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estudos bíblicos

Tentação – a batalha por nossas escolhas e atitudes

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 7 do trimestre sobre “Batalha espiritual”

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Tentação de Jesus
Tentação de Jesus

A Lição de hoje baseia-se numa das muitas batalhas que Jesus travou diretamente contra Satanás. Os textos bíblicos sobre a tentação de Jesus nos trazem preciosas lições de como podemos, desde que seguindo os passos de nosso Senhor, ser vitoriosos na batalha pela pureza e pela santidade. Ninguém está fadado ao fracasso, nem pode argumentar que porque é homem está determinado a pecar irremediavelmente. Jesus, homem, não só venceu a tirania do pecado, como coloca-se ao mesmo tempo como nosso grande referencial e nosso grande ajudador para as batalhas morais e espirituais travadas cotidianamente. Sigamos, “olhando firmemente para Jesus…” (Hb 12.2), pois nele podemos “alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4.16).

I. A tentação

Segundo o Dicionário Bíblico Wycliffe, os termos hebraico e grego para “tentar” (hb. massa, gr. peirazo) e “tentação” (hb. nasa, gr. peirasmos) podem ter os seguintes significados: (1) induzir ao pecado; (2) testar o valor e o caráter de alguém. O contexto bíblico deve definir qual a melhor tradução e sentido das palavras originais. De modo geral, quando usadas num sentido positivo para falar do teste que Deus impõe ao crente em particular ou ao seu povo em geral, diz-se que é uma “provação” de Deus; quando usadas num sentido negativo para falar da indução do diabo ao pecado ou da ação de nossa velha natureza cobiçando o que é contrário à santidade de Deus, diz-se que é uma “tentação”.

A tentação ou provação pode ter origem em Deus (num sentido sempre positivo, para com os crentes), no diabo (num sentido sempre negativo, contra os homens) ou nos homens (num sentido sempre negativo, contra Deus). Entendamos melhor nos pontos seguintes.

1. Quando vem de Deus: teste

Tiago, irmão do Senhor, disse que Deus a ninguém tenta (Tg 1.13). Essa tentação a que Tiago se refere (gr. peirazo) é a indução para o pecado, e de fato, ela nunca procede diretamente de Deus, visto que Ele é “tão puro de olhos” (Hc 1.13) e “grande em benignidade” (SL 103.8). Portanto, é infeliz a versão Almeida Corrigida quando diz, por exemplo, que “tentou Deus a Abraão” (Gn 22.1) no caso em que pediu o seu filho Isaque em sacrifício. Traduções melhores dizem: “pôs Deus Abraão à prova” (ARA), “Deus pôs Abraão à prova” (NVI) ou “sucedeu que Deus provou Abraão” (ALM21). Todavia, a versão Almeida Corrigida acerta quando, referindo-se ao mesmo episódio, no texto de Hebreus 11.17, traduz: “Pela fé, Abraão, no tempo em que Deus o expôs à prova, ofereceu-lhe Isaque como sacrifício…”. Deus estava colocando a fé e o caráter de Abraão sob teste, e de fato o patriarca foi aprovado com louvores quando Deus lhe disse: “…agora sei que temes a Deus…” (Gn 22.12).

No Antigo Testamento vemos que Deus testa a veracidade da confiança de seu povo, como no já mencionado caso de Abraão e ainda nos casos de: Israel (Ex 15.25; 16.4), da tribo de Levi (Dt 33.8); de Ezequias (2Cr 32.31) e do salmista (Sl 26.2). No Novo Testamento diz-se que Jesus provou a fé de Filipe (Jo 6.6 – “para o experimentar”, ARC e ARA; “para colocá-lo (ou pô-lo) à prova”, NVI e ALM21). Portanto, a regra é essa: quando a ação é de Deus, é sempre positiva para experimentar a fé e o caráter do crente, tendo em vista a sua confirmação.

