estudos bíblicos
A graça divina no arminianismo
Suficiente a todos os que a experimentam, e eficaz em todo aquele que não resiste a ela.
O teólogo reformado holandês Jacó Armínio (1560-1609) [1] descreve a graça divina como “uma afeição gratuita pela qual Deus, tocado pelo amor, vai em direção a um pecador miserável e, em primeiro lugar, dá o seu filho” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 231), para que todo aquele que nele crer tenha a vida eterna.
Ele também a define como a disposição de “transmitir o seu próprio bem, e a amar as criaturas, não por mérito ou dívida, nem que isso possa acrescentar qualquer coisa ao próprio Deus, mas para que possa ir bem àquele a quem o bem é concedido, e que é amado.” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 415). Então, para Armínio, a graça é um favor imerecido, livremente dado aos homens por Deus, que visa a salvação dos crentes.
O teólogo holandês também conceitua a graça como “a assistência permanente e a ajuda contínua do Espírito Santo” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 231), que inclina o homem a fazer o que é bom e a cumprir a vontade de Deus.
Armínio usa uma variedade de modificadores para representar as distinções e funções da graça, classificando-as em duas categorias principais: a primeira graça é chamada de preveniente ou precedente; a segunda, subsequente, cooperante ou ingressante, conforme afirmam Stanglin e McCall (2016, p. 197). Estas distinções apresentam os diferentes “modos peculiares da manifestação divina desse favor imerecido” (COUTO, 2016, p.168).
A graça de Deus possui estas operações distintas, mas sempre visa a salvação de todo homem: “A graça é uma só em essência, mas varia em seu modo; uma no princípio e no fim, mas variada em seu progresso.” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 142). Esta doutrina era comum na igreja medieval, sendo defendida por teólogos como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino e pelo Concílio de Orange, realizado em 529 d.C. (STANGLIN; MCCALL, 2016, p. 198,199).
O homem foi criado à imagem de Deus, em santidade e justiça, e tinha a obrigação e a condição de resistir à tentação (MAIA, 2015, p. 28), se rejeitasse a oferta do inimigo e se sujeitasse ao Espírito Santo. Mesmo tendo sido criado assim, “tendo sido colocado em um ambiente ideal, com uma ocupação satisfatória, tendo recebido a comunhão divina e o amor conjugal”, o homem desobedeceu ao seu Criador e caiu do seu estado original, para sua própria condenação (MAIA, 2015, p. 31).
A transgressão dos primeiros pais trouxe severas consequências, e “como o homem é um ser social, estes efeitos do pecado se aplicam tanto ao indivíduo como à raça inteira” (MAIA, 2015, p. 42). Esta corrupção herdada de Adão tem um caráter impregnante, por isso é chamada de “depravação total” (MAIA, 2015, p. 44). Armínio nunca utilizou este termo, mas preferia chamar de “inabilidade total” (STANGLIN; MCCALL, 2016, p. 150).
Neste estado de depravação ou inabilidade espiritual total, o ser humano não pode salvar‑se por sua própria força, nem se arrepender, e nem mesmo desejar buscar a Deus (MAIA, 2015, p. 54). É necessária uma ação graciosa da parte de Deus que venha tornar a vontade humana livre para escolher cooperar (ou não) com o Espírito Santo. Assim, Armínio assevera que a graça divina é absolutamente necessária para que o pecador seja salvo:
Nesse estado, o livre-arbítrio do homem para o que é bom não somente está ferido, aleijado, enfermo, distorcido e enfraquecido; ele também está aprisionado, destruído e perdido. E os seus poderes não estão somente debilitados são inúteis (a menos que seja assistido pela graça), mas está totalmente privado de poder, exceto aqueles poderes dados pela graça divina, pois Cristo disse: ‘… sem mim nada podeis fazer’. (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 473).
Para o teólogo holandês, a vontade do homem decaído não pode nem dar um primeiro passo em direção a Deus, sem a ação da graça: “O livre-arbítrio é incapaz de iniciar ou aperfeiçoar qualquer bem verdadeiro ou espiritual, sem a graça. Esta graça é simples e absolutamente necessária para o esclarecimento da mente, a devida ordenação dos interesses e sentimentos, e a inclinação da vontade para o que é bom” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 406).
