estudos bíblicos
O que é livre-arbítrio?
Estudo bíblico sobre o livre-arbítrio nas visões pelagiana, arminiana e calvinista.
Livre-arbítrio 1 (conceito geral)
Imediatamente vem a ideia a mente de “poder decidir livremente” sobre determinado assunto, coisa, evento, sentimento, de maneira isenta, livre de causação externa ou interna ou de forças extrínsecas a nós mesmos.
De outro modo, no senso comum, livre-arbítrio seria a capacidade de decidir de maneira totalmente isenta, sem levar em conta estado ou necessidade, capacidade e poder de decidir. Isto, ou algo próximo, é o que vem a nossa mente, quando ouvimos a expressão livre-arbítrio.
Segundo o Wikipedia, “Livre-arbítrio [é] a expressão usada para significar a vontade livre de escolha, as decisões livres.”
É importante notar, antes de qualquer análise, que a ideia central do livre-arbítrio é poder decidir por si mesmo, ter liberdade de decidir e ser responsável pela decisão (Rm 14.12).
Tomamos as mais diversas decisões durante um dia de nossas vidas, como a que horas vamos acordar, dormir, se tomaremos café, o que comeremos no café, a roupa que iremos vestir, o caminho que tomaremos para ir ao trabalho e tantas outras decisões são tomadas em um único dia. (ex: Você livremente decidiu ler este artigo)
Livre-arbítrio 2 (conceito específico, aplicação bíblica)
É a “capacidade de escolha contrária”, de escolher em oposição. Mesmo em determinada situação somos capazes de nos decidir tomando como base o nosso próprio intelecto, sem desconsiderar as forças e causas interiores e exteriores, considerando ainda as nossas necessidades no momento.
Por exemplo, alguém lhe oferece uma comida muito ruim, que você realmente não gosta, o que lhe vem à mente é que a proposta será rejeitada, mas isto leva em conta seu estado momentâneo, neste instante, saciado, isto é, sem fome, mas em uma situação adversa ou de extrema necessidade, talvez a sua decisão “seria” comer a refeição indigesta, ou poderia ainda rejeitá-la, não sabemos.
O que queremos destacar é que o estado momentâneo de necessidade pode influenciar diretamente em sua decisão, assim como as influências internalizadas ao longo da vida, educação, convívio social, necessidades fisiológicas (fome, frio), estados emocionais, tudo isto pode determinar, ou pelo menos, influenciar as decisões.
A capacidade de escolha contrária é manifestada na Bíblia em versículos como:
“Digo, porém: Andai pelo Espírito, e não haveis de cumprir a cobiça da carne. Porque a carne luta contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes se opõem um ao outro, para que não façais o que quereis.” (Gl 5.16, Rm 6.12-13; Rm 8.1,4,12)
“Amados, exorto-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências da carne, as quais combatem contra a alma;” (I Pe 2.11)
Nestes textos fica claro a exigida negação de nós mesmos contrariando nossos sentidos, desejos e vontades, necessidades da carne em favor de um crescimento espiritual, um bem maior espiritual.
“E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim” (Mt 10.38)
“Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me; pois, quem quiser salvar a sua vida por amor de mim perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á.” (Mt 15.24-25)
Se analisarmos bem, o próprio convite/anúncio do evangelho é para negação de si mesmo, do eu, que nada mais é que uma escolha contrária a nossa natureza carnal, a lei dos nossos sentidos (Rm 7.18-23).
Mas e quanto à salvação individual, como fica o livre-arbítrio? O homem não está morto em delitos e pecados, como pode decidir? O homem pode escolher livremente a salvação?
Livre-arbítrio 1: capacidade de escolher livremente de forma isenta, em relação à salvação individual, estado espiritual e as coisas boas, boas obras de Deus.
Este conceito era o defendido por Pelágio e seus seguidores e combatido por Agostinho, em que o homem seria capaz de por si mesmo, por sua força ou inteligência, conhecer a Deus, encontrar a salvação, permanecer puro, sem pecar.
Que o “pecado original” de Adão trazia consequências apenas para ele mesmo e mais a frente de forma amenizada, que a corrupção não destituiu o homem totalmente de tal capacidade (semi-pelagianismo), mas havendo apenas uma propensão para o mal e não uma corrupção de sua natureza.
