleia de Deus em Salvador. Foi membro do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Fraternal dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Estado da Bahia, antes de se filiar à CEADEB (Convenção Estadual das Assembleias de Deus na Bahia). Bacharel em Direito.

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