A graça preveniente
A graça preveniente é “o meio pelo qual Deus, antes de qualquer ação humana, atrai graciosamente o pecador e o capacita espiritualmente para que se arrependa e se converta a Cristo” (NASCIMENTO, 2016, p. 32). É a primeira operação de Deus para salvação do homem; é “a graça preparatória do Espírito Santo exercida em direção ao homem desamparado no pecado” (COUTO, 2016, p. 170), que precede qualquer decisão humana, e opera unicamente da parte de Deus, “de maneira monergística” (STANGLIN; MCCALL, 2016, p. 197), pois o pecador “é livre para resistir a essa graça, mas não para inicia-la” (COUTO, 2016, p. 171).
A graça preveniente irresistivelmente convence o pecador do pecado. A irresistibilidade não diz respeito à necessidade de atender ao chamado divino, mas à capacidade de ouvi-lo.
Esta iniciativa graciosa de Deus habilita o homem a crer em Cristo. Ela é a única causa de todo bem espiritual e é preparatória para outras manifestações da mesma graça. Segundo o entendimento de Armínio (2015, v.2, p. 406), “Esta graça vai antes, acompanha e segue; instiga, auxilia, opera o que queremos, e coopera, para que não queiramos em vão”.
Esta graça é uma obra do Espírito Santo que vence a incapacidade do homem caído de crer em Cristo ou desejar qualquer bem espiritual. A graça, no pensamento arminiano, não é uma força, mas a ação de uma pessoa, o Espírito Santo (BANGS, 2015, p. 405). Duewel (1999, p. 108) assevera que a “graça preveniente é aquela que o Espírito Santo providencia enquanto prepara uma pessoa para experimentar o nascimento espiritual”.
Wiley (2013, p. 313) afirma que a expiação realizada por Cristo somente se mostra efetiva para a salvação dos homens quando o Espírito Santo a administra, e que o Espírito Santo, como agente de Cristo, torna conhecido seu propósito para a salvação do mundo através da proclamação que se conhece como vocação ou chamado.
O chamado para a salvação
O chamado divino para a salvação é um ato da graça divina, pelo qual Deus convida os pecadores a aceitarem pela fé a redenção providenciada por Cristo, conforme verifica-se na declaração de Armínio:
É o ato misericordioso de Deus, pelo qual, pela Palavra e pelo Seu Espírito, Ele convoca os homens pecadores, sujeitos à condenação e colocados sob a dominação do pecado, para que deixem a condição da vida natural e as profanações e corrupções deste mundo, a fim de que obtenham uma vida sobrenatural em Cristo, pelo arrependimento e fé, para que possam estar unidos a Ele, como sua cabeça, designada e ordenada por Deus, e possam desfrutar da participação de seus benefícios, para a glória de Deus e a sua própria salvação. (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 95,96).
A causa do chamado é a graça divina (Seu amor, Sua bondade, Sua misericórdia), e não os méritos humanos. “Deus não destina estes meios a ninguém por causa de seus próprios méritos, […] mas apenas pela mera graça. E Ele não os nega a ninguém, a não ser, com razão, devido a transgressões anteriores” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 95.).
A vocação de Deus para a salvação é, em parte, externa, pela pregação do evangelho, e em parte, interna, pela ação do Espírito Santo: “A vocação interna se dá pela operação do Espírito Santo, esclarecendo e influenciando o coração, de modo que a pessoa preste atenção às coisas que são ditas, e a palavra possa ser crida” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 97). Todos os homens são chamados à salvação, independente da resposta, pois “a vocação interna é concedida até mesmo àqueles que não obedecem ao chamado” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 429).
Quando o pecador ouve a pregação do evangelho e o Espírito Santo age em seu coração, a fé é possibilitada a ele. Armínio (2015, v2, p. 100) assim descreve o processo pelo qual a fé é gerada no homem: “A fé evangélica é uma concordância da mente, produzida pelo Espírito Santo, por intermédio do Evangelho nos pecadores”. “Eles […] são totalmente persuadidos em si mesmos de que Jesus Cristo foi constituído por Deus como o autor da salvação para os que obedecem a Ele, e Ele será o seu próprio salvador, caso creiam nele”.
Armínio também acredita que o Espírito Santo é capaz de operar de uma maneira extraordinária, sem intervenção da ajuda humana, na pregação, quando lhe parecer bom, embora o meio comum seja pela “pregação da Palavra, por homens mortais” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 300).