2. Quando vem do diabo: tentação

Não à toa satanás é chamado de “tentador” (Mt 4.3; 1Ts 3.5), visto que desde os primórdios da humanidade ele tem se ocupado deste ardil: seduzir os homens ao engano, ao pecado e à escravidão do mal. Devido suas constantes artimanhas, a Palavra de Deus nos alerta: “Não deis lugar ao diabo” (Ef 4.27); “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1Pe 5.8) e “…resisti ao diabo e ele fugirá de vós” (Tg 4.7).

Todavia, é verdade que nem sempre há uma ação direta de satanás inflamando o desejo de pecar no coração das pessoas – “cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência”, dizia Tiago (Tg 1.14). Desde que Adão caiu e arrastou com ele toda a humanidade para a escravidão do pecado, o homem separado de Deus e recusando sujeitar-se à sua graça está totalmente depravado, sempre se inclinando para o que é mau e corriqueiramente deixando-se cair nas seduções de sua natureza corrompida. Mesmo que oferecendo dádivas aos outros, o homem não deixa de ser mau em sua natureza (Mt 7.11). A concupiscência da carne e dos olhos e a soberba da vida sempre buscarão reinar no coração do homem, levando-o a satisfazer-se em práticas pecaminosas (1Jo 2.16).

Sobre o homem descrente, John Wesley fazia a seguinte descrição: “No coração de todo filho de homem há um fundo inexaurível de maldade e injustiça, enraizado de forma tão profunda e firme na alma que nada, a não ser a graça toda-poderosa, pode curar isso” [1], e ainda: “O homem, por natureza, é repleto de todo tipo de maldade? É vazio de todo bem? É totalmente caído? Sua alma está totalmente corrompida? Ou, para fazer o teste ao contrário: ‘toda imaginação dos pensamentos de seu coração [é] só má continuamente’? Admita isso, e até aqui você é um cristão. Negue isso, e você ainda é um pagão” [2].

Assim, enquanto o diabo é nosso grande tentador externo, temos junto de nós a velha natureza como nosso tentador interno. Porém, satanás busca potencializar esses desejos do velho homem e sugerir à nossa mente que não devemos reprimir a vontade de “por um pouco de tempo ter o gozo do pecado” (Hb 11.25). Vigiemos nossos pontos fracos e aproximemo-nos de Deus em nossas necessidades físicas, emocionais, financeiras e espirituais, pois o inimigo costuma atacar-nos em nossas fraquezas! Fortifiquemo-nos na graça de Deus! (2Tm 2.1)

3. Quando vem dos homens: provocar ou pôr em dúvida

O texto de Êxodo 17.7, que trata sobre a contenda do povo hebreu com Moisés por água, diz que os filhos de Israel tentaram ao Senhor dizendo: “Está o Senhor no meio de nós ou não?”. Como entender essa “tentação” do povo contra o Senhor, se Tiago disse que “Deus não pode ser tentado pelo mal”? (Tg 1.13). A explicação é simples: Tiago tem em mente a tentação que procede do próprio interior, isto é, a cobiça pelo que é mau. De fato, esse tipo de tentação Deus nunca a sofrerá, visto que é totalmente e irretocavelmente santo! (Is 6.3) Todavia, quando o texto bíblico fala que os homens tentaram a Deus (conf. Nm 14.22; Sl 95.8,9; 1Co 10.9) o sentido não é de uma sedução para o pecado, mas de uma provocação incrédula.

O pastor Esequias Soares pontua que testar (ou tentar) Deus é questionar sua fidelidade no pacto e duvidar de sua autoridade; tal atitude reflete descrença no Senhor, o que é reprovável! Deus mesmo sugere que seu povo faça prova (hb. bachan) dele quando agirem fielmente para com o Senhor, no sentido de que aguardem confiantemente no cumprimento de sua provisão prometida (Ml 3.10); mas Deus abomina ser colocado à prova ou tentado no sentido de ter sua promessa colocada sob desconfiança, dúvida e ainda se ver como alvo de murmurações daqueles que foram visitados por sua graça e provisão!

