estudos bíblicos
O exílio de Davi
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 8 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.
III. Morrendo por Davi
1. A inconsistência de Saul
Quando Saul toma conhecimento de que Davi retornou de Moabe para o território de Judá, reúne seus servos para se queixar a eles de que ninguém ainda tenha entregue o filho de Jessé em suas mãos. Não sabia Saul que na verdade era Deus quem estava escondendo a Davi, quebrando os laços e livrando-o de seu perseguidor. E a quem Deus esconde, nem o diabo encontra!
Saul estava tão perturbado mentalmente que chegou a cogitar que Davi estava contra ele, bem como seu próprio filho Jônatas e ainda seus servos que não conseguiam capturar Davi. Não tinha ninguém perseguindo Saul, mas ele julgava-se o perseguido da história. Bem diz o livro de Provérbios: “Os ímpios fogem sem que haja ninguém a persegui-los” (Pv 28.1).
Saul então se queixa: “nenhum dentre vós há que se doa por mim…” (1Sm 22.8). De fato, Saul podia ser rei, ter o governo e a autoridade em suas mãos, mas não tinha a estima do povo, nem mesmo o afeto de seus servos! São muito bem colocadas as palavras do comentarista da Lição, Osiel Gomes, e que nos trazem uma observação prática ao nosso estudo:
“Só os líderes inseguros fazem cobranças exageradas, dão presentes em troca de lealdade, se inquietam com os que podem ‘representar risco’ à sua posição. Quando os líderes são verdadeiramente chamados por Deus é maravilhoso que as pessoas os honrem e os considerem como homens de Deus”.[4]
2. O preço de proteger Davi
Chamado por Saul para dar explicações do porquê ter oferecido ajuda a Davi, o sacerdote Aimeleque, de fato inocente em toda situação, justifica-se dizendo ter acreditado que Davi estava em missão oficial delegada pelo rei e que de modo algum teria agido com dolo contra Saul (1Sm 22.11ss).
Não podemos colocar panos quentes aqui: Davi de fato mentiu e levou o sacerdote ao engano, quando lhe disse outrora: “O rei deu-me uma ordem e me disse: ninguém saiba por que te envio e de que te incumbo…” (1Sm 21.2). Davi estava fugindo de Saul, tomando destino ignorado pelo rei, e não em uma missão oficial! Não mediu as consequências de suas ações, então amargará a notícia de que Saul mandou matar a Aimeleque, outros 84 sacerdotes do Senhor e ainda a todas as pessoas (homens, mulheres e crianças), além de animais que existiam em Nobe.
É óbvio que a mentira de Davi não justifica a loucura de Saul e seu ímpeto assassino, porém não é sem razão que Davi lamenta ao único sacerdote que escapou, Abiatar: “Fui a causa da morte de todas as pessoas da casa de teu pai” (1Sm 22.22). A mentira é sempre reprovada e desaconselhada no Novo Testamento, como se vê nesses dois versículos: “Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos” (Cl 3.9); “Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros” (Ef 4.25). O primeiro texto mostra como a mentira é própria do velho homem não regenerado, ao passo que o segundo texto mostra como nossas palavras podem repercutir sobre nossos irmãos, visto que somos membros uns dos outros. Ou seja, nossa mentira pode trazer danos aos outros membros do mesmo corpo. Davi sentiu isso; sentiu como sua mentira, que lhe deu certa segurança a princípio, redundou em mal ao sacerdote que confiara nele.
Ainda que se possa argumentar que soberanamente Deus administrou a mentira de Davi e o ódio de Saul para impor destruição à casa sacerdotal de Eli, como havia predito muito anteriormente por boca de um profeta anônimo (o que já foi matéria de estudo em Lições passadas), a culpa de cada um é mantida de pé, pois a soberania divina não anula a responsabilidade humana. Davi era culpado de sua mentira e Saul era culpado de sua crueldade desmedida!
