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opinião

Intolerância religiosa

Intolerância religiosa é uma ideia, uma atitude ofensiva, uma ação de desrespeito às crenças e religiões.

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Igreja incendiada no Chile (Foto: Reprodução/YouTube)

Todos os fiéis, de todas as religiões, sofrem intolerância. É verdade que umas sofrem mais do que outras, mas ninguém escapa do problema. O teólogo e filósofo suíço Hans Kung afirmou que “só haverá paz no mundo se houver paz entre as religiões”. Essa frase é verdadeira. A vivência social com tranquilidade, o bom relacionamento entre as pessoas passa pelo respeito à religião do outro. O oposto disso causa conflito.

Tolerar é aceitar, consentir, não impedir. É aceitar mesmo sem concordar. É respeitar a fé alheia, ter paciência, permitir que o outro exerça a sua crença. Entendido o que é tolerar, fica mais fácil dizer que intolerância é o oposto. Intolerância religiosa é uma ideia, uma atitude ofensiva, uma ação de desrespeito às crenças e religiões e às pessoas que as praticam.

Como acontece o problema? A intolerância se manifesta por meio da perseguição, agressão física ou verbal, destruição de objeto e de local de culto, discriminação, atos contra a vida, preconceito em entrevista de emprego ou discurso preconceituoso. Intolerância religiosa é um crime de ódio que desrespeita a liberdade das pessoas.

De todas as maneiras como a intolerância se manifesta socialmente, é bom destacar a discriminação. Geralmente, quando se discrimina uma pessoa por causa de sua fé, pode-se cometer a difamação (atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação, honra). Também é comum exercer a intolerância pelo racismo ou  pela comédia com piadas de humor que reforçam a discriminação. As piadas parecem inocentes, mas servem de canal de zombaria à fé alheia.

Exemplos não faltam. Os praticantes de religiões afrodescendentes são frequentemente chamados de macumbeiros. Isso é ofensivo e desrespeitoso. Os evangélicos também são alvos. É comum a imagem negativa pela qual os evangélicos são retratados nos meios de comunicação de massa. As piadas nas novelas não são raras. Os piores personagens (aqueles falsos, desonestos, incultos, enganadores, ladrões) são evangélicos. Os traços de preconceito também são representados no esteriótipo com personagens que usam roupa fora da moda, corte do cabelo ultrapassado e são mostrados com a Bíblia sempre nas mãos. Muitas pessoas dizem que devemos dar às novelas  e aos filmes o desconto por serem peças culturais, nas quais os autores têm liberdade de expressão. Entendo a liberdade.  Mas por que somente os protestantes são retratados de forma negativa e estereotipada? Ou alguém já viu um líder de alguma outra religião sendo retratado como enganadores como os pastores são? Os pastores não escapam. São taxados de ladrões. É comum os líderes protestantes serem retratados, em filmes e novelas, como aqueles que roubam dinheiro dos fiéis. As pessoas se esquecem que todas as instituições religiosas recebem dinheiro e são sustentadas por fiéis ou simpatizantes. Mas só os pastores são publicamente criticados. Um claro exemplo de preconceito que é reforçado pela mídia.

A legislação

Pouco se fala sobre o assunto, mas a religião é um direito humano assim como a saúde, a alimentação, a moradia, o trabalho e a educação. Sendo um direito, é garantido pela legislação brasileira e internacional. A intolerância religiosa é crime. A Constituição e o Código Penal tratam sobre assuntos religiosos.

A Constituição Federal, artigo 5, incisos VI, VII e VIII, diz que os brasileiros e estrangeiros residentes têm a inviolabilidade do direito à liberdade de consciência e de crença. Todos têm direito a realizar culto religioso. Os locais de culto e as liturgias são protegidos. Está assegurada a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. E o Estado não pode privar a pessoa de seus direitos por motivo de crença religiosa, convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

E qual diferença entre liberdade de consciência e de crença? Ambas não são sinônimas. A liberdade de consciência é a pessoa poder orientar-se tanto no sentido de não admitir crença alguma (o que ocorre com os ateus e os agnósticos, por exemplo), quanto também pode resultar na adesão a determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião (como se verifica em alguns movimentos pacifistas que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa). A liberdade de crença é o direito de escolha da religião e de mudar de religião.

Já o artigo 19, inciso I, diz que a “União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não podem estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”. Mas faz a ressalva, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

O Código Penal Brasileiro, artigo 208, trata sobre os crimes contra os sentimentos religiosos. Diz que “é crime escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir, perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar (considerar como vil, mesquinho ou desprezível) publicamente ato ou objeto de culto religioso. A pena é de detenção de um mês a um ano ou multa. Se houver violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”.

A lei Nº 7.716/89 (alterada pela lei Nº 9.459/97), artigos 1 e 20, diz que é crime praticar discriminação ou preconceito contra qualquer religião. Ou seja, uma pessoa não pode ser discriminada por causa de seu credo religioso. A pena para o crime de discriminação religiosa é reclusão de um a três anos e multa. Esse crime de discriminação religiosa é inafiançável e imprescritível. Trocando essas informações em miúdos, significa que o acusado não pode pagar fiança para responder ao crime em liberdade e também que pode ser punido em qualquer tempo.

A injúria religiosa também é crime. Essa lei 9.459/97 diz que o artigo 140 do Código Penal deve receber (ser acrescentado) o seguinte texto: “se a injúria consiste na utilização de elementos a raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena é reclusão de um a três anos e multa”.