O homem não estaria totalmente morto, incapaz, para os pelagianos, não nasce morto espiritualmente, o pecado posterior é que o mata, separa, contudo, pode viver, livremente, com ou sem o auxílio da graça, sem pecar.
Algumas citações sobre Pelágio:
“Contudo, esta relutância não pôde impedir que Pelágio entrasse em cena, cuja profana invenção foi haver Adão pecado tão-somente para seu próprio dano, mas que aos descendentes nada afetou. Naturalmente, com esta artimanha de encobrir a enfermidade, Satanás tentou torná-la incurável.” (Calvino, Institutas 2, pg 20)
“…Pelágio ensinava que os seres humanos podem de fato, simplesmente, decidir obedecer a Deus o tempo todo e nunca pecar deliberada e dolosamente.” (Roger Olson, História da teologia cristã, pg 272)
“O mal não nasce conosco e somos procriados sem culpa” (Pelágio, livro “Do Livre-arbítrio”, citado por Olson em História da teologia cristã, pg 273)
“Eu disse de fato que um homem pode ficar isento do pecado e seguir os mandamentos de Deus, se assim desejar; essa capacidade, pois, lhe foi outorgada por Deus. No entanto, não declarei que existe um homem que nunca tenha pecado desde a infância até a velhice, mas que, ao ser convertido de seus pecados, pode permanecer isento do pecado por seus próprios esforços e pela Graça de Deus, embora, mesmo assim, seja capaz de mudar no futuro.” (Pelágio, Sínodo de Dióspolis, citado por Olson, Ibid, pg 274)
Por óbvio que tal aplicação não é possível, não há um homem que não tenha pecado, segundo as Escrituras, e mesmo regenerado que não cometa pecado.
Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda;Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis.Não há quem faça o bem, não há nem um só.Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; (Rm 3:10-12;23)
O homem nasce morto espiritualmente, separado de Deus:
“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram.” (Rm 5.12)
“Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado me concedeu minha mãe.” (Sl 51.5)
“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está… mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros.” (Rm 7.18 e 23)
“entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais.” (Ef 2.3)
“Portanto digo isto, e testifico no Senhor, para que não mais andeis como andam os gentios, na verdade da sua mente, entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração;” (Ef 4.17 e 18)
Muitos outros versículos poderiam ser citados para demonstrar o quanto o homem esta separado de Deus e de Sua vontade Santa.
Este conceito, de decidir livremente sem considerar estado ou necessidade e sem levar em conta forças externas é a ideia primeira do livre-arbítrio, e aqui tenho que admitir que nem mesmo para o cotidiano podemos considerar verdadeira, isto é, nos considerar totalmente livres para decidir, isto porque em nossas escolhas levamos em conta vários fatores, exemplo: você vai à praia com short de banho e camiseta, mas não vai ao seu trabalho assim, o meio determina no seu subconsciente a melhor opção para o momento, a decisão da roupa é livre, em certo ponto, mas não é livre das condições externas, do meio social.
O mesmo raciocínio podemos aplicar para as mais diversas respostas, como tom de voz que usamos, corte de cabelo, tudo determinado por idéias, normalmente externas a nós mesmos, “o homem é um ser social” (Aristóteles), até determinado ponto “produto do meio” (Karl Marx) e seu subconsciente age assim naturalmente, como se fosse de fato livre, mas na realidade ele expressa as condições, limitações impostas pelo contexto que vive.
Outro exemplo, você acredita que se tivesse nascido no continente Africano, em uma remota tribo, estaria vestindo roupas semelhantes as que usa agora mesmo? Então, como suas escolhas podem ser ditas livres de fatores ou agentes externos? Imagine tal conceito aplicado ao Criador.
Como podemos tomar decisões livres da influência de forças espirituais, estado emocional ou meio? Pelágio e seus seguidores estavam errados, com certeza.
Este conceito pelagiano de livre-arbítrio (errôneo conceito bíblico) da liberdade que Deus dá, concede aos homens, ou o que restou de possibilidade ao homem decaído, carente da graça de Deus (Rm 3.23), foi combatido ao longo da história por mentes de destaque no cenário teológico em suas respectivas épocas, como Agostinho, Lutero, Calvino e Jonathan Edwards, todos estes adeptos do Calvinismo (que creem na predestinação – como uma escolha de Deus de alguns indivíduos para serem salvos e rejeição dos demais, sem qualquer motivo conhecido).
