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devocional

Vasos quebrados

A sensação de se sentir como um vaso quebrado, corresponde a um sentimento de inutilidade, incapacidade e impotência. Quem nunca se sentiu assim?

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Oleiro moldando um vaso (ritesh singh / Unsplash)

No Salmo 31 o salmista David manifesta um quadro depressivo: “Estou esquecido no coração deles, como um morto; sou como um vaso quebrado.” A sensação de se sentir como um vaso quebrado, corresponde a um sentimento de inutilidade, incapacidade e impotência. Quem nunca se sentiu assim?

O vaso era um utensílio muito usado nos tempos bíblicos, tanto nas casas das famílias como nas cerimónias religiosas. Entenda-se como vaso um recipiente que podia assumir múltiplas formas como prato, copo, tijela, travessa, alguidar, etc.

Os vasos no Antigo Israel 

Segundo a lei de Moisés, se alguma coisa imunda tocasse num vaso, este seria destruído:

“E todo o vaso de barro, em que cair alguma coisa deles (impura), tudo o que houver nele será imundo, e o vaso quebrareis” (Levítico 11:33).

Vemos aqui o princípio da pureza, da separação, da consagração.

O vaso de Isaías 

Isaías diz que a desobediência do povo levaria a que Deus os quebrasse no seu orgulho e altivez:

“E ele o quebrará como se quebra o vaso do oleiro e, quebrando-o, não se compadecerá; de modo que não se achará entre os seus pedaços um caco para tomar fogo do lar, ou tirar água da poça” (Isaías 30:14).

Trata-se duma mensagem de condenação resultante da rebeldia do povo ao seu Deus.

O vaso de Jeremias

Jeremias, porém, fala de reconstrução:

“Como o vaso, que ele fazia de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso, conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer” (Jeremias 18:4).

Aqui já vemos uma mensagem de restauração. Havendo arrependimento segue-se a restauração.

Digamos que a principal diferença entre as duas situações a que os profetas aludem, está em nos considerarmos um vaso acabado (no caso de Isaías), ou um vaso ainda em processo de construção (Jeremias). Isto é, consideramo-nos já concluídos ou Deus ainda está a trabalhar em nós? Somos independentes e auto-suficientes ou dependemos ainda do divino Oleiro. É por isso que a Bíblia fala em novo nascimento e em restauração.

Os japoneses acreditam que quando algum objecto sofreu dano mas tem uma história, pode tornar-se ainda mais bonito, único e valioso, por isso reparam os objectos de cerâmica que foram partidos com tinta dourada. Em vez de esconder os defeitos e as falhas, estes são acentuados e celebrados, convertendo-se numa prova da imperfeição e fragilidade, mas também de resiliência, de capacidade de superação, de força e de beleza. Trata-se de Kintsugi, uma arte e filosofia de vida que tira partido das imperfeições.

Nós, humanos, somos frágeis e susceptíveis de sofrer danos e perdas. É preciso descobrir como apanhar os pedaços quebrados e reparar aquilo que foi partido nas nossas vidas. É necessário abraçar as nossas fragilidades físicas e emocionais e torná-las belas. São a prova de que somos uma longa história e que sofremos, mas deixamos que também nos lembrem como fomos e somos fortes.

As actrizes e modelos controlam as fotografias e trabalham-nas no Photoshop porque querem parecer perfeitas para serem desejadas e amadas. Só que Deus não nos ama por sermos perfeitos, mas porque somos criação sua… A versão religiosa deste comportamento é a dos hipócritas religiosos que fingem ser perfeitos para virem a ser admirados… 

Que tipo de vaso queremos ser?

Vasos de honra, ou de santificação:

“Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra” (2 Timóteo 2:20,21). Diz Salomão: “Tira da prata as escórias, e sairá vaso para o fundidor” (Provérbios 25:4).

Vasos de barro ou de humildade:

“Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus. Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós” (2 Coríntios 4:5-7).

Vasos do céu, ou de revelação:

“E no dia seguinte, indo eles seu caminho, e estando já perto da cidade, subiu Pedro ao terraço para orar, quase à hora sexta. E tendo fome, quis comer; e, enquanto lho preparavam, sobreveio-lhe um arrebatamento de sentidos, E viu o céu aberto, e que descia um vaso, como se fosse um grande lençol atado pelas quatro pontas, e vindo para a terra. No qual havia de todos os animais quadrúpedes e feras e répteis da terra, e aves do céu. E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro, mata e come. Mas Pedro disse: De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda. E segunda vez lhe disse a voz: Não faças tu comum ao que Deus purificou. E aconteceu isto por três vezes; e o vaso tornou a recolher-se ao céu” (Actos 10:9-16).

 Vasos de oferenda ou de adoração: “E cada um trazia o seu presente, vasos de prata e vasos de ouro, e roupas, e armaduras, e especiarias, cavalos e mulas; isso faziam de ano em ano” (I Reis 10:25).

Sejamos vasos de honra (santificados), de barro (humildes), do céu (de revelação), e de oferenda (de adoração). E se o Oleiro tiver que nos quebrar, que nos refaça de novo, como dizia o profeta Jeremias:

“Como o vaso, que ele fazia de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso, conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer” (Jeremias 18:4).

Afinal, o nosso Deus é o Deus das segundas e terceiras oportunidades e não fica por aqui, pois é longânimo.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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