Não só em âmbito nacional existem direitos. Internacionalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 1948 (ou seja, que completa agora 72 anos), também traz garantias às pessoas. O artigo 2 diz que todos têm direito à liberdade religiosa. Os artigos 10 e 11 dizem sobre a liberdade de consciência e de culto. E vincula-se à ideia de que o Estado dessolidariza-se das atividades religiosas. Já o artigo 18 comenta sobre o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião, de manifestar a crença sozinho ou em grupo, tanto em público como em privado.

A Carta da Terra, da qual o Brasil é signatário juntamente com outros 45 países, defende a cultura da tolerância. Assinada pela Unesco, em Paris, no dia 14 de março de 2000, o texto diz que é preciso estimular e apoiar os entendimentos mútuos, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas.

Laicidade

Todas as garantias religiosas estão dentro da ideia de um Estado laico. A palavra vem do latim laicus que é o que ou quem não pertence ao clero ou não fez voto religioso. É o leigo, secular. É o Estado brasileiro não sofrer influência ou controle da igreja. É ser neutro. A Constituição diz que o Brasil é laico. Essa neutralidade (ou a busca dela) é importante para garantir a todos o direito à religião, sem privilégio de um grupo específico. Existem três princípios da laicidade: separação do Estado, livre consciência e igualdade. Diante do direito à prática de uma fé, a liberdade religiosa engloba três tipos diferentes de liberdade: a de crença, a de culto e a de organização religiosa.

Crítica ao termo

Em vários debates inter-religiosos fica claro que inúmeros líderes discordam do uso da palavra intolerância. Dizem que ninguém tem que suportar ninguém, que as várias vertentes religiosas têm que ser respeitadas em um Brasil múltiplo racial e religioso porque a legislação brasileira assegura o direito à prática religiosa. Os líderes religiosos afirmam que a boa convivência religiosa é uma questão de civilidade, de cumprimento das leis. Não é uma questão de uma pessoa permitir que o outro exerça a sua fé e também não é suportar a prática religiosa diferente. Seja como for, aceitando ou não o uso da palavra intolerância, é com esse termo que o assunto é debatido no país. Por isso, o termo foi mantido neste artigo.

Uma data para lembrar

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa e o Dia Mundial da Religião são celebrados em 21 de janeiro. Já o Dia Internacional da Tolerância, instituído pela ONU, é celebrado em 16 de novembro.

Vamos explicar a celebração do dia 21 de janeiro. Essa data foi criada por meio da Lei 11.635, em 27 de dezembro de 2007, para homenagear a Mãe Gilda, do terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador. A líder religiosa morreu dia 21 de janeiro de 2000, vítima de um infarto. O que está por trás dessa morte foi o crime de intolerância religiosa. Mãe Gilda sofreu agressões físicas e verbais. Foi acusada de charlatanismo e teve ataques à sua casa e ao terreiro. Por isso, ela tornou-se símbolo de combate à intolerância religiosa no Brasil.

A Bíblia e a intolerância

Observe o texto de João 19:15-16. Responda à pergunta: baseado em qual discurso os judeus buscaram a condenação de Jesus? Era época de Páscoa. O povo pediu a Pilatos a crucificação do Mestre. Disseram que não tinham outro rei senão o imperador César. Diante desse discurso, Pilatos mandou Jesus ser crucificado. A cena de intolerância do povo foi clara.

A morte de Estevão também está registrada em Atos 7: 51-58. Foi apedrejado. Inclusive com a presença e consentimento do apóstolo Paulo, enquanto ainda era um judeu, fariseu e perseguidor da igreja cristã. Aliás, temos em Paulo, antes de sua conversão ao cristianismo, a marca da perseguição e da intolerância. Em Atos 9:1-2 ele pede cartas para as sinagogas de Damasco para que pudesse levar cristãos à prisão em Jerusalém caso os encontrassem. O pedido foi consentido pelo sumo sacerdote.

Depois que se converteu a Cristo, o próprio Paulo tornou-se vítima de perseguição, que é um tipo de intolerância. Atos 21: 31-36 comenta sobre o ocorrido. O povo se voltou contra Paulo de modo violento. Inclusive defendeu a morte do apóstolo (Atos 22: 22-23). Ele sofreu violência física e foi preso. Quiseram matá-lo. O povo pedia a morte dele. A narrativa é clara em mostrar que o povo condenou e pediu a morte de Paulo que havia deixado o judaísmo e se convertido ao cristianismo. Na verdade, o termo intolerância religiosa não era usado naquela época, diante daquele contexto histórico, com a cosmovisão daquela cultura. O termo intolerância não é usado na Bíblia. Mas o fato é notório. Foi por discordar das ideias de apóstolo que o povo judeu praticou violência. Mesmo não tendo essa palavra citada no texto, a ação é de intolerância à fé paulina.

A Bíblia comenta que haveria perseguição, violência e intolerância no mundo. Diz que são bem- aventuradas, ou seja, felizes, as pessoas que sofrerem por causa de Cristo, pois receberão grande galardão. Na verdade, a Bíblia não defende a violência e a intolerância. Defende, sim, o amor, o respeito e a consideração entre as pessoas. Diz que cada pessoa deve amar seu semelhante (inclusive o seu inimigo) e considerar os outros superiores e si mesmo (Filipenses 2:3).

Como denunciar

Os crimes de intolerância religiosa podem denunciados pelo Disque 100 ou nas delegacias da Polícia Civil (de forma presencial ou pela internet).

Jornalista, teóloga e professora. É doutoranda em Teologia pela Escola Superior de Teologia, no Rio Grande do Sul. Tem mestrado em Teologia pela Escola Superior de Teologia. Pós-graduação em MBA Gestão da Comunicação nas Organizações pela Universidade Católica de Brasília. Bacharelado em Comunicação Social, Jornalismo, pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília. Licenciatura plena em História pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília. Bacharelado em Teologia pela Faculdade Evangélica de Brasília

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