Esse tipo de prova, provocação ou tentação advinda dos homens, Cristo também a sofreu, como está claro nos costumeiros embates travados com as autoridades religiosas de seu tempo, especialmente fariseus e saduceus (conf. Mt 16.1; Mc 8.11; 10.2). Foram muitas as tentações durante os breves três anos de ministério do nosso Senhor (Lc 22.28), mas ele afirmou: “Eu venci o mundo” (Jo 16.33). Aquele que em tudo foi tentado, mas sem pecado, pode como nosso fiel sumo sacerdote compadecer-se de nossas fraquezas (Hb 4.15). De tal modo que podemos cantar:

E nas lutas de cada dia,
Cristo nunca me deixa só,
Pois ele é meu seguro guia,
Ele só, Ele só.

II. A tentação de Jesus

Como dissemos, foram muitas as tentações de Jesus durante sua vida terrena (conf. Lc 22.28), todavia, a tentação que Jesus suportou logo após seu batismo, é de tal importância que merece uma atenção especial. O registro desse evento foi feito nos evangelhos sinóticos: Mateus 4.1-11; Marcos 1.12,13; Lucas 4.1-13. Discordamos da opinião de eminentes expositores, como João Calvino, para quem essa tentação de Jesus não foi literal, mas uma visão ou alegoria. Cremos no encontro real e físico de Jesus com satanás no deserto, visto que nada há no texto que nos leve a pensar em visão ou narrativa alegórica.

1. Propósito da tentação de Jesus

Convém-nos perguntar: qual o propósito da tentação de Jesus? Isto é, por que ela se fez necessária? Creio que esta resposta é objetiva e elucidativa:

Deus sempre testou todas as ordens de seres racionais que Ele criou. Esse teste consiste em uma prova de confiança e obediência totais. Um teste em si não é a causa de pecado. Apenas a ação do testado pode transformar o teste em uma ocasião para pecar. Os anjos eram a primeira ordem. Aqueles que criam em Deus e o obedecerão foram confirmados em justiça e se tornaram os anjos santos; aqueles que desobedeceram e se rebelaram junto com Satanás caíram. Adão e Eva se depararam com um teste de obediência; desobedeceram e caíram. Cristo, para poder redimir os homens, enfrentou testes e saiu vitorioso (Hb 5.7-9). Assim como pela desobediência do primeiro Adão todos caíram, também pela obediência do último Adão a salvação foi oferecida a todos quantos creram nele como Salvador pessoal (Rm 5.19) [3]

Devido a união perfeita das duas naturezas em Cristo, a divina e a humana, concluímos que era impossível Jesus ceder às tentações do diabo. Se Jesus pecasse, não apenas o homem Jesus estaria pecando, mas o Filho de Deus estaria pecando também, pois o humano e o divino são inseparáveis nele! A grande questão, na verdade, não era se Jesus poderia ou não pecar, mas se ele venceria ou não a tentação como homem, semelhante a nós, sem utilizar as suas prerrogativas divinas, visto que ele assumiu a posição de servo (Fp 2.5-8). A diferença é que a natureza humana de Jesus não era caída, isto é, não trazia a corrupção interior; ao passo que nós os que fomos concebidos naturalmente, fomos concebidos em pecados, trazendo a inclinação interior para o mal desde o ventre materno (Sl 51.5).

Todavia, o auxílio que Jesus recebeu é o mesmo que está disponível para todo crente: o Espírito Santo que o guiou em todo tempo no deserto. Jesus não reivindicou força onipotente para triunfar sobre a tentação – o que teria sido muito fácil para ele. A Bíblia de Estudo Pentecostal traz uma boa nota: Uma vez que Cristo teve que enfrentar a tentação, como representante do homem ele não poderia empregar nenhum outro meio para vencê-la além do de um homem cheio do Espírito Santo [4]. E é aqui que está a questão: se vivemos a deficiência do pecado e o fardo da velha natureza corrompida, podemos desfrutar do eficiente auxílio do Espírito Santo para nos fazer mortificar o velho “eu” e nos capacitar para vitórias após vitórias nas batalhas espirituais travadas diuturnamente!

