opinião
Deus é mal-humorado?
Esta liberdade que temos com o Pai, não deve ser confundida com sacrilégio ou escárnio.
Qual é o limite do humor? Deus é mal-humorado? Pode-se fazer piada com o Deus? Estas são perguntas que suscitam debates acalorados justamente por se tratarem de temas polêmicos que tocam na individualidade da fé de cada pessoa.
Sabe-se que Deus se revela numa perspectiva ontológica que nos comunica que Deus não é igual a nós, isto é, não está em pé de igualdade conosco, como diria Karl Bath, Ele é “Totalmente Outro”. Um bom caminho seria observar as experiências de nossos irmãos registradas na Bíblia. Em geral, todos partiam do mesmo pressuposto de que estavam diante do Senhor, Criador dos céus e da terra, anunciado a Moisés como o grande EU SOU (expressão em português registrada na Bíblia em Êxodo 10:17, como sugestão de tradução para o original em hebraico אֶהְיֶה אֲשֶׁר אֶהְיֶה, pronunciado Ehyeh Asher Ehyeh), e todos se relacionaram com Ele com respeito, obediência, reverência e temor.
A Bíblia também nos ensina que Deus se revela como um Pai (Mt 7:9-11; cf. Lc 11:11-13). Sabe-se que a figura paterna hoje em dia pode estar um tanto quanto relativizada, porém, quando a Bíblia nos diz que o Pai ama com amor zeloso, significa também que este amor protege, abençoa e disciplina seus filhos (Pv 3:12; Hb 12:6). Esta disciplina implica no ensino sobre como se relacionar com Ele e também com o próximo. Aqui podemos pensar sobre como poderíamos nos relacionar com o Pai: imagine um relacionamento entre um Pai e seu filho sem a leveza do senso de humor? Talvez seria um relacionamento técnico, frio ou até mesmo baseado em regras e ordenanças, desprovido de afeto e intimidade.
Pelo que aprendemos com o Evangelho, Deus habita em seus filhos, isto é, o Espirito Santo promove uma experiência transcendente unindo o seu Espírito ao nosso gerando uma transformação que nos adequa aos poucos ao seu caráter. Se essa experiência extremamente íntima não suporta a leveza de uma risada, uma sacada sagaz ou uma gargalhada a partir de uma experiência íntima, sinceramente não sei como poderia ser. Imagine se lembrar de uma situação onde se tem convicção de que passou por determinada experiência e depois de tudo, ter a certeza de que Deus não apenas sabia mas esteva ali com você poderia talvez levar a um sorriso e até mesmo a um pensamento espontâneo e bem humorado como: “Ah Pai, o Senhor estava ali o tempo todo, sabia de tudo, hein?! (risos)”.
Esta liberdade que temos com o Pai, não deve ser confundida com sacrilégio ou escárnio. E este é um ponto de tensão. Para evitar relativizações e debates desnecessário sobre o que seria liberdade no relacionamento com o Senhor, recorro a alguns textos bíblicos para amparar minha reflexão. Paulo em Romanos 1:21 nos alerta sobre o pecado de não reconhecer a Deus como tal. Isto significa que a natureza humana corrompida possibilita ao homem negar a Deus a glória que lhe é devida. Portanto, não se pode, em nenhuma hipótese, conceber nenhum tipo de movimento ou ação, por mais que seja engraçado ou com o intuito de “fazer graça”, que desvie a glória que é devida a Deus para qualquer outra coisa.
O mesmo autor bíblico nos ensina em Gálatas 6:7 que há uma lógica universal imposta por Deus: A lei da semeadura. Tudo o que os homens cultivarem, especialmente em sua relação com Deus, lhe será dado/cobrado. Assim, aprendemos que a forma como nos relacionamos com Deus refletirá em nossa vida. O próprio Senhor nos ensina em Mateus 12:31: “Por esse motivo eu digo a vocês: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada.”
Seria possível blasfemar contra o Espirito Santo numa piada? Sim! Existem muitas definições sobre o que seria este pecado, contudo, a interpretação que nos parece mais correta seria a apostasia, que poderia significar abandonar a doutrina acerca de Cristo, e seguir o ensinamento dos falsos mestres ou falsas religiões.
Trata-se, portanto, de um pecado similar ao pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo, cometido pelos fariseus, quando chamaram deliberadamente Jesus de endemoninhado quando estava claro que Ele agia pelo poder do Espírito. Portanto, sim, é bem possível cometer esse tipo de pecado mortal numa simples piada.
Não tenho a pretensão de esgotar este assunto por aqui, mas penso ter contribuído para a reflexão do tema. Quanto mais nos aproximamos de Deus e o conhecemos nós somos transformados à sua vontade. Se alguém fizer uma piada sobre a sua fé mas que se valendo de bom senso não o ofendendo, dê uma boa risada e aproveite para anunciar o Evangelho a esta pessoa com amor e inteligência. Mas se alguém lhe insultar com uma piada, diga a esta pessoa que você não gostou e que gostaria de que aquilo não fosse repetido. Aquele que conhece a seu Pai, conhece a liberdade e os limites que ele lhe concede. Aquele que conhece a Deus, é instruído por Ele em tudo inclusive sobre como utilizar o senso de humor de forma adequada.
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