Nas palavras de Calvino:
“Chamamos predestinação ao eterno decreto de Deus pelo qual ele determinou consigo mesmo aquilo que ele quis que ocorresse a cada ser humano. A vida eterna é preordenada para alguns e a perdição eterna para outros, falando deles como predestinados para a vida ou para a morte”. (Institutas, Edição Clássica, volume III, pg 388)
Para os réprobos, isto é, para os não escolhidos, seria “àqueles que Deus despreza ele reprova, e faz isso não por outra razão senão porque ele quer excluí-los da herança que Deus predestinou aos que escolheu por seus filhos. Qual é a causa do decreto da reprovação de Deus? É o soberano e bom prazer de Deus. Nenhuma outra causa pode ser aduzida senão à sua soberana vontade. Quando, portanto, alguém perguntar por que Deus fez assim, devemos responder: porque ele quis.” (citado em KLOOSTER, Fred H. A doutrina da predestinação em Calvino. p. 38).
Outra definição:
“Desde a eternidade, antes de vivermos, Deus decidiu salvar alguns membros da raça humana e deixar perecer o restante. Deus fez uma escolha – Ele escolheu alguns indivíduos para serem salvos em eternas bênçãos no céu, e outros Ele escolheu para deixar de fora, para permitir a eles que sigam as conseqüências de seus pecados em eterno tormento no inferno.” (R. C. Sproul, Eleitos de Deus, pg 14)
Este mesmo autor (calvinista), refletindo sobre o por quê de Deus ter escolhido apenas alguns, chega a seguinte conclusão, não muito diferente da conclusão de Calvino:
“A questão continua. Por que Deus somente salva alguns? Se nós admitimos que Deus pode salvar os homens violentando suas vontades, por que então Ele não violenta a vontade de todos e traz todos a salvação? (Estou usando aqui a palavra violentar não porque eu realmente pense que exista uma violentação errada, mas porque os não calvinistas insistem no termo.) A única resposta que eu posso dar a esta pergunta é que eu não sei. Não tenho idéia por que Deus salva alguns e não todos. Não duvido por um momento que Deus tenha o poder de salvar todos, mas eu sei que Ele não escolhe salvar todos. Realmente não sei por quê.” (Ibid, pg 26)
Para Sproul o livre-arbítrio seria “a capacidade de escolher o que queremos”, e este conceito, igualmente demonstramos em linhas anteriores, que tal capacidade é sempre em meio a condições, contexto ou no mínimo é influenciada pelos nossos desejos e vontades, pela natureza, agentes e forças externas, mas nunca totalmente livre, e para explicar isto Sproul trouxe afirmações interessantes de um outro calvinista, já citado, Jonathan Edwards, que se propôs explicar a questão e exterminar de vez o “tal” “livre-arbítrio” no que diz respeito a salvação do homem.
Ainda no livro Eleitos de Deus, “De acordo com Edwards, um ser humano não somente é capaz de escolher o que deseja, como precisa escolher o que deseja, simplesmente para ser capaz de escolher. O que eu chamo de Lei da Escolha de Edwards é esta: A vontade sempre escolhe de acordo com sua mais forte inclinação do momento”. Isto significa que toda escolha é livre e toda escolha é determinada. Eu disse que era enganoso. Soa como uma clara contradição dizer que toda escolha é livre e ainda assim toda escolha é determinada. “Determinada”, aqui, não significa que alguma força externa compele a vontade. Em vez disso, refere-se a motivação ou desejo interno de alguém. Em poucas palavras, a lei é esta: Nossas escolhas são determinadas por nossos desejos. Elas continuam sendo nossas escolhas porque são motivadas por nossos próprios desejos. Isto é o que chamamos de autodeterminação, que é a essência da liberdade.”
A proposta de Edwards parece resolver o problema, o fim último da explicação é mostrar que o homem carnal não pode ir (sozinho) na direção de Deus, não pode desejá-Lo, querer fazer o bem, boas obras de e em Deus, isto porque sempre decidimos em direção a mais forte inclinação do momento.
Homem pecador, inclinado ao pecado, separado de Deus, escolhe o que é mal, o que é ruim aos olhos do Pai, enquanto que o homem espiritual escolhe coisas espirituais, vida, paz, bondade e misericórdia. Parece muito claro e correto. Em termo mais simples seria o mesmo que dizer que um ser/animal herbívoro só se alimenta de plantas e não de carnes, pois não é de sua natureza. Ótimo! Que bela explicação! Parece elucidar boa parte das dificuldades em entender as chamadas “decisões livres” ou o “livre-arbítrio”.
