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opinião

A dogmatização da liberdade de expressão

É preciso que tenhamos muito cuidado para que, em nome da liberdade ou da abstenção de ideias calçadas em dogmatismos, não venhamos de forma imperceptível dogmatizar a própria liberdade de expressão.

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Os últimos tempos têm sido bastante trabalhosos. Isto, se deve, como efeito colateral da possibilidade de difusão de opiniões, através das mídias sociais tão em voga neste tempo. A difusão de opiniões [do grego doxa frequente nos diálogos de Platão] sem o mínimo de reflexão, em muitos casos, mais atrapalha do que ajuda na resolução dos conflitos estabelecidos pelas demandas levantadas em nosso cotidiano. Não era para menos, a opinião como doxa pode se referir à mera expressão de pontos de vista de forma irrefletida pelas pessoas em suas vivências e relacionamentos. Um conceito que se contrapõe a isto é o conhecimento assertivo [do grego episteme] que reside na ideia de algo que não se calça somente na subjetividade humana, mas em conhecimentos que podem ser testados resultando num saber mais próximo do verdadeiro.

O problema em relação a esta dicotomia (doxa x episteme) se agrava naquilo que chamamos de ciências humanas. Como testar os conhecimentos que tem como objeto e sujeito ao mesmo tempo o homem? Em outras palavras qual a resposta para a pergunta fundamental da antropologia filosófica: O que é homem?

Dito isto, nos deparamos nesta semana com uma discussão acirrada acerca da vinda da eminente ideóloga de gênero Judith Butler. A discussão decorre de uma petição via CitizenGo (plataforma de petições on line) que sugere o cancelamento da palestra de Judith Butler no Sesc-Pompeia em São Paulo. Muitas pessoas têm sido a favor desta petição, assim como, por outro lado, muitas tem sido contra. Tentarei abordar aqui, ainda que superficialmente, os argumentos utilizados nesta discussão.

Em resumo, os que têm sido contra esta petição normalmente se calçam na defesa da liberdade de expressão. Mesmo que a Butler seja o arauto da defesa das teorias de gênero na atualidade que vão frontalmente contra o conceito de família tradicional (visando destruí-la), em nome da liberdade de expressão muitos, inclusive cristãos conservadores, defendem a vinda e a fala aberta de Butler. Neste sentido, os que argumentam deste modo acreditam que somente a partir da fala aclarada desta ideóloga de gênero é que eles poderão firmar seus posicionamentos no combate aberto as teorias expostas. Por um lado é possível ver o amadurecimento e coerência neste tipo de defesa, por outro lado, vale a pena fazer uma reflexão mais aprofundada sobre o possível Calcanhar de Aquiles desta argumentação.

A liberdade de expressão assim como o próprio conceito de liberdade, extremamente abordado na teologia e na filosofia, não possui “status de absolutização”, ou seja, não é absoluta em si e não pode estar acima de valores fundamentais da sociedade firmados pela mesma. O conceito de liberdade e todos os seus corolários foram manchados pelo efeito do pecado. O uso da liberdade, sobretudo, a liberdade de expressão, deve se assentar na responsabilidade e na ética, não de ordem particular, mas de ordem universal.

Um exemplo da esfera sociopolítica pode ser evocado no projeto “Escola sem Partido”. Muitos dizem que este projeto retira a liberdade de expressão censurando professores e o livre pensar. Isto até seria correto, desde que esta liberdade de expressão não estivesse pautada na disseminação intencional do ideário que vai contra às questões de foro íntimo das famílias (de maioria conservadora) como as condutas sexuais, tratando de normatizá-las a bel-prazer de professores progressistas, a fim de cumprir com uma “agenda de gênero” defendida pela maioria esmagadora da classe acadêmica.

Outro exemplo de mau uso da liberdade de expressão foram as recentes “mostras de arte” do Queermuseu [a teoria queer – defendida por Butler em seu livro Problemas de Gênero, 1990 – basicamente reside na ideia de que a identidade sexual é um construto sociocultural não determinado por questões biológicas]. Houve também a mostra do Museu de Arte Moderna de São Paulo, além de eventos como o do rapaz nu que ralou a estátua de Nossa Senhora apoiada sobre a região do seu pênis. Em todas estas situações a liberdade de expressão foi absolutamente deslegitimada, por não se ater à responsabilidade inerente a sua prática, bem como às questões éticas que norteiam sua execução. Objetivamente falando, tais práticas de liberdade de expressão se transformaram em crime contra o sentimento religioso, conforme prevê o Artigo 208 do Código Penal Brasileiro.

Os exemplos acima nos mostram que a prática da liberdade de expressão, antes de tudo, deve se basear na responsabilidade e na ética para que as demais instituições consagradas na Constituição e demais órgãos da sociedade (como a democracia) não sejam rebaixadas ou por ela prejudicadas.

As mostras de arte citadas acima que culminaram no alardeamento da população são apenas expressões quase que ipsis litteris (com as mesmas letras – exatamente igual) daquilo que Judith Butler tem falado e escrito em seus livros. Não era para menos, tais mostras de arte seguem deliberadamente as ideias defendidas por Butler. Assim, surge uma sincera questão: se muitos tem se levantado para boicotar “mostras de arte” que são atos ilícitos contra o sentimento religioso expresso na Lei, ou para vetar a ideologia de gênero nas escolas, porque então o discurso que fundamenta toda esta ilicitude, na pessoa de Judith Butler, deve ser aberto e garantido a partir da liberdade de expressão?

Outrossim, dizer que é preciso que Judith venha ao Brasil para que todos saibam objetivamente o que ela defende, parece ser uma fala um tanto ingênua. Suas obras possuem tradução em português, além de suas palestras e conferências serem altamente difundidas em canais como o YouTube.

A ideologia de gênero, neste caso, representada por Judith Butler destrói a família nos moldes conservadores. Não destrói como armas de fogo, mas como armas ideológicas que, antes de matar o corpo, matam a alma e o cerne da civilização, sobretudo, a ocidental. Lembremos que as ações são sempre precedidas pela estruturação das ideias.

Portanto, nem tudo deve ser defendido e disseminado publicamente tendo como base a liberdade de expressão. Talvez, a única exceção ou ponderação sobre a defesa desta petição on line resida no fato de que, os progressistas defensores da ideologia de gênero possam acusar os conservadores de intolerantes, coisa que os progressistas tem feito o tempo todo nos últimos tempos. Dito isto, é preciso que tenhamos muito cuidado para que, em nome da liberdade ou da abstenção de ideias calçadas em dogmatismos, não venhamos de forma imperceptível dogmatizar a própria liberdade de expressão.

Oro para que Deus nos ajude neste turbilhão de opiniões e pouco conhecimento de fato, a fim de agirmos de forma a contribuir e influenciar positivamente nestas questões tão sensíveis e intensas que borbulham na sociedade atual

Apologista cristão por vocação. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Filosofia também pela PUC-Campinas-SP e em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP.

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