opinião
Dois dias com Russell Shedd: um marco em minha vida
Precisamos acreditar que ainda existem verdadeiros homens de Deus nessa Terra
Esse ensaio tem como objetivo narrar as maravilhosas experiências que tive com o Pr. Russell Shedd, verdadeiro homem de Deus, referência de arauto e notável gigante da sã doutrina cristã no Brasil.
Embora a admiração pelo Dr. Shedd[1] seja de longa data, tive o prazer conhecê-lo pessoalmente apenas em abril de 2016. Mas antes de narrar a verdadeira odisseia que foram os dois dias que passei com ele, quero tecer alguns comentários prévios.
A primeira vez que ouvi falar no nome do Pr. Shedd foi há cerca de uns 9 anos. Eu tinha acabado de me converter, devia ter mais ou menos um ano de convertido. A minha Bíblia, guardada até hoje, estava bem velhinha e com a capa solta. Então, certo dia, durante o Culto de domingo à noite, vi uma Bíblia com o nome SHEDD na capa. Confesso que não tinha a menor ideia do que significava aquele nome. Também não sabia o que era uma Bíblia de Estudo (novo convertido é assim!).
Ao ver aquela Bíblia, fiquei bastante curioso quanto ao que seria uma Bíblia Shedd. Como eu estava mesmo precisando comprar um Bíblia nova, visto que já pregava em alguns Cultos (isso mesmo, já pregava com um ano de convertido, pela graça de Deus), então comprei uma Bíblia Shedd, até por que eu não tinha outras referências em mente, a não ser aquela misteriosa Bíblia que eu havia visto em cima da cadeira branca do Culto de domingo à noite.
Confesso que fiquei deslumbrado com a nova Bíblia adquirida. Afinal, como todo novo convertido que se preze, eu tinha infinitas dúvidas quanto à nova fé, então vivida há pouco tempo.
Vejo, nessa jornada para comprar uma Bíblia nova, o verdadeiro cuidado de Deus comigo, afinal, é bem sabido que dependendo da Bíblia de estudo comprada, muitas verdades quanto à ortodoxia cristã são relativizadas e até deturpadas. Mas assim não foi com a minha Bíblia Shedd. Hoje, graduado em Teologia, glorifico a Deus por reconhecer o Seu cuidado em direcionar a mim um material de pesquisa que retrata os pilares da fé sem relativizações ou liberalismos.
É até redundante dizer que me tornei discípulo do Pr. Shedd, afinal, muitas de minhas dúvidas foram sanadas pelos seus comentários. Obviamente, pesquisei mais sobre a vida e obra do Pr. Shedd, o qual passou a ser uma referência de conhecimento teológico para mim. Sim, eu já amava a Teologia desde o início de minha conversão, a ponto de querer iniciar o Seminário antes mesmo de ser batizado. Glória a Deus que o Pastor somente autorizou minha ida ao Seminário após o meu batismo. Ao pesquisar a vida do Pr. Shedd fiquei maravilhado. Suas pregações ouvidas no youtube eram verdadeiros mananciais celestiais.
Os anos se passaram e, depois de formado, comecei a dar aula sobre a Epístola aos Romanos na Escola Bíblica Dominical – EBD de minha Igreja[2]. Nesse ínterim, várias foram as boas referências que tive daqueles que tiveram o prazer de conhecer pessoalmente o Pr. Shedd. O exemplo mais próximo foi do meu Pastor: Pr. Wesley, o qual também foi meu professor no Seminário Teológico. O Pr. Wesley me narrou que quando tinha cerca de 14 anos teve a oportunidade de conhecer o Pr. Shedd pessoalmente.
Na ocasião, ele criou coragem e decidiu fazer um questionamento teológico ao gigante que estava à sua frente. Com todo ímpeto da juventude (assim conta ele), questionou determinado posicionamento do Pr. Shedd com afinco, determinação e coragem. Conta o Pr. Wesley que a atitude do sábio mestre Shedd foi ainda mais surpreendente. Deixando o que estava fazendo de lado, deu toda atenção àquele adolescente cheio de questionamentos e, abrindo seu Novo Testamento em grego, passou a discorrer com toda paciência presenteando aquele garoto com uma das maiores lições de humildade: a de quem tem o prazer de compartilhar a Palavra de Deus independente da influência econômica ou teológica de quem o ouve.
Pois bem. Nossa Igreja estava com um projeto de implantação de discipulado por meio de Pequenos Grupos. De repente, veio-me a ideia de procurar o contato do Pr. Shedd para que ele falasse sobre discipulado em nossa novel Igreja (tínhamos apenas 3 anos), embora não acreditasse muito que seria possível tal façanha (muito pelos péssimos exemplos que vimos em nosso meio, em que há muitas celebridades e poucos servos, dentre as quais as primeiras perguntas são: quantos membros sua Igreja tem? Quanto tempo tem a Igreja?).
Entrei em contato por meio da Ouvidoria da Shedd Publicações e, para minha surpresa, deram-me o telefone fixo da casa do Pr. Shedd.