A ação do Espírito Santo, por esta graça preveniente possibilita ao homem crer em Jesus, por meio da pregação do Evangelho de Cristo, conforme afirma Armínio (2015, v.3, p. 320): “O autor da fé é o Espírito Santo […] o instrumento é o Evangelho, ou a palavra de fé, que contém o significado a respeito de Deus e de Cristo que o precioso Espírito propõe ao entendimento, e do qual Ele persuade aqui”.
Armínio entende, a partir das Escrituras, que o homem natural não pode arrepender-se ou crer no evangelho, sem a operação da graça divina, quando afirma: “Digo, então, que é muito claro, com base nas Escrituras, que o arrependimento e a fé não podem ser exercidos, exceto pelo dom de Deus. Mas as mesmas Escrituras e a natureza dos dois dons ensinam, de maneira muito clara, que esta concessão se dá pelo modo de persuasão. Isto acontece pela palavra de Deus.” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 320), ainda acrescenta: “O ato de fé não está no poder de um homem natural, carnal, sensitivo e pecador e […] ninguém consegue realizar esse ato exceto pela graça de Deus” (ARMÍNIO, 2015, v.2, p. 94).
Na visão do teólogo holandês, a capacidade de crer vem de Deus, o conteúdo da fé vem de Deus, a persuasão para crer vem de Deus; o crer, contudo, na teologia arminiana, é visto como um ato do homem, capacitado pela graça divina. Picirilli (2017, p. 195) afirma que a fé “é uma atitude pessoal do indivíduo que reflete a mente e a vontade daquela pessoa. Fé significa que a pessoa está crendo; não que Deus (ou Cristo) esteja crendo por ela”.
Deus pode requerer fé do homem decaído porque Ele “decidiu conceder aos homens graça suficiente, pela qual os homens podem crer” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 348). Os crentes fazem uso da graça; os incrédulos a rejeitam.
A salvação é efetivada unicamente pela fé em Cristo. Os homens são salvos porque creem, e são condenados por sua incredulidade. Alguns ouvem a pregação do Evangelho e creem; outros, mesmo tendo ouvido, não creem. A fé não surge da decisão do que crê, mas da Palavra de Deus, no coração. Esta fé é um dom divino quanto à graça pela qual é produzida. Sem a graça ou poder para crer ninguém jamais creu ou pode crer.
A fé, porém, não é causa meritória da salvação, mas é causa instrumental. A fé é impossível sem a graça; a salvação pela graça é impossível sem a fé: “A fé é uma condição exigida por Deus daquele que será salvo, antes que seja o meio de obter a salvação” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 264).
Salvação pela fé e salvação pela graça são complementares. A fé salvadora não concede mérito ao crente, pois ela vem pela graça. Walls e Dongell (2014, p. 67) enfatizam que embora a Bíblia apresente vários convites e ordenanças para que se tenha fé, “ela não considera a fé uma obra que mereça alguma coisa em troca”.
A graça subsequente
Em adição a essa graça preveniente, há uma segunda operação da graça, que se segue ao recebimento da primeira, que é subsequente e cooperante, “abrindo a porta para que a graça possa entrar”, segundo afirmam Stanglin e McCall (2016, p. 197), que ainda declaram que “o contato inicial da graça preveniente é completamente divino, mas a graça subsequente ocasiona um relacionamento cooperativo”.
Picirilli (2017, p. 188) assevera que a graça preveniente (preventiva ou pré-regeneradora) está tão intimamente ligada à regeneração que conduz inevitavelmente a ela, “a não ser que seja finalmente resistida”.
Se o homem não resiste à graça preveniente, e abre a porta do coração, receberá os benefícios da salvação, pela ação continuada do Espírito Santo, por meio da graça subsequente. Gunter (2017, p. 245) afirma que “sem a graça, nada salvífico é possível à humanidade”, pois, para Armínio, “a graça iniciada é a graça continuada. A graça preveniente despertadora se torna graça salvadora capacitadora, que é uma contínua graça santificadora”.
Mesmo depois de salvo, a graça continua agindo para que o homem continue firme na fé, diz Armínio: “Eu atribuo à graça o início, a continuidade e a consumação de todo o bem. Eu vou até o ponto de asseverar que a criatura, embora regenerada, não pode nem conceber, querer, nem fazer bem algum, nem resistir a qualquer tentação do mal, em separado desta graça preveniente e despertadora, contínua e cooperadora” (GUNTER, 2017, p. 193).