2. A orientação e a capacitação do Espírito Santo

Tanto Mateus como Marcos e Lucas destacam o papel do Espírito Santo na condução de Jesus para o deserto a fim de que fosse tentado pelo diabo. Mateus diz que Jesus foi levado (gr. anago, isto é, colocado no meio) pelo Espírito ao deserto (Mt 4.1); Marcos usa uma linguagem mais forte e diz que o Espírito impeliu (gr. ekballo, isto é, mandar sair, com ideia de violência) para o deserto (Mc 1.12); Lucas escreve que Jesus foi guiado (gr. ago, isto é, conduzir com as mãos levando ao destino) pelo Espírito no deserto (Lc 4.1). Cada forma peculiar dos autores escreverem ressalta uma característica da ação do Espírito sobre Jesus: em Mateus, o Espírito é aquele que coloca Jesus no meio do deserto; em Marcos, o Espírito é aquele que traz a firme convicção no coração para ir ao deserto; em Lucas, o Espírito é aquele enche Jesus e que está presente no deserto, não só quando leva Jesus até lá, mas durante todo período da tentação. Os crentes hoje que almejam, com acerto, uma vida orientada pelo Espírito, preparem-se pois é no deserto que o Espírito costuma forjar cristãos fortes e vencedores!

3. As feras do deserto

Marcos destaca que no deserto Jesus estava “com as feras”. Os expositores divergem se o sentido desse acréscimo de Marcos é para dizer que Jesus estava em meio ao perigo das feras no deserto [5], ou para dizer que Jesus estava em companhia amistosa dos animais selvagens [6]. Menos provável é a opinião de Mulholland, para quem “a referência à presença de Jesus entre os animais seja uma alusão à restauração do Éden (Is 11.6-8; 65.25; Os 2.18) com a reversão da inimizade que surgiu no universo como resultado da queda (Gn 3.15)” [7]. William MacDonald deixa a questão em aberto: “Esses animais eram energizados por satanás para tentarem destruir o Senhor?” [8]. Se há alguma referência messiânica no Salmo 91, então parece mais coerente pensarmos nessas feras do deserto como animais selvagens hostis ao Senhor: “Pisarás o leão e a cobra; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente” (Sl 91.13).

III. A tríplice tentação

Como está claro no texto de Lucas (4.2), as três tentações em destaque nas narrativas deste evangelista e de Mateus foram apenas algumas, dentre muitas outras, que Jesus suportou durante os quarenta dias em que esteve no deserto. A ordem das tentações é diferente nestes dois evangelhos, mas não há contradição nos relatos. Todavia, para efeito de estudo, daremos preferência ao relato de Mateus, que nos parece melhor organizado na sucessão das tentações.

1. A primeira tentação: saciar-se através de um milagre

Jesus não esteve ocioso no deserto aguardando os ataques de satanás. O texto bíblico diz que Jesus jejuou quarenta dias e quarenta noites, ao final dos quais ele teve fome (Mt 4.2). Certamente esse jejum de Jesus tinha uma conotação religiosa, quando ele absteve-se de alimentos para o corpo a fim de fortalecer-se no espírito. Esse jejum prolongado de Jesus deve ter sido acompanhado de muitas orações ao Pai, como lhe era de costume fazer.

Como o texto bíblico fala que Jesus “não comeu coisa alguma” (Lc 4.1), que ele teve fome (Mt 4.2) e que a primeira sugestão do diabo foi que ele transformasse pedras em pães (Mt 4.3), devemos concluir que esse jejum de Jesus foi abstenção de alimentos, mas não de água. A abstinência total de alimentos e água demandaria um milagre para sobrevivência do Filho do homem em meio ao deserto (especialmente durante o dia, quando o sol fervilhava!), e não parece razoável admitirmos a ocorrência de um milagre quando estamos lidando com um período de tentações que Jesus precisaria vencer como homem. O evangelho de João aponta que o primeiro milagre de Jesus foi transformar água em vinho (Jo 2.11) e não sobreviver sem pão nem água por quarenta dias no deserto!