Entretanto, embora aparentemente lógica a definição de Edwards, em sentido amplo ela se aplica bem, mas em sentido estrito não condiz, integralmente ou em todo caso, com a verdade das Escrituras, pois homens regenerados, nascidos de novo, homens espirituais, continuam pecando.
“Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.” (I Jo 1.8-10)
E da forma que o Edwards e o Sproul postulam parece que o homem, sem Cristo, só comete torpeza, o tempo todo, em todo tempo é mal, só faz maldades e iniquidades, inclinação ao pecado, não há sequer nem sombra de Deus em suas memórias, mentes corrompidos de tal modo que não podem nunca manifestar característica ou pensamento daquele que foram feitos imagem e semelhança, de Deus. (Gn 1.26 e 5.1), mal sabem que tal conceito destoa até do pensava João Calvino:
“Isto, sem dúvida, será sempre evidente aos que julgam com acerto, ou, seja, que está gravado na mente humana um senso da divindade que jamais se pode apagar. Mais: esta convicção de que há algum Deus não só é a todos ingênita por natureza, mas ainda que lhes está encravada no íntimo, como que na própria medula, que a contumácia dos ímpios é testemunha qualificada, a saber, lutando furiosamente, contudo não conseguem desvencilhar-se do medo de Deus.” (Institutas, Edição Clássica, V. 1, pg 55.)
Em algum momento de nossa existência, mesmo em má consciência, pecaminosa, lampejos de Deus se manifestam em nós. Ainda resta em nós temor do Juízo, do senso de divindade – observe que mesma em vilas e comunidades remotas há divindades, temor do criador, de um julgamento, instituem em todos os cantos leis que em muito se comunicam com a Torá, por exemplo, e devemos perguntar: de onde vem tal sentimento comum entre todos os homens?
“e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra, determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação; para que buscassem a Deus, se porventura, tateando, o pudessem achar, o qual, todavia, não está longe de cada um de nós;” (At 17.26-27)
“Pois do céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça. Porquanto, o que de Deus se pode conhecer, neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Pois os seus atributos invisíveis, o seu eterno poder e divindade, são claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas criadas, de modo que eles são inescusáveis;” (Rm 1.18-20)
É bem verdade que nenhum homem é totalmente livre, isto porque ninguém é capaz de viver sem pecar, estamos aprisionados em nossas paixões, mesmo querendo o bem (natural), não conseguimos, e o apóstolo Paulo isto relatou:
“Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim.” (Rm 7.15-17)
Mas quem pode nos livrar desta maldição do pecado, da escravidão de nossa mente e membros?
“Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor! De modo que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado.” (vs. 24-25)
E, compreendendo que o conceito de Edwards, inclinação a maior necessidade no momento, é demasiadamente relativo em si mesmo (que necessidades?), quantas vezes o homem faz o que lhe é contrário? Quantas vezes toma decisões contra todas as forças exteriores e às vezes contra seu próprio intelecto? Não fazem jejuns os não crentes? Não se matam, contra toda natureza divina, pois todos somos criaturas de Deus, imagem e semelhança, e contra a natureza humana, “instinto” de sobrevivência, os radicais islâmicos? Ou nunca fazem o bem os que não conhecem a Deus? Não contribuíram com o mundo e a existência humana os cientistas, pensadores, filósofos? Reis, impérios, não contribuíram para o desenvolvimento humano, educação?
Então o homem pecador nem sempre está a cometer torpeza, está corrompido, morto espiritualmente, embora esteja sempre separado de Deus, longe da graça e da salvação, visto que independe de obras (Ef 2.5-10), mas pode, em determinadas circunstâncias, escolher e resistir às forças contrárias, restando um arbítrio no íntimo, não totalmente livre, mas também não totalmente cativo a maior necessidade do momento.
Infelizmente não sabem, a maioria dos que creem na predestinação calvinista, que os teólogos arminianos (assim são chamados o grupo dos que creem na existência do livre-arbítrio – capacidade de escolha contrária, na liberdade de escolha), que estes também combateram e combatem as ideias pelagianas.
E aqui entramos na segunda definição de livre-arbítrio – capacidade de escolha contrária, resistir a forças externas, escolher, considerando forças e necessidades, mas com determinada liberdade.