O homem é regenerado quando crê em Jesus, pela ação da graça subsequente. Armínio (2015, v.2, p. 203) acredita que o homem primeiro crê, e, então, é regenerado: “A fé viva e verdadeira em Cristo precede a regeneração”. Se o homem é regenerado para crer, então a regeneração seria para a fé, e não pela fé.
A graça subsequente é resistível
A operação da graça salvadora, no entendimento arminiano, é resistível, pois Armínio declara que “a Escritura ensina que muitas pessoas resistem ao Espírito Santo e rejeitam a graça oferecida” (GUNTER, 2017, p. 194).
Esta graça pode ser resistida, quando o pecador rejeita a oferta de salvação que a acompanha. Qualquer pessoa pode, mesmo recebendo a graça, não fazer uso dela, devido à liberdade de escolha que ela mesma lhe trouxe.
Armínio usa uma analogia para falar desta cooperação no ato de crer:
Um homem rico concede a um mendigo pobre e faminto esmolas com que ele pode sustentar a si mesmo e à sua família. Isso deixa de ser um presente puro, porque o mendigo estende a mão para recebe-lo? Pode-se dizer, com propriedade, que ‘a esmola dependeu, em parte, da liberalidade do doador, e parcialmente da liberdade do recebedor’, embora o último não tivesse tomado posse da esmola, e menos que a tivesse recebido, estendendo a mão? […] Se essas afirmações não podem ser feitas, verdadeiramente, sobre um mendigo que recebe esmolas, muito menos podem ser feitas a respeito do dom da fé, para cujo recebimento são necessários mais atos da graça divina. (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 330).
A graça divina capacita a vontade humana a crer, ao libertar o arbítrio que estava escravizado ao pecado. Armínio declara acerca da ação da graça sobre o livre-arbítrio humano:
Assim como a graça preserva, também o livre-arbítrio é preservado, e o livre-arbítrio do homem é o sujeito da graça. Logo, é necessário que o livre-arbítrio colabore com graça, que é concedida para a sua preservação, mas auxiliada por uma graça subsequente, e sempre permanece no poder do livre-arbítrio rejeitar a graça concedida, e recusar a graça subsequente; porque a graça não é a ação onipotente de Deus, à qual o livre-arbítrio do homem não consegue resistir. (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 473).
Olson (2013, p. 46,47) afirma que a graça divina não verga a vontade humana, ou torna certa a sua resposta, mas apenas “capacita a vontade a fazer a escolha livre, quer seja para cooperar, quer seja para resistir à graça”. Esta cooperação da vontade não contribui para a salvação, “como se Deus fizesse uma parte e os humanos a outra”.
A cooperação da vontade humana com a graça na teologia arminiana é simplesmente a não resistência à própria graça. Ele acrescenta: “Todavia, Deus não toma esta decisão pelo indivíduo; é uma decisão que os indivíduos, sob o impulso da graça preveniente, devem tomar por si mesmos.” (OLSON, 2013, p. 46,47).
A graça opera no homem que é um agente livre e responsável, mas que está escravizado no pecado (WILEY, 2013, p. 328,329). Ela liberta a vontade humana que estava cativa ao pecado, segundo afirma o teólogo holandês: “O autor da graça decidiu não obrigar os homens, pela sua graça, a consentir, mas influenciá-los, por uma mansa e gentil persuasão, influência que não apenas não remove o livre consentimento do livre-arbítrio, mas até mesmo o estabelece.” (ARMÍNIO, 2015, v.3, p. 454).
Segundo assevera Armínio (2015, v.1, p. 209), a graça divina corrige os efeitos da Queda sobre a volição do homem: “Porque a graça é branda e se mescla com a natureza do homem, para não destruir dentro dele a liberdade da sua vontade, mas para lhe dar uma direção correta, para corrigir sua depravação, e para permitir que o homem possua as suas próprias noções adequadas”. O arminianismo sustenta a posição conhecida como “liberdade libertária” (OLSON, 2013, p.96; WALLS; DONGELL, 2014, p. 98)[2].
