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opinião

Um dos maiores males da atualidade

A ambiguidade vai se infiltrando em nossas relações, caracterizando-nos como uma sociedade “escorregadia”

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Vários caminhos. (Foto: Envato / BrianAJackson)

Abordo objetivamente neste texto um dos maiores males da atualidade. Não, não é a depressão. A depressão é um mal, com certeza, e infelizmente, crescente.

Mas, a depressão é um estágio, às vezes final, de um processo que pode se arrastar por anos e, com as devidas medidas, ainda assim, o quadro pode ser revertido.

O que me refiro agora é algo que está cada vez mais impresso no caráter das pessoas e que, por isso, vemos com cada vez mais frequência.

Por ter-se tornado algo normal, beirando a banalidade comportamental, tal característica tornou-se um grande mal, uma vez que, além de tudo, é silenciosa, isto é, cresce sem que as pessoas atentem às suas nocivas consequências.

Refiro-me à ambiguidade. Esta característica é temida em áreas como a linguística e a filosofia, dadas as confusões que causam. Em relação à língua, temos ambiguidades que se dão por má construção sintática, como: “Ana e Cláudia foram fazer compras, juntas, e foi aí que Cláudia lembrou-se de ligar para a tia dela”. Bem, Cláudia ligou para a sua tia ou para a tia de Ana? É uma ambiguidade em que o contexto, caso esteja claro, poderá resolver.

Outro exemplo um pouco mais sofisticado é: “Deus é amor, portanto, toda forma de amor é divina”. O erro desta afirmação se dá pela confusão (ambiguidade) de que, em tal frase, composta por Sujeito (DEUS) + Verbo de Ligação (É) + Predicativo (AMOR), há diferenças substanciais que devem ser compreendidas, quando invertemos os termos: “Sujeito (O AMOR) + Verbo de Ligação (É) + Predicativo (DEUS).

Na primeira frase, “o amor” qualifica essencialmente a Deus, e o erro é deduzir a partir da primeira que, na segunda, “Deus” qualifica o amor. Na verdade, o “É” da primeira frase (“DEUS É AMOR”) é ontológico, não qualitativo apenas. E pode sê-lo, porque Deus é um ser com substância real: a divina. Amor não tem substância, sendo por si uma ideia formal. Por isso, o segundo “É” (“O AMOR É DEUS”) é uma tentativa de se qualificar uma ideia formal, pura, sem substância.

É tão absurdo que se pode atrelar qualquer amor para o divino, e, como se sabe, nem todo amor é divino: amor por matar não é divino; amores contrários ao padrão revelado por Deus não são divinos. Contudo, veja que, atualmente, transformaram qualquer amor em algo “divino”, portanto, acima de críticas. A confusão permanece nas mentes de muitos, por causa da ambiguidade.

Até aqui, grosso modo, já deu para verificarmos como a ambiguidade pode causar confusões em escalas imensas. Mas, ainda mais perigoso é a ambiguidade moral, perante a qual muitos, por conveniência, confusão, medo ou maldade, se submetem, tornando-se seus escravos.

Quando alguém pede perdão a outro(a), e este(a) responde: “Só o tempo dirá”, pode-se deduzir que o caráter ambíguo da resposta – mais comum nas relações diárias -, provém de deliberação normal, do perfeito juízo de quem profere uma sentença assim, que, consciente, não quer outra coisa senão imprimir dúvida, medo e angústia com quem conversa. É uma falha moral grave, muitas vezes baseada na conveniência e covardia, sentimentos que, por diversos motivos, encontram-se onipresentes em nossa débil e combalida sociedade.

Jesus nos dá uma advertência (clássica) quanto à ambiguidade (cf. Mt. 5:33) que, pode-se dizer, anda de mãos dadas com a volatilidade. Muitas pessoas são voláteis em seus posicionamentos, porque é melhor se se quiser muda-los quando se fizer necessário. A necessidade provém de qualquer situação que force o indivíduo, assim ele(a) pensa, a mudar, com o mínimo de “prejuízos” para si.

Desta forma, a ambiguidade vai se infiltrando em nossas relações, caracterizando-nos como uma sociedade “escorregadia”, com homens e mulheres frágeis, que não defendem seus reais posicionamentos com verdade, com coragem, com transparência, transformando-nos ao fim num complexo de incredulidades. É claro, pois em quem vamos confiar numa era em que as pessoas, para que não sejam vistas como “comprometidas com algo”, dão propositalmente respostas evasivas, genéricas, ambíguas?

Penso que o(a) cristão(ã) deve se erguer como um influxo contrário a isso tudo que se apresenta como a verdadeira moral do novo milênio. É algo difícil, complexo, mas que inquestionavelmente nos sufoca e oprime a todos, além de destruir a confiança mútua que deveríamos ter uns nos outros.

Não estou sendo utópico ou um singelo idealista, mas apelando a uma outra característica que se opõe à ambiguidade moral; característica esta presente no Evangelho e que deve realmente fazer parte do caráter do cristão, o qual é chamado para se insurgir contra os padrões do mundo, que está em trevas: a clareza e a firmeza de posicionamento. Não é à toa que, em Mateus 5:13-16, Jesus diz:

Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”.

Bacharel em Teologia e Filosofia. Pós-graduado em Gestão EaD e Teologia Bíblica. Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFPE. Doutor em Teologia pela FATEFAMA. Diretor-presidente do IALTH -Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades. Pastor da IEVCA - Igreja Evangélica Aliança. Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniela.

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