Ao final, nenhum homem poderá dizer que teve sua vontade cativa de tal maneira, que mesmo diante da manifestação do Espírito Santo, não lhe era possível dizer sim ou não, receber esta graça (salvação).
O livre-arbítrio para James Armínius
“Tal fato é o estado da questão no pelagianismo e maniqueísmo. Se alguém pode entrar em um caminho do meio entre essas duas heresias, ele será um verdadeiro católico, nem infligir uma lesão na Graça, como os pelagianos fazem, nem no livre-arbítrio como os maniqueus.” (Obras de James Arminius, volume I)
“Quanto graça e livre-arbítrio, isto é o que eu ensino, segundo as Escrituras e o consentimento ortodoxo: livre-arbítrio é incapaz de iniciar ou aperfeiçoar qualquer verdade e o bem espiritual, sem graça. Que eu não possa dizer, como Pelágio, para a prática de ilusão em relação à palavra “graça”, eu quero dizer com isso que é a graça de Cristo e que pertence à regeneração. Afirmo, portanto, que essa graça é simplesmente e absolutamente necessário para a iluminação da mente, a ordem de vencimento das afeições, e a inclinação da vontade para o que é bom.
É esta a graça que opera sobre a mente, os afetos e da vontade, o que infunde bons pensamentos na mente, inspira bons desejos em ações, e dobra a vontade de continuar em execução pensamentos bons e bons desejos. Esta graça precede, acompanha e segue; excita, assistências, opera que iremos, e coopera para que não vai em vão. Ele evita tentações, assistências e subsídios socorrer no meio das tentações, sustenta o homem contra a carne, o mundo e Satanás, e neste concurso bolsas grandes para o homem o gozo da vitória.
Ela levanta-se novamente aqueles que são conquistados e caiu, estabelece e fornecê-los com uma nova força, e torná-los mais cauteloso. Esta graça começa a salvação, promove e aperfeiçoa e consuma. Confesso que a mente de um homem natural e carnal é obscura e escura, que as suas afeições são corruptas e desordenado, que sua vontade é teimosa e desobediente, e que o próprio homem está morto em pecados.” (Obras de James Arminius, volume II)
Não são poucas às vezes em que Armínio nomeia, em seus escritos, as teses pelagianas e semi-pelagianas de heresias, opondo-se a elas.
Outras citações de teólogos arminianos:
Baltasar Hubmaier, (1481 – 1528, arminiano antes mesmo de Arminio, teólogo do movimento anabatista,):
“O livre-arbítrio, destruído pela queda, é restaurado por Cristo e pelo Espírito de Deus que opera por meio da Palavra.” (Olson, História da teologia cristã, pg 433)
Jonh Wesley
“Não posso conceber porque o dr. E. contende comigo por causa do livre-arbítrio natural, senão que o faz pelo prazer da contenda. Pois é certo que neste ponto, se em nenhum outro, estamos inteiramente de acordo. Creio que Adão, antes da sua queda, era totalmente livre para escolher o bem ou o mal, mas que, desde a sua queda, nenhum filho dos homens tem poder natural para escolher qualquer coisa que seja realmente boa. Contudo sei (e quem não sabe?) que o homem ainda tem de escolher nas coisas de natureza indiferente. Não concorda comigo o dr. E. nisto? Oh! porque procuramos ocasião para contenda!” (Coletânea da teologia de Jonh Wesley, pg 125)
Que o crer não está totalmente no arbítrio do homem, e o estado, vontade inclinada à satisfação da carne.
“Dizer que todo homem pode crer para ser justificado ou santificado quando, na verdade, a vontade dele é claramente contrária a isso. (…) Sustento de forma fervorosa que todo homem pode crer se quiser, e, contudo, nego totalmente que pode crer quando quiser.” (Kenneth J. Collins, Teologia de Jonh Wesley, pg 221-222)
Norman Geisler
“Alem disso, todas as boas virtudes para com Deus no coração e na vontade também foram, igualmente, perdidas — o amor de Deus, a confiança em Deus, e o temor real a Deus. Deus não é recebido onde o Espírito Santo não tenha, primeiramente, iluminado e despertado o entendimento, a vontade e o coração. Sem o Espírito Santo os homens são incapazes de realizar obras virtuosas como a fé verdadeira, o amor de Deus e o temor real a Deus, por suas próprias forcas.