Agora o diabo lhe tenta: “Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães” (Mt 4.3). Apesar das nossas traduções em português sugerirem dúvida quanto a Jesus ser Filho de Deus, o texto grego não sugere que satanás tinha dúvida ou que ele queria impor alguma dúvida na mente de Jesus quanto à sua filiação divina. Como ressaltou MacDonald, “As palavras introdutórias ‘Se és Filho de Deus’ (…) realmente significam: ‘Já que és Filho de Deus’. O diabo está se referindo às palavras do Pai a Jesus em seu batismo: ‘Este é o meu Filho amado’” [9].

A tentação do diabo neste caso não era impor dúvida, mas aproveitar-se da certeza de que Jesus é o Filho de Deus para seduzi-lo a usar suas prerrogativas divinas e se autossatisfazer transformando substâncias a bel prazer para escapar das necessidades humanas. Nesse caso, porém, falhariam as profecias que diziam que o Messias seria “homem de dores, e experimentado nos trabalhos” (Is 53.3). As provações e privações enfrentadas por Cristo faziam parte das dores e dos trabalhos em que ele seria experimentado pelo Pai. Primeiro os espinhos, depois as glórias!

Mas vejamos que maravilha: aquele que de própria vontade transformou a água em vinho para servir aos seus amigos em Caná da Galiléia, negara outrora transformar pedras em pão para se autocongratular! Jesus não fazia milagres em benefício próprio, mas em benefício das gentes sofridas que lhe clamavam por socorro. Satanás queria um espetáculo daquele que foi apresentado publicamente como o Filho amado do Pai; todavia, Jesus, que não buscava sua própria glória (Jo 8.50), respondeu a satanás citando o texto do Pentateuco: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4; Dt 8.3).

Se a Palavra é a espada do Espírito (Ef 6.17), então Jesus a manuseou bem contra satanás, desferindo-lhe golpes em sequência! Mas reflitamos: quantos de nós temos jejuado no corpo para nutrir nosso espírito com jejuns, orações e Palavra de Deus? Nessa cultura dos fast-foods somos corriqueiramente tentados a não jejuar ou a quebrar nossos jejuns para saciar os apetites do corpo. Precisamos aprender a jejuar com nosso Senhor Jesus! Para desfrutarmos de semelhante poder e vitória sobre o mal.

2. A segunda tentação: confiança presunçosa no Pai

Devido a primeira resposta de Jesus ter sido conforme as Escrituras, satanás, que é a antiga serpente do Éden, o primeiro pseudointérprete da história que torceu as palavras de Deus para seduzir Eva a comer do fruto proibido, agora deve ter raciocinado que lograria semelhante êxito contra o Filho de Deus. Ele “transportou” (ARC) ou “levou” (ARA) Jesus à cidade santa, que é Jerusalém (cremos que por um ato de transladação e não de caminhada até o templo; mas com todo consentimento de Cristo, já que para ser tentado é que ele fora levado pelo Espírito ao deserto), e o colocou sobre o pináculo, que era a parte mais alta do templo (difícil de ser definida com precisão), e então sugeriu citando uma porção do Salmo 91: “Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e tomar-te-ão nas mãos, para que nunca tropeces com o teu pé em alguma pedra” (Mt 4.6; Sl 91.11,12).

A tentativa de suicídio proposta por Satanás, sob pretensa promessa bíblica de livramento após o ato ser iniciado, foi uma armadilha para abusar de Deus com uma confiança presunçosa. A promessa do Salmo 91 não fora feita aos suicidas nem aos que intentam deliberadamente contra sua segurança física a partir de uma fé cega e irrefletida, mas aos que deparando-se com o perigo que não foi buscado ou desejado, depositam sua confiança em Deus para proteção do mal. A parte que Satanás propositalmente escondeu foi esta: “…para te guardarem em todos os teus caminhos…” (Sl 91.11). Deus promete livramento nos caminhos da vida, e não em atos deliberados de atrevimento e cinismo!

