estudos bíblicos
A árvore ética
A árvore da ciência do bem e do mal é a árvore ética, porque ética é justamente o conhecimento do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto.
Para assustar os céticos, os liberais, os pós-modernistas e os incrédulos de todo gênero, confesso: creio na Bíblia como sendo a Palavra de Deus inspirada, autoritativa, inerrante, infalível e suficiente, o que me torna um cristão protestante e – permitam-me os irmãos calvinistas – reformado no sentido amplo. Sendo assim, professo minha fé na historicidade de Adão e Eva, do jardim do Éden, da Queda e das maldições que de lá irradiaram como consequência divinamente determinada para o cometimento do mal.
Dito isso, gostaria de pontuar singelamente como entendo o pecado dos nossos Primeiros Pais.
Narra o Livro de Gênesis, em seus três capítulos iniciais, tanto a Criação (caps. 1 e 2) como a Queda (3.1-6), tanto o mandato cultural (1.26-28) como os efeitos da atitude pecaminosa (2.7-12), tanto o mandamento divino (2.16,17) como a condenação que sucedeu à desobediência (3.14-24). Nada disso é lenda, mito ou folclore judaico.
Adão e Eva receberam de Deus o usufruto de “toda árvore do jardim”, à exceção da “árvore da ciência do bem e do mal”, sob pena de morte. A serpente, incorporando o diabo, incutiu na mente humana a noção errônea de que tal mandamento era pesado demais e fruto de suposta maldade de Deus, que estaria, com isso, negando ao Homem a possibilidade de se divinizar por meio do conhecimento.
Em seu estratagema, a serpente propôs a dúvida sobre o que Deus havia dito, e ainda o distorceu: “É assim que Deus disse? Não comereis de toda árvore do jardim?” Repare bem: uma coisa é oferecer toda árvore do jardim, prescrevendo uma exceção; outra, bem diferente, é dizer “não comereis de toda árvore do jardim”. Havia, na premissa diabólica, uma ênfase no aspecto negativo do mandamento, como se este fora instrumento de tortura, quando era, de fato, prevenção contra a morte.
A outra premissa diabólica consiste em afirmar que Deus teria “segundas intenções”, o que no direito chamamos de “reserva mental”: se comessem do fruto proibido, alegou a serpente, nossos Primeiros Pais teriam os olhos abertos, e seriam “como Deus, sabendo o bem e o mal”. Mais do que isso: de acordo com a proposta do diabo, conhecer o bem e mal é igual a divinizar-se. E, como sabemos, tal falácia despertou no coração humano o desejo por esse “entendimento” emancipatório (cf. Gn 3.6).
A árvore da ciência do bem e do mal é a árvore ética, porque ética é justamente o conhecimento do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto. Antes da Queda, o Criador, por assim dizer, alimentava a humanidade com a ética divina, orientando-a sobre o caminho a seguir; depois da Queda, houve uma proclamação de independência, de autonomia, de emancipação moral, momento em que Adão e Eva decidiram buscar em si mesmos o critério de aferição da verdade.
Da mesma forma como a mulher achou que a árvore era “boa para se comer”, “agradável aos olhos” e “desejável para dar entendimento”, persistem em toda a história “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (cf. I Jo 2.16), repetindo-se o percurso transgressor que nos trouxe à tragédia. É assim que “cada um é tentado quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência”, depois do quê, uma vez consumado, o pecado “gera a morte” (cf. Tg 1.14,15). E morte, em vez de aniquilação, é separação, a ponto de todos estarem “separados (…) da glória de Deus” (cf. Rm 3.23).
A teologia liberal, racionalista por natureza, labora nas premissas da serpente, na medida em que erige a dúvida como pressuposto, e não a fé; propõe o entendimento humano como alvo a ser alcançado, e não a obediência a Deus; e distorce os fundamentos da Palavra do SENHOR, porque não sabe conviver com a verdade pura e simples.
O relativismo ético teve origem no Éden: foi lá que, primeiro, alguém alçoou a voz para propor uma ética própria, essencialmente humana, avessa ao transcendente, orgulhosa e degenerada. Ali nasceram o antropocentrismo (culto à humanidade) e o hedonismo (culto ao prazer). Foi no Éden, por ocasião da Queda, que a primeira criatura humana teve a ousadia de se autoafirmar perante o Criador, como se pudesse conduzir sua existência sobre bases exclusivamente humanas, o que se define por secularização.
Não é preciso descrer na historicidade adâmica para considerar a dimensão ética e filosófica do relato acima referido. Alguém poderia afirmar que Deus tinha o direito de estabelecer o mandamento como simples prova moral, a seu soberano critério, mas, pelo conjunto das Escrituras, sinto-me autorizado a afirmar que o preceito violado pelo Primeiro Casal era mais do que um teste, dizendo respeito, isto sim, à natureza do relacionamento proposto por Deus à raça dos filhos de Adão.
Creio, pois, que a Bíblia nos permite compreender o mandamento de Gn 2.16,17 como o fundamento ético da existência humana, mostrando-nos que não existe verdadeira liberdade sem obediência a Deus, que o Homem só é feliz se estiver em Deus, e que a morte, no sentido mais dantesco da palavra, é viver como se Deus não existisse.
Enquanto o descrente vive nesta Terra, Deus lhe dá oportunidades, mas haverá um dia em que todo aquele que vive como se Deus não existisse terá a triste e amargurada companhia do mais absoluto silêncio de Deus, da mais absoluta distância de Deus – esta será “a segunda morte”, consectário lógico da primeira, que destampou no jardim.
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