E, por isso, o coração miserável do homem permanece tal qual uma casa desolada, deserta, velha e decadente, sem abrigar Deus e com o vento soprando através das suas janelas. Ou seja, todos os tipos de tendências conflitantes e cobiças arrastam o coração rumo aos mais variados pecados que envolvem o amor, o ódio, a inveja e o orgulho fora de controle. Os demônios também espalharam o seu veneno.
Quando falamos acerca desta grande ruína dos poderes humanos, estamos falando sobre o livre-arbítrio, pois a vontade e o coração do homem estão miseravelmente aprisionados, afetados e arruinados, de forma que, interiormente, o coração e a vontade do homem são, diferentemente da lei divina, ofensivos e hostis a este, e o homem, por suas forcas interiores naturais, não e capaz de ser obediente. Isto e dito a respeito da obediência interior real, aquela sem hipocrisia.” (Teologia Sistemática, volume 2, pg 59)
O apóstolo Tiago também discordaria de Edwards e da teoria de inclinação a maior necessidade:
“Meus irmãos, tende por motivo de grande gozo o passardes por várias provações, sabendo que a aprovação da vossa fé produz a perseverança; e a perseverança tenha a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, não faltando em coisa alguma.” (Tg 1.2-4)
Para nós o livre-arbítrio 2 pode ser chamado de livre-arbítrio real, livre-arbítrio arminiano, assim como o livre-arbítrio 1 (senso comum) pode, e deve, ser chamado de livre-arbítrio pelagiano.
O livre-arbítrio 2, isto é capacidade de escolha contrária, não consiste em desprezar influências internas, externas ou necessidade do momento, mas que mesmo frente as forças, necessidades e agentes externos, escolher, aceitar ou resistir, até mesmo ao Espírito Santo, ex:
“Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; como o fizeram os vossos pais, assim também vós.” (At 17.51)
“mas Cristo o é como Filho sobre a casa de Deus; a qual casa somos nós, se tão-somente conservarmos firmes até o fim a nossa confiança e a glória da esperança. Pelo que, como diz o Espírito Santo: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto” (Hb 3.6-8)
“Sujeitai-vos, pois, a Deus; mas resisti ao Diabo, e ele fugirá de vós.” (Tg 4.7)
“Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, e procurando a quem possa tragar; ao qual resisti firmes na fé, sabendo que os mesmos sofrimentos estão-se cumprindo entre os vossos irmãos no mundo.” (I Pe 5.8-9)
“Portanto tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, permanecer firmes.” (Ef 6.13)
A graça, que chega antes, a bondade de Deus nos capacita, nos esclarece, o Espírito nos mostra a vontade Dele, e a nossa oração deve ser sempre “seja feita a Tua vontade.”
Resumindo
O livre-arbítrio 2 – definimos como a capacidade de escolher em contrário mesmo frente a agentes externos, meio, situação ou necessidade, a capacidade de resistir e decidir, restritamente, mediante condições, em que nada verga, de tal maneira, a vontade humana que não se possa atribuir ao homem a responsabilidade de seus atos.
Tal capacidade nada mais pode ser, que a semelhança em que fomos criados, advinda de Deus, da livre graça, da liberdade do Criador que dotou a criatura, comer ou não comer do fruto, do bem e do mal, obedecer ou não, esta diante de cada um de nós, agora mesmo. A graça, indispensável à salvação do homem, nos orienta para aquilo que o homem natural não compreende, isto é, às coisas espirituais, nos abrindo os olhos, pela pregação da palavra, a fé vem aos nossos corações (Rm 10.17) e então somos feitos novas criaturas em Cristo Jesus. (II Co 5.17)
Dito de outro modo:
O livre-arbítrio – conceito arminiano, a capacidade de escolha contrária. E no que tange a salvação, pela manifestação da graça de Deus, isto é, com o indispensável auxílio da graça, que vem antes, precede, antecede, auxilia e capacita, de maneira que o homem pode, ao ouvir o Evangelho, ao ouvir o Espírito Santo, entender, aceitar ou ainda, resistir, rejeitar, endurecer o coração, negar o Filho de Deus, não crer no unigênito do Pai. Quão bondoso é o nosso Deus, que nos deu liberdade, e nos deu liberdade da escravidão do pecado em Cristo Jesus, nosso Senhor.
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.” (João 3:16-19)
“Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho.
Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida. Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus.” (1 Jo 5:10-13)
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