Mas novamente Jesus demonstra não ter qualquer simpatia pelo diabo e nenhum interesse em sujeitar-se à ele. Se o diabo torceu as Escrituras e a utilizou mal, o Verbo de Deus a menciona com autoridade e corretamente interpretada: “Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus” (Mt 4.7; Dt 6.16). Não deve nos impressionar que o diabo cite as Escrituras mal interpretadas e mal aplicadas, pois isto faz parte de suas artimanhas, especialmente para com aqueles que demonstram interesse de submissão à Palavra de Deus. Hoje ele continua fazendo isso através de falsos mestres, propagando falsas doutrinas e heresias perniciosas para enganar os homens  ingênuos, que não examinam as Escrituras, nem comparam as coisas espirituais com as espirituais. (1Co 2.13)

3. A terceira tentação: instigar desejo pelo poder fácil

Visto que é persistente, satanás prossegue em sua última investida contra o Filho de Deus, agora tentando provocar-lhe a vaidade, a soberba e o desejo de retomada fácil do domínio sobre os homens, agora escravos de satanás devido o pecado que os separara de Deus. É certamente a tentação mais petulante de todas: “Novamente o transportou o diabo a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E disse-lhe: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4.8,9). Num relance, satanás mostra a Cristo todos os reinos e as glórias do mundo (Lc 4.5: “…num momento de tempo…”).

O texto de Lucas acrescenta que o diabo teria justificado assim sua oferta: “Dar-te-ei a ti todo este poder e a sua glória; porque a mim me foi entregue, e dou-o a quem quero” (Lc 4.6). Jesus não questiona esse domínio do grande usurpador, visto que, de fato, em razão do pecado dos homens pelos quais se fizeram prisioneiros do diabo e da permissão divina que confere domínio provisório a satanás sobre as riquezas deste mundo vil (o mundo que se opõe a Deus, excetuando-se, portanto, as riquezas dos salvos que foram consagradas a Cristo e sobre as quais satanás não tem nenhum direito), o adversário é de fato “o deus deste século” (2Co 4.4) e “o príncipe deste mundo” (Jo 14.30).

Mas sua tentação é atrevida não porque oferece fácil e pronta retomada do domínio global (de fato, satanás tem repartido este poder e estas glórias com muitos homens e mulheres que têm se sujeitado a ele através de pactos nefastos), mas porque exige ao Filho de Deus a condição da adoração a satanás! Jesus assim deixaria de ser submisso ao Pai para fazer-se co-regente do mundo com o diabo. E na verdade, há uma tentativa de estabelecer um acordo de paz com Jesus, ao mesmo tempo livrando Jesus dos horrores da cruz bem como poupando a satanás de ter sua cabeça esmagada e sua derrota garantida no Calvário. Todavia, recusando tal acordo com o diabo, Jesus poderia dizer mais à frente aos seus discípulos: “Ele [o diabo] não tem nenhum direito sobre mim” (Jo 14.30b, NVI). Se Jesus tivesse firmado acordo de paz com satanás, não iria fazer mais sentido Paulo perguntar: “E que concórdia há entre Cristo e Belial?” (2Co 6.15).

Todavia, Jesus Cristo recusou a oferta de satanás, visto que mediante o preço de sangue é que ele iria nos redimir, derramando a sua alma na morte (Is 53.12), e tomando, através de sua graça que é branda e suave, o controle de nossos corações e o governo sobre os homens que deliberadamente o recebessem em seus corações. Satanás pediu acordo de paz, mas Jesus lhe trouxe espada! (Mt 10.34). Satanás, até mesmo por boca de Pedro, tentou impedir o caminho de Jesus até a cruz (Mt 16.21-23), todavia, Jesus não se recusou a beber todo o cálice que o Pai lhe deu a beber (Mc 10.38; Jo 18.11). Jesus não transitou por atalhos, antes percorreu todo o trajeto que o Pai já havia estabelecido e que as Escrituras já há muito prenunciavam (Mt 26.54)