O poder pelo qual o ser humano coopera com a graça é a própria graça. Daniel (2017, p. 371) afirma que a vontade humana “só pode escolher livremente porque a vontade divina agiu previamente para possibilitar isso”.
Sobre a necessidade da graça preveniente para a libertação da vontade humana para realizar o bem, Armínio declarou que a graça subsequente assiste, de fato, o bom propósito do homem, mas esse “bom propósito não teria existência, exceto por meio da graça precedente ou antecipada. E embora o desejo do homem, chamado bom, possa ser assistido pela graça logo que nasce, ainda assim, ele não nasce sem a graça” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 477).
Se este homem se abre à ação divina, a graça fará sua obra completa, mas se ele resiste, rejeita e despreza a voz de Deus, não poderá ser salvo. “O resultado acidental da vocação, e que não é a intenção de Deus, é a rejeição da palavra da graça, o desprezo do conselho divino, a resistência oferecida ao Espírito Santo. A causa propriamente dita desse resultado é a maldade, a insensibilidade e a dureza do coração humano”. (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 513).
O homem tem a liberdade de recusar, mas não de evitar as consequências de sua recusa. Não resistindo ao Espírito, o arbítrio do homem é liberto, e sua vontade liberta concorda com sua graciosa libertação. O arminianismo advoga que a salvação é inteiramente pela graça, mas “também reconhece que a cooperação da vontade humana é indispensável”, pois o homem, como agente livre, “decide se a graça proposta é aceita ou rejeitada” (OLSON, 2013, p. 47).
Rodrigues (2016, p. 68) conclui que, “na soteriologia sinergística arminiana, a vontade humana apenas resiste, ou não, à graça que oferta uma salvação pronta e acabada, onde nada pode ser acrescentado ou retirado dela”.
A graça é para todos
Rodrigues (2016, p. 42) atesta que, na teologia de Armínio, a graça é vista como universal em seu alcance, pois Deus deseja salvar a todos. No entanto, “tal universalidade não implica em universalismo real, pois apenas as pessoas que atenderem ao chamado divino, pós-pregação do evangelho, são salvas”.
No entendimento do teólogo holandês, Deus oferece graça suficiente aos eleitos e não eleitos, de modo que todos os homens podem crer, auxiliados por essa graça, ou podem não crer, rejeitando essa graça por sua própria vontade; poderão ser salvos pela admissão e uso correto da graça, ou não salvos “pela sua própria iniquidade, rejeitando aquilo sem o que não podem ser salvos.” (ARMÍNIO, 2015, v.1, p. 331,332).
Armínio afirma, pois, que a graça divina que visa a salvação do homem é dada a todos, mas se efetivará salvadora apenas naquele que não resistir a ela, mas crer na mensagem do evangelho, pela persuasão do Espírito Santo.
O chamado é universal, pois a graça salvadora é oferecida a todos. Assim, todo homem recebe de Deus a graça para cooperar com Ele para sua própria salvação, ou de rejeitar a graça divina, para sua eterna perdição.
Gunter (2017, p.258) atesta que esta é a mensagem principal de Armínio: “Sua mensagem essencial era a de que está eternamente disposto a salvar, e todos os que pela graça creem serão salvos”. Esta graça é suficiente para todos os que a experimentam, e eficaz em todo aquele que não resiste a ela. Se o homem não resiste à operação do Espírito Santo, Ele o levará à salvação.
Considerações Finais
Jacó Armínio pode ser considerado “um teólogo da graça”, pois enfatiza a necessidade da operação da graça divina, uma ação do Espírito Santo, no coração do homem, para que o pecador possa dar crédito ao Evangelho e render a Jesus como seu Salvador.
A graça preveniente, ofertada a todos os homens, é a única causa de todo bem espiritual e é preparatória para outras manifestações da mesma graça. Quando a vontade é libertada pela graça e o homem não resiste à ação graciosa do Espírito, mais graça recebe, para continuar crendo e buscando viver para agradar a Deus.
A doutrina da graça no pensamento arminiano está em concordância com a tradição cristã antes dele, mas diverge da posição calvinista, que limita o propósito salvífico de Deus apenas aos eleitos, a quem será dada uma graça eficaz e irresistível. Armínio considera que isto contraria as Escrituras e denigre o caráter amoroso divino, ao torna-lo responsável pela condenação dos incrédulos.
