estudos bíblicos
A salvação pela graça
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 7 do trimestre sobre “A obra da salvação”
Você já ouviu falar do inglês John Newton? Talvez não. Mas já ouviu falar na música intitulada Amazing Grace (Maravilhosa Graça)? Provavelmente sim. Provavelmente já a ouviu, ainda que não soubesse desse título. Um verdadeiro clássico da música evangélica, da autoria de John Newton, ex-traficante de escravos no século 18.
Antes de experimentar a graça salvadora de Deus, John Newton não tinha o menor receio de xingar e proferir palavrões quando se irava, de blasfemar contra o Deus do céu, de zombar da Bíblia, de ridicularizar a consagração a Deus, de se envolver em atos depravados, nem o mínimo escrúpulo de comprar e vender seres humanos como se fossem objetos ou mercadorias.
Entretanto, John Newton mudou completamente após a sua conversão, voltando à antiga fé que sua mãe lhe ensinara quando ele era um garoto com menos de sete anos de idade. A conversão de Newton foi dramática, e seu medo do inferno foi substituído pelo amor a Deus, o Deus de inefável graça! Mais tarde, ele se tornou pastor e exerceu o ministério pastoral por 23 anos, sempre salientando em seus sermões o tema da graça de Deus.
Ele compôs e publicou centenas de hinos, inclusive o famoso hino interpretado na voz de muitas celebridades da música secular e de cantores cristãos em todo mundo: a música Amazing Grace, que descreve a própria trajetória de redenção do compositor, através da graça inefável do Senhor. Ouça esta canção quando puder.
É sobre esta maravilhosa graça que estaremos a falar nesta presente Lição da Escola Dominical. E com este estudo fica a minha oração para que você seja totalmente envolvido por esta graça maravilhosa proveniente do trono de Deus e encarnada para sempre na pessoa bendita de Jesus Cristo, nosso Salvador!
I. LEI E GRAÇA
- Graça sobre graça!
O apóstolo João, em seu Evangelho, declara que “a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1.17). Esta declaração se mal interpretada pode levar a equivocada conclusão costumeiramente ouvida nos arraiais evangélicos: no Antigo Testamento, Deus é justiça; no Novo Testamento, Deus é graça. Um Deus que numa aliança é vingativo, noutra aliança é amoroso.
Esta bipolaridade não existe em Deus, mas apenas em nossa confusão teológica. Justiça e graça de Deus podem ser vistas andando juntamente desde o Éden até a consumação de todas as coisas. Não foram os sacrifícios expiatórios instituídos no Antigo Testamento expressões claras da graça de Deus, que oferecia aos judeus a possibilidade de transferirem sua culpa para um animal que viria a ser morto em lugar do transgressor?
E os muitos milagres, como a libertação da escravidão do Egito e as vitórias incontáveis que Deus concedeu sobre muitos reinos inimigos de Israel, não são expressões legítimas de sua graça? E quanto ao Novo Testamento, não é a própria morte de Cristo a mais sublime declaração da vingança de Deus contra o pecado e a afirmação de sua justiça eterna? Se não houvesse justiça no Novo Testamento, ou se ela fosse algo amenizado na nova aliança, teria Cristo padecido tão vergonhosa e horrenda morte pelos nossos pecados?
E quanto a Ananias e Safira que foram fulminados por mentirem ao Espírito Santo diante dos apóstolos (At 5.1-10)? E quanto a Herodes que morreu devorado em seu interior por vermes (At 12.21-22)? E quanto a muitos milagres operados pelos apóstolos, impondo castigo aos adversários do Evangelho, como Elimas, que ficou cego após imprecação do apóstolo Paulo (At 13.8-11)? E os crentes de corinto que comiam e bebiam indignamente a ceia do Senhor, entre os quais muitos já haviam ficado fracos e doentes, além de outros que haviam morrido (1Co 11.30)?
E quanto a Jesus dizendo sobre uma tal Jezabel na Igreja de Tiatira na Ásia Menor: “Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação, se não se arrependerem das suas obras. E ferirei de morte a seus filhos…” (Ap 2.22,23)? Certa vez me perguntaram: Jesus mata? Respondi enfaticamente que SIM, e citei essa porção do Apocalipse. Olhos esbugalhados e uma expressão facial de surpresa apareceram diante de mim. Erramos quando tratamos com exacerbado romantismo o Novo Testamento!
Ademais, é preciso deixar claro como a luz do sol: nunca houve dois modos de salvação na Bíblia, sendo um pela observância da Lei na antiga aliança, e outro pela fé em Cristo na nova aliança. Na verdade, sempre houve um único modo de salvação, em todos os tempos: pela graça de Deus, por meio da fé! Aliás, lembremo-nos que existiram muitas gerações antes da Lei de Moisés, dentre as quais incontáveis almas foram salvas (José, Jacó, Isaque, Abraão, Noé, Enoque…). Todos quantos foram salvos em todo tempo, o foram pela graça de Deus, os que puderam exercitar conscientemente a fé, foram chamados e capacitados a fazê-lo; outros que não puderam (por exemplo, as crianças), foram redimidos pelo sangue eficaz de Jesus Cristo (cujo alcance é não só perspectivo, mas retrospectivo, alcançando todos quantos morreram sob a aliança com Deus nos tempos passados). Mas todos, absolutamente todos os salvos em toda história da humanidade, só o foram por causa da maravilhosa graça, dom de Deus do qual nenhum de nós éramos merecedores.