Entretanto, é fato que somente no coração de Saul encontramos o intento de fazer mal deliberado contra alguém. Davi mentiu para livrar a sua pele (na verdade, nem o mal de Saul era buscado por Davi, que oportunidades teve para executar o rei perseguidor), mas Saul mandou matar os sacerdotes e suas famílias para vingar-se e satisfazer sua sede injustificável por sangue. Saul ignorou que estava devastando os sacerdotes e deixando “deserta” a casa do Senhor. Não era débil mental, mas agiu como um insano!
3. A sina de Doegue
Doegue é apresentado em 1Samuel 21.7 como um gentio edomita que se encontrava “detido perante o SENHOR”, provavelmente como um prosélito convertido ao judaísmo, sob clausura “em função de algum voto, ou pela necessidade de purificação, ou ainda, por suspeitar-se de que era leproso”, comenta Charles Ryre[5].
Entretanto, apesar dessa referência religiosa e aparentemente piedosa de Doegue, sua verdadeira face é revelada em 1Samuel 22.9-19, quando não só informa a atual posição de Davi em Nobe, como ainda entrega o sacerdote Aimeleque a Saul e, em seguida, faz passar ao fio da espada 85 sacerdotes do Senhor e toda a cidade de Nobe. Como disse MacDonald, Doegue era um “‘cão’ gentio, no verdadeiro sentido da palavra”[6].
O perverso servo Doegue, que certamente buscava alguma recompensa do rei, se assemelhava ao seu senhor Saul, inescrupuloso, irreverente e homicida! Entretanto, nas palavras de Jesus, “mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem” (Jo 19.11). Saul tinha a maior culpa, porque foi sob seu governo, sob sua vontade e sob sua ordem expressa que os sacerdotes foram eliminados.
A perversidade de Saul, que usou e abusou da sua autoridade real para assassinar os sacerdotes, é comentada com muita propriedade pelo historiador judeu Flávio Josefo, na longa citação que transcrevemos abaixo:
“Essa detestável ação de Saul, que pela mais horrível das impiedades não receou derramar o sangue de toda a casta sacerdotal, sem mesmo poupar os velhos e as crianças, nem temeu reduzir a cinzas uma cidade que o próprio Deus escolhera para ser a moradia de seus sacerdotes e profetas, demonstra até onde pode chegar a corrupção do espírito humano. Enquanto a mediocridade de sua condição os impede de fazer o mal a que a sua inclinação os leva, parecem mansos e moderados, mostram amor pela justiça e pela piedade e estão convencidos de que Deus, que está presente em toda parte, vê todas as suas ações e penetra todos os seus pensamentos. Mas quando se veem elevados pela autoridade e poder, mostram que não tinham no coração aqueles sentimentos e, tal como os atores, que depois de trocar as vestes apresentam-se no palco para representar um papel qualquer ou outro personagem, eles aparecem em seu natural. Tornam-se audaciosos e insolentes, desprezando a Deus e fazendo pouco caso dos homens. Dessa forma, embora a grandeza de sua posição, que expõe até as menores de suas ações à vista de todos, os devesse fazer agir de maneira irrepreensível, eles julgam que o próprio Deus mantém os olhos fechados ou os teme, e passam a desejar que Ele aprove e que os homens achem justo tudo que o seu temor, o seu ódio e a sua imprudência lhes inspiram, sem preocupação com as consequências. De modo que, depois recompensar com muitas honras os grandes serviços, não se contentam em privar delas, por meio de falsas denúncias e calúnias, aqueles que os prestaram e que as tinham tão justamente merecido. Tiram-lhes até mesmo a vida. E agem assim não no uso legítimo de seu poder, como na punição dos culpados, mas com ações de injustiça e de crueldade, oprimindo inocentes, os quais, sendo-lhes inferiores, não se podem livrar de suas violências. Saul, como acabamos de ver, é disso um nítido exemplo”.[7]
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