Bem animado, resolvi ligar e fazer o convite para que o Pr. Shedd nos abençoasse com um seminário sobre Discipulado na Vida Cristã (a ligação ocorreu em meados de dezembro de 2015). Meio nervoso, disquei o número que me tinha sido fornecido; do outro lado da linha, atende o próprio Pr. Shedd. Homem de fala mansa, cuja humildade frente ao tamanho de sua estatura como servo de Deus me inspiraram.
O mais incrível foi que o único mês do ano em que o Pr. Shedd repousava em casa era justamente o mês de dezembro que, segundo suas próprias palavras: “tiro o mês de dezembro para ficar com a família”. É que a agenda do Pr. Shedd era tão intensa que ele passava praticamente o ano todo viajando. Além disso, creiam, o Pr. Shedd não possuía, por opção própria, telefone celular, ou seja, ou se dava a sorte de ligar em dezembro ou seria muito difícil ter sucesso ao tentar encontrá-lo em casa.
Após me apresentar, fiz a ele o convite já narrado acima. Depois de algumas tentativas de encaixes em sua agenda, conseguimos que ele agendasse dois dias para estar conosco, uma sexta-feira e um sábado (dias 01 e 02 de abril de 2016). Meu coração pulsava de alegria; poderia, enfim, conhecer aquele homem de Deus que tanto admirava; não sabia eu que a admiração só recrudesceria com a experiência que seria vivida nesses dois dias de abril de 2016.
Durante esta conversa, por já estar meio que acostumado com a mercantilização gospel tão comum em nosso meio, perguntei a ele: “Pastor, quando custa pro senhor vir?”. Foi então que ele me deu mais uma lição para a vida toda. Ele disse: “Eu não cobro nada. Se for possível, a minha estadia e transporte, estaria ótimo.” Meu Deus! Naquele dia eu confirmei que ainda há exemplos a serem seguidos! Estadia e transporte eram, no mínimo, nossa obrigação em fornecê-lo, mas o “se possível” foi como um estrondo que me deixou meio atordoado, afinal, nem isso ele exigira!
Eu o agradeci com o coração cheio de alegria! Preparamos tudo e, então, chegou o dia tão esperado!
Fiquei responsável por acompanhá-lo em todos os seus deslocamentos. No dia 01/04, logo pela manhã, fui buscá-lo no Aeroporto Internacional de Brasília. Um senhor alto, já com mais de 80 anos, de semblante sereno, cujos olhos brilhavam todas as vezes em que citava o nome de Jesus!
Levei-o até o hotel para que descansasse da viagem e marquei o horário de buscá-lo para o 1º dia de nosso Seminário sobre Discipulado na Vida Cristã; era sexta-feira, 01/04/2016.
Não preciso nem dizer a grandeza do que nos foi ensinado naqueles dois dias. Verdadeiro bálsamo dos Céus! A Igreja foi animada e quebrantada pelo Espírito Santo de Deus quanto à necessidade de cuidar do próximo.
Quero retratar, de forma bem resumida, alguns pontos desses dois dias que realmente me marcaram!
O primeiro ponto que me chamou atenção foi que o Pr. Shedd não fez nenhuma exigência sequer para estar conosco! Nada! Absolutamente nada!!! Por óbvio, o tratamos da melhor forma possível; não lhe faltou nada, mas o mais impressionante é que nenhuma condição ele pôs para estar conosco!
Eu aproveitava os almoços e jantares que fazia com ele para tirar minhas incontáveis dúvidas teológicas. Era pra mim um verdadeiro presente de Deus! Lembro que depois de jantarmos no 1º dia, ao nos levantarmos para irmos embora, ele pegou a bolsa na qual guardávamos as coisas da minha neném (minha filha tinha 1 ano à época) para ajudar minha esposa com o peso. Eu respondi: “não Pastor, não precisa, está pesada”; ele então sorriu e disse: “pode deixar que eu levo”.
Pode parecer uma coisa simples, mas para mim mostrou o coração servil de um verdadeiro homem de Deus que, inobstante sua estatura, sempre se preocupava mais em servir do que ser servido, e deve ser exatamente isso que fazia dele um gigante!
Outro ponto que me marcou nessa experiência foi o fato relacionado à oferta que a Igreja o daria. Ao conversar sobre esse ponto com o Pr. Presidente de nossa Igreja, ele informou que faria uma oferta de R$ 2.000,00, embora o Pr. Shedd não tivesse pedido absolutamente nada! Nossa Igreja tem por costume ofertar na vida daqueles que lá estão conosco.
Pois bem. No ímpeto do senso de justiça que sempre me acometera (tenho aprendido com o Espírito Santo que a justiça deve ser a de Deus, não a minha), fiquei meio decepcionado/indignado pelo valor da oferta disponibilizada pela Igreja, mormente pelo fato de que muitos cobram valores bem maiores (tente levar um Pastor conhecido ou um cantor gospel à sua Igreja e entenderás o que estou falando!) que as Igrejas acabam pagando e, dado que o Pr. Shedd sequer tinha cobrado nada, eu pensava que o valor deveria ser maior, afinal, devemos honrar aqueles que merecem honra!