Mas e então, o que significa as palavras de João sobre a Lei ter vindo por Moisés e a graça e a verdade terem vindo por Cristo?
Curiosamente, o texto de João 1.17, que deve ser interpretado juntamente com o versículo 16, aponta na direção favorável à manifestação da graça divina mesmo antes de Cristo, embora encontre nele sua expressão plena, absoluta e final! Aliás, toda graça manifesta na Bíblia sagrada é por causa de Cristo, sem o qual não haveria em tempo algum provisão pelo pecador diante de Deus. Tão verdadeiro é esse entendimento, que o autor da Carta aos Hebreus, referindo-se à Moisés diz de modo bastante vívido: “Por amor de Cristo, considerou a desonra riqueza maior do que os tesouros do Egito, porque contemplava a sua recompensa” (Hb 11.26).
Voltando ao texto de João, veja o que diz o versículo 16: “Todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça” (Jo 1.16, NVI). E logo em seguida, o versículo 17 começa com uma conjunção explicativa (explicando assim a declaração anterior): “Pois a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por intermédio de Jesus Cristo” (Jo 1.17). Noutras palavras, graça (manifesta plenamente no Cristo encarnado) é colocada sobre graça (manifesta parcialmente na Lei de Moisés). Ninguém há de negar que houvesse verdade nos dias de Moisés ou na Lei, mas todos concordamos que em Cristo a verdade materializa-se, “se fez carne e habitou entre nós”, como diria João; de tal modo, que Jesus pode dizer: “Eu sou… a verdade” (Jo 14.6). Como explica o comentário Beacon: “Não é que João pensasse na lei e na graça como antitéticas, ou que a lei não fosse verdadeira. Ela era verdadeira, porém limitada. A lei era insuficiente em relação às necessidades mais profundas do homem, ao passo que Cristo é mais do que suficiente, uma vez que Ele é a fonte de toda a verdade e graça” (1). Assim, pois, em Cristo, graça e verdade são maximizados!
Em Moisés, a Lei que outrora estava gravada no coração dos homens, materializa-se nas pedras do Sinai e nos papiros nos quais a lei foi diversas vezes manuscrita. Em Cristo, a graça e a verdade que estavam disseminadas entre os homens, noutros tempos, agora materializa-se nele mesmo, ganhando “carne e sangue”, podendo ser vista e apalpada (Jo 1.14; 1Jo 1.1; 2Pe 1.15). Assim, se pode com absoluta clareza dizer que “a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt 2.11).
O exegeta Donald Carson segue esta interpretação, quando afirma: “Diante disso, parece que a graça e a verdade que vieram por meio de Jesus são o que substitui a Lei; a própria Lei é entendida como uma manifestação anterior da graça (…) A aliança da Lei, portanto, é vista como um dom gracioso da parte de Deus, agora substituído por um dom mais gracioso, ‘a graça e a verdade’ incorporada em Jesus Cristo – aqui nomeado, pela primeira vez, como o ser humano que é nada mais que a ‘Palavra que se tornou carne’” (2). Em Cristo temos graça abundante, graça tomando o lugar da graça, graça aperfeiçoando a graça, graça multiplicando-se e enchendo-nos totalmente! Não alcançaremos pela graça de Cristo maior graça quando cruzarmos os portais da glória celeste, do que já a temos experimentado aqui? Já dizia o pregador congregacional norte-americano D. L. Moody, “Alguns creem que quando chegam ao Calvário já possuem o melhor – mas existe algo melhor que lhes aguarda: a glória!” (3). Isso é graça sobre graça!
- Para quê, então, a Lei de Moisés foi dada?
A Lei não foi dada com intuito de justificar ou aperfeiçoar os pecadores. Paulo é incisivo: “ninguém é justificado pela prática da lei” (Gl 2.16). Os judeus que buscavam a justificação pelas obras da Lei, e não pela fé, tropeçaram (Rm 9.31,32).
Embora tenha sido boa – porque procede do Deus que é bom e de quem emana toda boa dádiva (Tg 1.17) – a Lei tencionava de modo muito limitado:
- Revelar o alto padrão de santidade de Deus (Lv 11.45).
- Evidenciar a corrupção do coração humano e a natureza vã de todo seu orgulho (Rm 2.17-29; 5.20).
- Proporcionar um aio, um guia espiritual temporário para o povo eleito de Deus, e os que a ele fossem agregados nos tempos antigos, até que viesse “a plenitude dos tempos” e a revelação final de Deus em Cristo (Gl 3.24).
Resumindo nas palavras do erudito Abraão de Almeida, “o objetivo último da lei é fazer que o pecador sinta a necessidade de justificação e perdão, e leva-lo, ao final, a confiar em Jesus Cristo e recebe-lo como seu único Salvador e Senhor, recebendo dele a salvação do pecado e da consequência deste, a morte espiritual” (4). Ou ainda de forma prática, como diz o teólogo pentecostal Myer Pearlman, fazendo uma comparação interessante entre a Lei e a Graça: “A Lei diz: ‘pague tudo’, mas a graça diz: ‘tudo está pago’. A Lei representa uma obra por fazer, a graça é uma obra consumada. A Lei restringe as ações, a graça transforma a natureza. A Lei condena, a graça justifica. Debaixo da Lei, o indivíduo é servo assalariado; debaixo da graça, ele é filho em alegria de herança ilimitada” (5).
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