Para Armínio, a própria natureza da graça, generosa e imerecida, mas resistível, requer a liberdade de rejeitá-la, para que a liberdade humana mal utilizada seja a culpada primária pelo pecado, e o caráter plenamente amoroso e justo de Deus seja defendido, visto que é uma blasfêmia acusar Deus de ser o autor do mal.
O evangelho, como boas novas, pode e deve ser pregado a todos os homens, pois Deus deseja salvar a todos e deu Seu Filho como propiciação dos pecados de toda a humanidade. Quem nele crer será salvo; quem não crer está condenado por sua incredulidade voluntária.
REFERÊNCIAS
ARMÍNIO, Jacó. As Obras de Armínio. 3 volumes. Tradução de Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2015.
COUTO, Vinicius. Em favor do Arminianismo Wesleyano: um estudo bíblico, teológico e exegético de sua relevância na contemporaneidade. São Paulo: Reflexão, 2016.
DANIEL, Silas. Arminianismo, A Mecânica da Salvação: uma exposição histórica, doutrinária e exegética sobre a graça de Deus e a responsabilidade humana. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.
DUEWEL, Wesley L. A Grande Salvação de Deus. São Paulo: Candeia, 1999.
GUNTER, W. Stephen. Armínio e as suas Declarações de Sentimentos: uma tradução com introdução e comentários teológicos. Tradução de Wellington Mariano. São Paulo: Reflexão, 2017.
MAIA, Carlos Kleber. Depravação Total. São Paulo: Editora Reflexão, 2015.
NASCIMENTO, Valmir. Graça Preveniente: um estudo sobre o gracioso agir de Deus para a salvação humana. São Paulo: Reflexão, 2016.
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: mitos e realidades. Tradução de Wellington Mariano. São Paulo: Reflexão, 2013.
PICIRILLI, Robert E. Graça, Fé e Livre Arbítrio: visões contrastantes da salvação – calvinismo e arminianismo. Tradução de Rejane Ferreira Caetano Eagleton. São Paulo: Reflexão, 2017.
RODRIGUES, Zwínglio. Graça Resistível. Coleção Arminianismo. São Paulo: Reflexão, 2016.
STANGLIN, Keith D.; MCCALL, Thomas H. Jacó Armínio: teólogo da graça. Tradução de Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Reflexão, 2016.
WALLS, Jerry L.; DONGELL, Joseph R. Por Que Não Sou Calvinista. Tradução de Wellington Mariano e Glória Hefzibá. São Paulo: Reflexão, 2014.
WILEY, H. Orton. Teologia Cristiana. Tomo 2. Lenexa, Kansas: Casa Nazarena de Publicaciones, 2013.
[1] Armínio era um teólogo reformado, que foi pastor da Igreja Reformada da Holanda toda a sua vida, mas sua teologia segue uma trajetória diferente da teologia de seus oponentes. Jacó Armínio nasceu no dia 10 de outubro de 1560, em Oudewater, na Holanda, iniciou a sua formação teológica em Leiden, na primeira Universidade protestante da Holanda, estudou na Academia de Genebra, sob a direção de Teodoro Beza, reitor da Universidade e sucessor de João Calvino, depois se transferiu para a Universidade da Basileia, depois de um ano retornou a Genebra, em 1584, concluiu seus estudos dois anos depois, e retornou à Holanda para tornar-se o pastor da principal igreja protestante do país, em Amsterdã, igreja que pastoreou por 15 anos. Em 1603 Armínio foi nomeado professor de Teologia na Faculdade de Teologia da Universidade de Leiden. Ali ele recebeu o título de doutor, serviu como reitor eleito por dois anos e exerceu o ministério de ensino como professor pleno até 1609. Jacó Armínio faleceu em 19 de outubro de 1609, vítima de tuberculose. No seu funeral, seu amigo Bertius proferiu a honrosa oração: “Viveu na Holanda um homem; os que o conheceram não puderam estima-lo adequadamente; os que não o estimavam, jamais o conheceram adequadamente”.
[2] Walls e Dongell (2014, p. 98) afirmam que a essência da “liberdade libertária” é que uma ação livre é “aquela que não tem uma condição suficiente ou causa prévia para seu acontecimento”. Eles afirmam que os libertários se julgam moralmente responsáveis por suas ações, e que a responsabilidade moral exige liberdade.