A última resposta de Jesus a satanás foi: “Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás” (Mt 4.10). Mais uma vez, Jesus cita o Pentateuco (Dt 6.13; 10.20). O diabo deixou a Jesus (Mt 4.11) e a batalha do deserto estava ganha, embora a guerra continuasse, já que em tempo oportuno mais à frente ele se manifestaria para novas batalhas (Lc 4.13). Com auxílio do Espírito Santo, através da oração, do jejum e da Palavra de Deus, Jesus obteve vitórias sobre o seu adversário! Hoje, Cristo não é mais tentado, mas coloca-se como irmão e amigo ao nosso lado para nos fortalecer, nos persuadir do bem, e nos livrar das astutas ciladas do diabo. Como dizia um antigo hino cantado pela irmã Aline Barros,

Quando o pecado chegar em você,
Clame o nome de Jesus,
Ele está perto pra te socorrer,
Mas você precisa clamar!

Ao final das tentações no deserto, o Cristo faminto recebe a visita de anjos que vieram lhe servir, trazendo-lhe ânimo e alimento (como no caso de Elias, 1Re 19.6,7). O que faltava a Jesus e satanás lhe sugeria trazer a existência por meio de um milagre, os anjos de Deus trouxeram ao Filho. Assim é na vida de todo crente fiel: ele precisa de algo, satanás vem e lhe tenta nessa necessidade, mas propondo caminhos escusos para se alcançar o que precisa; todavia, o temor a Deus livra o crente de cair no engano de satanás, e então Deus mesmo traz até o crente fiel a provisão necessária. E como recusar o pão que o diabo amassou para comer o maná do céu! Deus é glorificado, o crente é suprido e o diabo é envergonhado!

Conclusão

Quando falamos que Jesus venceu as tentações é comum ouvirmos alguém murmurar: “ah, mas é claro que Jesus venceu, afinal ele é o todo poderoso”. Todavia, como vimos no estudo da Lição de hoje, Jesus venceu as tentações como homem, sem usar de suas prerrogativas divinas, sem apelar para a sua força onipotente, o que lhe daria grande vantagem. Jesus venceu porque orava, jejuava, era guiado pelo Espírito, cheio do Espírito e alimentava-se de profunda comunhão e submissão ao Pai. Se formos cristãos de fato e não apenas de nome, então seguiremos os passos de Cristo, nos espelharemos nele, buscaremos um coração semelhante ao dele, e seremos vencedores sobre as tentações. Mesmo quando em fraqueza pecarmos, se nos voltarmos para ele arrependidos, ele advogará nossa causa junto ao Pai e ser-nos-á a propiciação que afugenta a ira divina e nos torna amados diante de Deus! (1Jo 2.1,2)

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Referências
[1] Kenneth Collins. Teologia de John Wesley: o amor santo e a forma da graça, CPAD, p. 97
[2] Kenneth Collins. Op. Cit., p. 97
[3] Dicionário Bíblico Wycliffe, CPAD, p. 1907
[4] Bíblia Pentecostal, nota de rodapé Mateus 4.2
[5] A.T. Robertson. Comentário Mateus e Marcos à luz do Novo Testamento Grego, CPAD, p. 349; William Hendriksen. Comentário do Novo Testamento, exposição do evangelho de Marcos, Cultura Cristã, p. 72
[6] A. Elwood Sanner em Comentário Bíblico Beacon, p. vol. 6, CPAD, p. 229
[7]  Dewey M. Mulholland. Marcos introdução e comentário, Vida Nova.
[8] William MacDonald. Comentário Bíblico Popular, Mundo Cristão, p. 109
[9] William MacDonald. Op. cit., pp.18,9

Casado, bacharel em teologia (Livre), evangelista da igreja Assembleia de Deus em Campina Grande-PB, administrador da página EBD Inteligente no Facebook e autor de quatro livros.

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