Reviravolta: cristão condenado à morte tem pena anulada no Paquistão

No início de julho, a Suprema Corte do Paquistão absolveu Anwar Kenneth, cristão de 72 anos, do crime de blasfêmia. Kenneth passou 23 anos no corredor da morte após ser condenado em 2002 por supostamente ofender Maomé e o Alcorão em cartas enviadas a autoridades religiosas. O tribunal concluiu que ele possui condições mentais que o tornam inimputável, afirmando em sua decisão que “uma pessoa nessas condições mentais não pode ser considerada culpada desse tipo de crime”.

Durante o anúncio do veredito, ativistas religiosos presentes no tribunal protestaram de forma intensa, provocando tumulto. O advogado de defesa, Rana Abdul Hameed, explicou que “o caso de Kenneth abre precedentes para decisões semelhantes no futuro, o que é uma ofensa grave para esses grupos”. Segundo ele, durante o julgamento, houve forte pressão de advogados islâmicos para que a pena de morte fosse aplicada integralmente, em consonância com a Lei de Blasfêmia do país.

Prisão e condenação

Anwar Kenneth foi preso em 2001, após enviar cartas às autoridades religiosas nas quais expressava sua fé cristã e convicções pessoais. O conteúdo foi considerado blasfemo pela Justiça. Em julho de 2002, a Corte de Lahore o sentenciou à morte. Segundo registros judiciais, Kenneth declarou à época: “Deus é meu conselheiro”. Durante os mais de 20 anos de tramitação do caso, pelo menos cinco advogados do Estado recusaram-se a representá-lo.

A Lei de Blasfêmia no Paquistão prevê pena de morte para ofensas contra o islamismo, sendo frequentemente utilizada como base para acusações graves. Mesmo sem evidências robustas, acusados podem enfrentar condenações severas ou ataques populares. De acordo com o Centro de Justiça Social do Paquistão, somente entre 2024 e 2025, o país registrou 344 novos casos relacionados à lei.

Perfil e fé cristã

Reshma Bibi, irmã de Kenneth, descreveu-o como um homem de fé e de profundo conhecimento bíblico. “Meu irmão foi professor em cursos bíblicos e muitas vezes entrava em debates com seus amigos muçulmanos e outros líderes religiosos. Ele comunicava suas ideias sobre religião por meio de cartas, mas nunca foi desrespeitoso. Foi uma dessas cartas que usaram para tentar silenciá-lo”, afirmou ela.

O caso revela tensões entre liberdade religiosa e legislações que restringem a expressão de fé cristã no país. De acordo com Thomas Muller, analista da missão cristã Portas Abertas, “as leis de blasfêmia do Paquistão são armas de perseguição há anos. Hoje, estamos testemunhando uma onda de violência na qual meros rumores podem incitar ataques mortais. Frequentemente, as cortes quase não fazem uma investigação digna dos casos apresentados”.

Saúde mental

A Suprema Corte levou em consideração o histórico de saúde mental de Kenneth ao absolvê-lo. A defesa argumentou que o cristão apresentava comportamentos e declarações que indicavam comprometimento psicológico desde sua prisão. O advogado Hameed declarou que “a decisão da Suprema Corte ajudará nos casos de diversos outros prisioneiros sofrendo de condições psicológicas que estão pendentes há anos”.

Kenneth deverá ser libertado nos próximos dias. Sua soltura marca um raro desfecho positivo entre os casos de blasfêmia que envolvem cristãos no Paquistão. Ainda assim, o ambiente jurídico e religioso permanece hostil, especialmente diante da crescente influência de grupos islâmicos radicais.