Fui reclamar com o Pastor sobre, na minha opinião, o baixo valor da oferta (graças a Deus, nossa Igreja sempre foi financeiramente abençoada). Para minha completa perplexidade, a resposta do Pastor Presidente da minha Igreja foi como um soco no estômago. Ele disse: “Hélio, o Pr. Shedd não quis receber nem esses R$ 2.000,00; ele disse que era muito e que não estava precisando desse dinheiro. Ele só recebeu depois que nós insistimos!”
Aquela resposta me chocou! Acostumado com a mercantilização gospel vista por todo lado (embora não concordasse com muito do que via), pude ver que sim, havia sim exemplos de servos de Deus que não se vendem nem fazem do Evangelho um negócio, mas uma essência de vida!
Para não deixar esse texto demasiadamente longo, vou compartilhar apenas mais uma experiência que marcou as profundezas da minha alma. Depois dos dias do Seminário, foi deixar o Pr. Shedd no aeroporto (no dia 03/04/2016), para que ele pegasse o voo de volta para São Paulo.
No aeroporto, ainda sem achar justo o valor por ele recebido, além do fato de também querer abençoá-lo, máxime por não ter ele feito nenhuma exigência, resolvi fazer um saque de R$ 500,00 a título de oferta pessoal a ele.
Para minha surpresa, ao lhe oferecer os valores que correspondiam à minha oferta pessoal, ele simplesmente se recusou em receber! Disse que já tinha recebido dinheiro demais e que não estava precisando de mais! Eu, então, insisti e disse que também queria lhe fazer uma oferta e que aquilo era muito importante para mim.
O Pr. Shedd deu um suave sorriso e, com o rosto sereno, disse: “Eu aceito, com uma condição”. Eu disse: “Qual?”. Ele respondeu: “Eu aceito com a condição de que doarei esse dinheiro a um missionário que esteja precisando”. Eu concordei e disse que ele poderia dar o destino que melhor lhe parecesse, já que me alegrava pelo fato de ele ter recebido.
Mais uma lição eu recebi naquele dia! O Pr. Shedd sempre foi um homem apaixonado por missões (o que me influenciou a fazer uma viagem missionária para conhecer a Igreja Perseguida fora do Brasil). Com os olhos marejados e o coração cheio de emoção é que escrevo este texto ao lembrar de quantos preciosos ensinamentos eu recebi em apenas 2 dias!
Por fim, levei ao aeroporto alguns livros para ele autografar antes de voltar para São Paulo. Em um dos livros (Justiça Social), ele, na dedicatória, escreveu: “Ao Pr. Hélio”. Eu, meio envergonhado, respondi: “Pastor Shedd, eu não sou Pastor”. Ele me fitou dentro dos olhos e disse: “A partir de agora, é!”. Fiquei meio trêmulo e impactado; não conseguia entender aquela declaração!
Não falo isso por vanglória, nem tampouco me apresento nem nunca me apresentei como Pastor. O que não posso desprezar é que aquela declaração produziu algo no mundo espiritual e que verdadeiramente me senti honrado por aquele encontro; senti meu Pai no Céu me presenteando com algo espiritual!
Quem me conhece sabe que nunca, absolutamente nunca, pedi qualquer cargo na Igreja. Eu creio que as coisas acontecem no tempo de Deus e que Ele, ao meu ver, por seu infinito amor, me presenteou com aquela declaração saída dos lábios daquele homem de Deus a quem eu tanto admirava!
Depois descobri que o Pr. Shedd já estava com câncer na próstata quando nos visitou. Aquele homem com mais de 80 anos de idade, sofrendo pelas dores do câncer, nunca reclamou; ao contrário, um sorriso sincero sempre lhe inundou o rosto toda vez que o nome de Jesus lhe ecoava da alma, fazendo com que seus olhos cheios de paz denunciassem o pulsar do Espírito Santo em seu espírito!
Muito mais eu teria a dizer! Todavia, quero finalizar dizendo que precisamos acreditar que ainda existem verdadeiros homens de Deus nessa Terra. Que ainda existem exemplos corretos a serem seguidos!
Naquele mesmo ano (26 de novembro de 2016), o Pr. Shedd, que sempre será um exemplo para mim, foi transferido do mundo dos mortos para o mundo dos vivos! Estava no trabalho no dia em que recebi a notícia. Fui para o estacionamento e, então, chorei… Fico imaginando a sua alegria ao poder dar um abraço no Senhor Jesus, a quem ele tanto amava!
Eu glorifico a Deus pelo presente de ter podido passar dois dias com aquele homem cujo coração estava completamente mergulhado em um profundo amor pelo nosso Senhor Jesus!
Que eu e você também possamos, um dia, chegar àquele nível de intimidade e submissão ao nosso Senhor Jesus!
Deus te abençoe!
[1] O Dr. Shedd era PHD em Teologia do Novo Testamento, pela Universidade de Edimburgo, na Escócia.
[2] Igreja Batista Cristã de Brasília.
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